sábado, 5 de julho de 2025

VIVA GABRIEL

Ah! O sol está de volta e o dia bem agradável, o que me levou à Vila Prudente para localizar um lugar onde terei de ir segunda-feira cedo. Para evitar problemas, fui “passear” por lá. A estação do metrô já é velha conhecida. Uma funcionária explica o caminho e diz que são apenas cinco minutos de caminhada. Lá fora, as coisas se complicam. Peço informações a três pessoas – nenhuma é do bairro. Já ia para um terminal de ônibus, quando vi o rapaz com uma sacolinha de comida. Resolvi tentar. 

– Bom dia. Você mora por aqui?

– Mais ou menos...

    Mais ou menos? Quem mora mais ou menos? Expliquei onde eu ia e ele logo ajeitou o celular, começou a pesquisar e localizou o endereço.

– Vamos atravessar a rua aqui porque é naquela direção – apontou a transversal.

Agradeci e já ia me despedindo, mas ele fez questão de me acompanhar. Perguntou meu nome e me vi na obrigação de perguntar o dele – Gabriel. Gabriel é uma simpatia. Deve ter uns 22 ou 23 anos. Expliquei que não conhecia a região, morava na Vila Mariana – estação que ele disse conhecer bem pois faz conexão do metrô com o ônibus para ir trabalhar. Ele presta consultoria em segurança (?). A rua vira uma ladeira íngreme que enfrento bravamente (treino todos os dias nas ladeiras da Aclimação, bem mais suaves). Então chegamos, agradeço muito a gentileza e desejamos boa sorte um para o outro.

Na volta, resolvi conhecer uma igreja que vi numa travessa e por isso cheguei à Praça Padre Damião Kleverkamp, pequena e agradável. A Igreja de Santo Emídio foi inaugurada em 1948. Santo Emídio (179 d. C.-309 d. C.) foi um bispo cristão, a quem se atribuem muitos milagres. Ele é o santo protetor dos terremotos, enchentes e chuvas intensas. Fora os terremotos, está no lugar certo. Damião Kleverkamp foi o primeiro pároco da igreja São Emídio. 

Na hora da foto, chegou o fusquinha ... Fazer o quê?

A preguiça fez com que eu descobrisse um suave caminho para retornar à estação do Metrô – quase plano! Detesto esses aplicativos que "indicam" caminho, mas sem Gabriel não teria chegado ao meu destino.  

sábado, 28 de junho de 2025

À PROCURA DE UMA PAPELARIA

 

Cresci ao lado de uma ótima papelaria – a "1001".  Isso muito antes que a agência McCann Erickson lançasse na década de 1970 a peça publicitária da lã de aço mais famosa do Brasil. Era lá que o meu material escolar era comprado. Havia ainda a Papelaria e Tipografia Reis. Tenho certeza de que não eram as únicas de Santos, mas é delas que me lembro bem.

Aqui em São Paulo conheci algumas ótimas, como a Papelaria Rosário, na Rua Xavier de Toledo no Centro Histórico, que infelizmente fechou em 2024. Outra que fechou funcionava no Conjunto Nacional, ao lado da Li
vraria Cultura. A Papelaria Umabel, na Rua Cristóvão Colombo, agora vende mochilas, e a Papelaria Estadão, no Viaduto Nove de Julho, resiste. Eu sempre senti grande atração pelas papelarias onde ia comprar lápis, tinta para as canetas tinteiro – só usei canetas esferográficas quando fui trabalhar no jornal –, fita para máquina de escrever, papel carbono, crepom, manteiga, de seda branco ou colorido (ah! os tempos de balões!). E as caixas de lápis de cor?

No ônibus a caminho do Centro Histórico me lembrei de duas pequenas papelarias pertinho da Sé; porém, como é sábado, não me preocupei em descer lá. Fiquei pela Rua Boa Vista, mas decidi atravessar o Anhangabaú e resolvi entrar no Shopping Light. Com tantas lojas, tudo é possível. Dito e feito! E achei logo no térreo – papelaria e livraria. Passei um bom tempo por lá procurando cartões e vendo as novidades da papelaria. Os cartões foram frustrantes: todos com mensagens descartáveis, óbvias, infantis... Alguns até bonitos, mas nenhum com o interior em branco para que se escreva a própria mensagem.

O que me chamou atenção foi a prateleira do material escolar: Na parte de cima, um objeto denominado “Caderno Argolado”, cheio de parangolés. Ora, ora vejam só! Lembrei-me com saudade do meu fichário, que me acompanhou no curso ginasial.

terça-feira, 17 de junho de 2025

FUI DE TÁXI

 


Se na Europa o viajante tem o conforto dos trens conectados a linhas de metrô para ir ou sair de aeroportos, nos Estados Unidos, a situação é diferente. Felizmente, os norte-americanos inventaram o shuttle, serviço de transporte bem mais barato do que táxi (geralmente vans), e que deixa o passageiro no hotel. Entretanto, em alguns lugares o serviço é disponível em horários que não são adequados (às 6 horas, às 13h etc.) e o jeito é usar táxi ou similares. Não se esqueça de que a praxe nos Estados Unidos é pagar a corrida e acrescentar de 15 a 20% de gorjeta.

Esse momento pode ser desfrutado como uma parte bem interessante do passeio seja qual for a cidade. Desta vez peguei vários táxis (algo raro nos roteiros europeus) e me vi sendo conduzida por motoristas de diferentes nacionalidades e todos muito satisfeitos com a nova vida que encontraram nos Estados Unidos, embora o trabalho seja exaustivo. O segredo é a oportunidade, que encontram nesse país feito de imigrantes. Assim, conheci um chinês, um vietnamita, um camaronês, um iraquiano, um indiano e um armênio.

O chinês mostrou-se o mais nervoso de todos e resmungou muito com os percalços do trânsito (muito bom por sinal) em Honolulu. O vietnamita falou com saudade das belezas do Vietnã. Nenhum ressentimento com o passado trágico entre o país de nascimento e o adotivo. O indiano surpreendeu-se quando elogiei o cinema da Índia. O iraquiano, quando soube que ia de San Francisco para Las Vegas de avião, me aconselhou a economizar dinheiro, usando o shuttle que servia os hotéis da região. O camaronês acha Las Vegas uma fantasia no meio do deserto, comentou a derrota da seleção nacional para o Brasil em 2014 e ainda estava estarrecido com a chacina que matara 59 pessoas no início da semana.

Um deles, quando soube que eu era do Brasil, suspirou nostálgico pela Xuxa. Xuxa? Foi-se o tempo em que falavam de Pelé ou de Reinaldo, mas Xuxa? Céus!

O armênio? Este não era de falar muito. Trânsito livre até o aeroporto, onde encontramos um imenso congestionamento para chegarmos ao terminal da empresa aérea que me traria de volta a São Paulo. Foi só então que perguntou para onde eu ia e aproveitei para perguntar a nacionalidade dele. 

Cá entre nós, o Trump nunca conheceu o país em que vive e muito menos as pessoas de verdade que trabalham na sua construção.

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Em português a grafia correta é táxi, mas por aí afora encontra-se sempre um taxi. O relato refere-se à viagem aos Estados Unidos feita em 2013.

terça-feira, 10 de junho de 2025

DIA DE PORTUGAL

 

O restaurante Martinho da Arcada, situado no Terreiro do Paço em Lisboa, tem mais de duzentos anos e era o café preferido do poeta Fernando Pessoa (1888-1935). O poeta teria sido convidado pela Coca-Cola para escrever o slogan da bebida que estava para ser lançada em Portugal,. mas a venda do refrigerante foi proibida no país durante a ditadura salazarista. A Coca-Cola só pôde ser comercializada em Portugal após o final da ditadura.

“Primeiro estranha-se, depois entranha-se” – este foi o slogan criado por Pessoa para a Coca-Cola lá pelos idos de 1927. A foto é de 2023, quando passei pelo restaurante.

DIA 10 DE JUNHO – DIA DE PORTUGAL, da Língua Portuguesa, de Camões e das Comunidades Portuguesas. 




segunda-feira, 9 de junho de 2025

LITERATURA DE CORDEL

 

 "A poesia de cordel é uma das manifestações mais puras do espírito inventivo, do senso de humor e da capacidade crítica do povo brasileiro, em suas camadas modestas do interior. O poeta cordelista exprime com felicidade aquilo que seus companheiros de vida e de classe econômica sentem realmente. A espontaneidade e graça dessas criações fazem com que o leitor urbano, mais sofisticado, lhes dedique interesse, despertando ainda a pesquisa e análise de eruditos universitários. É esta, pois, uma poesia de confraternização social que alcança uma grande área de sensibilidade.” Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).

O Google hoje lembra a Literatura de Cordel, herança portuguesa que floresceu no Brasil.

A Biblioteca Mário de Andrade tem em seu acervo de seis mil folhetos a “Tragedia do Marquez de Mantua & do Emperador Carlos Magno” (1692) e a “Pregação de João Coelho” (1787), ambos impressos em Lisboa.

A Universidade de Poitiers, na França, mantém o maior acervo da Europa sobre o tema: cerca de quatro mil documentos pesquisados pelo professor Raymond Cantel (1914-1986). O professor veio ao Brasil em 1959 para estudar temas como messianismo, mas mudou o rumo do trabalho quando conheceu a literatura de cordel. Ele retornou várias vezes ao Brasil até os anos 1980.

https://cordel.edel.univ-poitiers.fr/collections/show/3

Em 1988 foi fundada no Rio de Janeiro a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) para resguardar e divulgar a arte nordestina. Funciona na Rua Leopoldo Fróes, 37, em Santa Tereza.

Fotos: Exposição "Vidas em Cordel", promovida pelo Museu da Pessoa, na Estação da Luz em março de 2025.



sábado, 7 de junho de 2025

A VOLTA AO MUNDO EM 80 DIAS

        

David Niven e Cantinflas sobrevoam os Alpes. A única cena que usou efeitos especiais.

Revi esta semana o filme “A Volta ao Mundo em Oitenta dias”, o clássico de 1955 baseado no livro de Julio Verne (1828-1905), dirigido por Michael Anderson (1920-2018) e produzido por Michael Todd (1909-1958). Que obra extraordinária! Se o livro de Verne é fantástico, o filme sob diversos aspectos é insuperável a começar pela abertura com “Viagem à Lua” (1902) também com base na obra de Verne, filme dirigido por outro francês, Georges Méliès (1861-1938). Tanto Julio Verne quanto Méliès são pioneiros do gênero ficção científica na literatura e no cinema, respectivamente. 

            Em 1873, quando o livro foi lançado, o trem era o veículo terrestre mais veloz de que se dispunha e os navios (paquetes) ainda eram a vela ou a vapor. O enredo se passa em um clube londrino, onde um grupo joga cartas e discute o roubo audacioso de um banco da City e o destino do ladrão fugitivo – afinal, ele poderia ter ido para qualquer país do mundo. Logo discutia-se o encolhimento da Terra, pois era possível dar a volta ao mundo em três meses. Phileas Fogg, um cavalheiro enigmático, afirma que o feito poderia ser alcançado em oitenta dias e, após muita discussão, acontece a aposta que põe em risco a fortuna do desafiador, Mr. Fogg. Aliás, Fogg já tem até o roteiro pronto a partir de Dover-Calais:

De Londres a Suez pelo Monte Cenis e Brindisi, ferrovias e paquetes: 7 dias

De Suez a Bombaim, paquete: 13 dias;

De Bombaim a Calcutá, ferrovia: 3 

De Calcutá a Hong Kong (China), paquete: 13 dias

De Hong Kong a Yokohama (Japão), paquete: 6 dias

De Yokohama a São Francisco, paquete: 22 dias

 De São Francisco a Nova York, ferrovia: 7 

De Nova York a Londres, paquete e ferrovia: 9 dias

Total: 80 dias.

            Na adaptação para o cinema, entretanto, Fogg e seu criado mexicano Passepartout (no livro ele é francês) saem da França a bordo de um balão de ar quente, sobrevoando os Alpes. Um anacronismo, já que a primeira viagem tripulada em um balão de ar quente só aconteceria na década seguinte. Há outros. Não vou me estender sobre o livro ou o filme, que merecem ser lido e visto. Em tempos em que a viagem da Terra à Lua leva em torno de três ou quatro dias, o que vale mesmo são as aventuras, as paisagens naturais e urbanas e a recordação de grandes estrelas do cinema mundial.

A produção ambiciosa de Michael Todd, que fazia sua estreia no cinema, merece atenção. As cenas externas do filme foram feitas em treze países e a filmagem durou 75 dias – a maioria nos estúdios das sete maiores produtoras da época. Entre agosto de 1955 quando começou a ser produzido até dezembro do mesmo ano, aconteceram muitos problemas: Todd despediu o diretor e contratou Michael Anderson, com quem ele se entendeu muito bem; despediu também Gregory Peck por não gostar da interpretação dada ao personagem; mas encontrou tempo para se apaixonar e casar com Elizabeth Taylor. Aliás, como eram outros os tempos, o casamento deu o que falar porque ela estava com 21 anos e ele com 47.

Para a realização do filme a equipe viajou pelos cinco continentes, percorrendo seis milhões de quilômetros (Todd fez um acordo com companhias aéreas para conseguir essa “milhagem”); foram construídos 140 cenários; 68.894 figurantes trabalharam no filme; noventa domadores foram contratados para controlar 8.500 animais – muitos de grande porte; para o figurino foram confeccionadas 74.685 peças encomendadas em alfaiatarias de Hollywood, Londres, Hong Kong e Japão. O rei da Tailândia emprestou a embarcação usada na filmagem, mas Todd comprou um barco a vapor de verdade e o desmontou, o que se pode constatar no filme.

Para quem tem mais de 60 anos o filme oferece um jogo delicioso: reconhecer os grandes atores que tiveram uma pequena participação especial. Lá estão Noel Coward (ator e dramaturgo inglês), John Gielguld, Marlene Dietrich, Martine Carol, o toureiro espanhol Luís Miguel Dominguin, George Raft, Buster Keaton, Charles Boyer, Frank Sinatra, Red Skelton, Peter Lorre e Ava Gardner entre a multidão. As estrelas do filme são David Niven, Cantinflas e Shirley MacLaine (aos 21 anos e em seu terceiro filme).

“A Volta ao Mundo em 80 Dias” estreou em 17 de outubro de 1956 em Nova York. O filme recebeu cinco Oscar em 1957: melhor filme, melhor roteiro adaptado, melhor montagem, melhor fotografia e melhor trilha sonora. Levou o Globo de Ouro como melhor filme (comédia ou musical) e melhor ator (Cantinflas). E ganhou o Prêmio NYFCC 1956 – New York Film Critics Circle Awards. Nada mal para um estreante.

Shirley MacLaine, David Niven e Cantinflas.

Michael Todd morreu em 1958 num acidente em seu avião particular, no Novo México.