sábado, 5 de agosto de 2017

ARTE DE ENVELHECER

Sempre que tenho compromissos na Cidade Universitária vou mais cedo, tomo café na FEA e depois faço hora na livraria Visconde de Cairu, pequena, mas simpática. E foi lá que vi o livrinho que folhei distraída até que li o texto do Freud sobre mulheres idosas e que me deixou furiosa. Fui consultar o preço que era bom e ainda ganhei um descontão, tipo, leve-o, por favor. 
Para que eu quero um livro sobre “Como envelhecer”, se já estou bem avançada nessa fase da vida? Acomodada na poltrona preferida, acho a leitura agradável. Afinal, Anne Karpf é jornalista e socióloga da saúde (nem sabia que essa profissão existia). Como ela explica logo no início, o livro “se desenvolve a partir da crença de que precisamos nos libertar das ideias predeterminadas de como uma pessoa mais velha, ou mesmo mais jovem, deve parecer, soar ou viver”.
Com os avanços científicos e tecnológicos do século XX, a expectativa de vida do homo sapiens aumentou e o conceito de velhice mudou. A Organização Mundial de Saúde prevê que em 2050 haverá dois bilhões de idosos no mundo e em 2020 pela primeira vez na história o número de pessoas com mais de 60 anos será maior que o de crianças até cinco anos e 80% dessas pessoas viverão em países de baixa e média renda*.
A autora mostra como esses números são usados para disseminar o medo da velhice por meio de uma “linguagem apocalíptica” ao se referir à “bomba relógio demográfica” ou ao “tsunami grisalho”. “Não corremos mais o risco de invasão de marcianos, mas de pessoas velhas” – escreve Anne Karpf que segue analisando o impacto econômico (real) dessa mudança de uma forma mais pontual do que a media costuma fazer, mostrando que o envelhecimento da população não implica em um fardo insuportável para as sociedades industrializadas. Ela cita o economista Phil Mullan que diz que o debate sobre os “custos financeiros dos mais velhos tem sido deliberadamente exagerado, em parte, para tirar a responsabilidade do Estado pelo seu suporte financeiro e jogá-la sobre entidades privadas e até mesmo sobre outros indivíduos mais velhos”.
  Numa sociedade em que cada vez mais se valoriza o novo e a aparência, cresce o medo do envelhecimento e surge, triunfante, o que a autora chama de “mercado anti-idade”. Com um potencial de consumo global de U$ 10 trilhões em 2020, o público sênior (acima de 60 anos) deve ganhar cada vez mais relevância no varejo. Mas os cuidados para evitar o envelhecimento, entretanto, começam muito mais cedo, na faixa dos trinta anos ou até menos, o que amplia a clientela da indústria anti-idade.
          Interessante que os difusores de medo desse futuro mundo de idosos se esquecem de que farão parte dele.
A autora reuniu uma coletânea de citações de escritores, músicos, médicos, sociólogos entre outros, mostrando diversas visões do envelhecimento.
Que tal começar com Norma Desmond, personagem de Gloria Swanson (1899-1893) no clássico Crepúsculo dos Deuses, filme de 1950, dirigido por Billy Wilder (1906-2002)? “Não há nada de trágico em ter 50 anos. A não ser que você esteja tentando ter 25.”
Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832): “A idade nos pega de surpresa.” Filósofo alemão.
Simone de Beauvoir (1908-1986): “Um dia acordei e havia uma mulher de 70 anos na minha cama”. Escritora francesa.
Rabino Zalman Schachter-Shalomi (1924-2014): “Morte não é um erro cósmico” e, explica Anne Karpf, “se nos esforçarmos para integrá-la à nossa compreensão de vida desde a mais tenra idade, isso pode paradoxalmente reduzir o medo do envelhecimento”.
Nora Ephrom (1941): “Ah, o pescoço. Existem pescoços de galinha. Existem pescoços de peru. Existem pescoços de elefante. Existem pescoços com pelancas. Existem pescoços esqueléticos e pescoços gordos, pescoços flácidos, pescoços encarquilhados, pescoços com faixas, pescoços enrugados, pescoços fibrosos, pescoços moces, pescoços cheios de manchas... Para conhecer a idade de uma árvore é necessário cortá-la, mas isso não seria necessário se ela tivesse um pescoço.” (Escritora e roteirista norte-americana.)
Molly Andrews: “Por todo ciclo da vida, mudança e continuidade tecem uma teia intrincada. Conforme encontramos novos desafios, físicos e psicológicos, com os quais a vida no confronta, nós mudamos, mesmo permanecendo os mesmos. Nesse aspecto, a velhice não é diferente dos outros estágios da vida. As mudanças são muitas e são reais: negá-las, como alguns fazem em uma tentativa de combater o preconceito, é tolice.” (Professora de ciências sociais,  University of East London).
Peregrine Worsthorne (1923): Para mim é difícil escrever sobre a velhice porque não me sinto velho. Eu simplesmente me sinto eu. Talvez eu seja anormal, monstruosamente excêntrico nesse aspecto, já que também tenho de admitir que não consigo me lembrar de me sentir jovem ou na meia idade. Consigo me lembra dos tipos esperanças, preocupações e medos que eu sentia em diferentes períodos da minha vida, mas para mim foi a mesma coisa ter aquelas preocupações, esperanças e me dos.  E é a ininterrupta continuidade da minha autoconsciência que torna as mudanças relativamente insignificantes. (Jornalista inglês)
Enfim, a mensagem que ela passa é de que “envelhecer, em cada estágio da vida, pode ser altamente enriquecedor”. (Ilustrações: Rainha Elizabeth II, 91 anos, e o ator Robert Redford, 80.


 






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