sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Cinema 
Guilherme de Almeida (1890-1969).

Na grande sala escura,
só teus olhos existem para os meus:
olhos cor de romance e de aventura,
longos como um adeus.

Só teus olhos: nenhuma
atitude, nenhum traço, nenhum
gesto persiste sob o vácuo de uma
grande sombra comum.

E os teus olhos de opala,
exagerados na penumbra, são
para os meus olhos soltos pela sala,
uma dupla obsessão.
 
Um cordão de silhuetas
escapa desses olhos que, afinal,
são dois carvões pondo figuras pretas
sobre um muro de cal.
 
E uma gente esquisita,
em torno deles, como de dois sóis,
é um sistema de estrelas que gravita:
— são bandidos e heróis;
 
são lágrimas e risos;
são mulheres, com lábios de bombons;
bobos gordos, alegres como guizos;
homens maus e homens bons...
 
É a vida, a grande vida
que um deus artificial gera e conduz
num mundo branco e preto, e que trepida
nos seus dedos de luz...


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