quinta-feira, 19 de maio de 2016

BRASIL DESCONHECIDO

Em meados do século XIX, moradores do entorno de Recife promoviam, no primeiro domingo depois da Páscoa, uma concorrida festa ao deus Baco que culminava com uma procissão até a pequena Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes. O fato é narrado por Luis da Câmara Cascudo em sua História da Alimentação no Brasil (Editora Global).
Em 19 de abril de 1648, nas proximidades do Recife, os holandeses foram vencidos por combatentes das três raças formadoras da nacionalidade brasileira na primeira Batalha de Guararapes. No dia 19 de fevereiro de 1649, aconteceu a segunda batalha, que culminou com nova vitória brasileira. Mais tarde, o mestre de campo Francisco Barreto de Menezes, que comandou o exército de patriotas, pediu que fosse construída uma capela junto à Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, conhecida também como Nossa Senhora das Vitórias, em agradecimento à vitória conseguida contra os holandeses.
As comemorações da Festa de Nossa Senhora estenderam-se para oito dias: o primeiro dedicado a Nossa Senhora do Rosário; o segundo, a Nossa Senhora dos Prazeres; o terceiro, à Senhora Santana; o quarto, a São Gonçalo; o quinto, ao Bom Jesus de Bouças; o sexto, a Nossa Senhora da Soledade; o sétimo, a Nossa Senhora da Conceição; o oitavo – não por falta de nomes na hagiografia - a Baco.
A festividade dedicada ao deus pagão começava após o ritual litúrgico convencional. Uma multidão dirigia-se a um lugar chamado Batalha, próximo ao riacho Jordão cujas águas vermelhas eram atribuídas ao sangue dos guerreiros da Batalha dos Guararapes. Ali, formava-se um cortejo e depois do batizado de Baco nas águas do Jordão pernambucano, saiam todos em procissão. Cada participante levava um galho de árvore e encerrando o cortejo surgia Baco, montado em uma pipa conduzida aos ombros pelos participantes, que iam se revezando na tarefa.
O papel do deus pagão (?) era representado pelo juiz da festa, eleito todos os anos pelos foliões. Baco usava uma coroa de folhas, levava uma garrafa de vinho na mão direita e um copo na esquerda e, naturalmente, bebia durante todo o percurso do séquito em direção aos Prazeres. Pereira da Costa, citado por Câmara Cascudo, diz que desfilava “então o préstito, entoando um cântico tirado por uns tantos e respondido em coro por toda a gente”.

O estribilho era convidativo: “Bebamos companheiros, /Bebamos companheiros, /O suco da uva,/ O vinho verdadeiro.”  O folclorista brasileiro imagina que seria um belo espetáculo aquele “enorme e compacto arvoredo a descer pela colina, cuja verdura resplendia como esmeraldas aos raios solares”. Essa incrível procissão entrava por um dos lados da capela, dava uma volta pelo pátio e se desfazia.
Câmara Cascudo diz que o costume foi tolerado por autoridades civis e religiosas até 1868, quando chegou o novo bispo, D. Francisco  Cardoso Aires. Culto e meticuloso, ao saber da história, o religioso chamou o presidente da Província, Braz Carneiro Nogueira da Costa e Gama, o conde de Baependi,  e acabou a festa.
Baependi (mais tarde senador do império) mandou a infantaria para a Igreja dos Guararapes e a cavalaria para as barrancas do Riacho Jordão. Assim, os devotos desse Baco batizado não se animaram a continuar com os festejos que, no entanto, permaneceram na lembrança da população local.
          Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes, construída nas primeiras décadas do século XVII, fica no município de Jaboatão dos Guararapes.
  
Bacco, de Caravaggio (1571-1610), Galeria Uffizi, Florença. 



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