domingo, 27 de janeiro de 2019

UM IMPERADOR NOS TRÓPICOS

Perdido em meio a um jardim tropical, o soldado romano parece completamente deslocado. Com pressa acabei me esquecendo da visão inusitada. Até que reli a história da estátua, contada pelo professor Claude Lévi-Strauss. Assim, a quarta-feira foi agitada. Fui ao Centro em busca da estátua, pois não me lembrava de onde o havia visto. Uma caminhada e tanto até o Largo do Arouche, onde prédios elegantes dão uma boa ideia da beleza do lugar em meados do século passado. Entretanto, a paisagem se deteriorou. Malandros se apossam dos espaços que deveriam ser de todos. Bustos de bronze foram arrancados e provavelmente derretidos. Restam Vicente de Carvalho, Luiz Gama e um desconhecido – por enquanto só levaram a placa de identificação.
Enfim, localizo Augusto de Porta Prima, gozando de sombra fresca como soem fazer os imperadores – entre uma batalha e outra ou mortos. É uma das muitas cópias do belíssimo original italiano (nem precisa dizer), que representa o primeiro imperador romano Otávio Augusto (27 A.C – 14 D.C), descoberta em 1863 e que se encontra nos Museus do Vaticano.

 A cópia paulistana foi um presente da colônia italiana à cidade. Segundo a Prefeitura, a estátua foi executada pela Fonderia Artistica Laganà, de Nápoles (Itália) e inaugurada em 1935 na esquina das Ruas Consolação e São Luís, num ponto que desapareceu com obras de urbanização realizadas anos depois.
O professor Claude Lévi-Strauss conta em “Tristes trópicos” que o paulistano não gostou da estátua (nem ele). E como o nobre Augusto tem o braço direito levantado como se fizesse um discurso, logo circulou a versão de que ele indicava o casarão de um jurista e político famoso à época, José Carlos de Macedo Soares (1883-1968): “É ali que mora Carlito”. Lévi-Strauss, entretanto, preferiu não identificar o verdadeiro Carlito e deu-lhe um pseudônimo.
De acordo com o Arquivo Histórico Municipal, a estátua foi executada pelo Liceu de Artes e Ofícios e colocada muito provavelmente na esquina da São Luís com a Rua Major Quedinho – mais tarde recuada com a urbanização, dando lugar à Rua Martins Fontes. A hipótese é que a estátua ali instalada estivesse voltada para o Teatro Municipal de forma que o imperador apontasse na direção da mansão de Macedo Soares.  
O imperador Augusto também sofreu banimento no período da II Guerra e só voltou à difícil tarefa de adornar um local público paulistano em 1948, quando foi levado do depósito para o Largo do Arouche. Difícil porque além dos pombos tem que enfrentar depredadores de monumentos públicos, piores que os exércitos que enfrentou em vida.
A estátua testemunhou em 1951 a chegada da compatriota Amélia Mazotti Montanari que abriu o restaurante “O Gato que ri”, famoso pela qualidade das massas que ela preparava. Dona Amélia morava na parte superior do imóvel, que ela dirigiu até 1983, quando foi brutalmente assassinada. O crime nunca foi solucionado. Depois de ficar fechado por alguns anos o gato voltou a sorrir com novos donos. Augusto de Prima Porta, felizmente, resiste. 

Obra original. Imagem: Wikipedia.

2 comentários:

Nilton Tuna disse...

Muito bom. E divertido de ler. bjs.

Hilda Araújo disse...

Obrigada, Nilton. Beijos.