sábado, 25 de fevereiro de 2023

ROTEIRO DE IGREJAS HISTÓRICAS

São oito igrejas situadas no Centro Histórico de São Paulo que merecem uma visita. O roteiro pode ser feito a pé. Que eu saiba apenas a visita à cripta da Catedral da Sé é paga.

Catedral da Sé, Marco Zero de São Paulo. Inaugurada sem as torres em 1954.

Igreja e Museu José de Anchieta: Pátio do Colégio. Marco da fundação de São Paulo.
                                               O conjunto atual data de 1979.


 Igreja da Ordem Terceira do Carmo – Rua Rangel Pestana, 230.Data de 1676, a configuração atual data de meados do século XVIII.

Igreja Nossa Senhora da Boa Morte – Rua do Carmo. Edificação do século XVIII.

 Capela Santa Luzia e Menino Jesus – Rua Tabatinguera, 104.

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        Igrejas de S. Gonçalo (séc. XIX) e de S. Francisco. (séc. XVIII).  Largo de São Francisco.


Igreja de Santo Antônio, Largo do Patriarca. O restauro já terminou.
A igreja já existia em 1591 e passou por várias reformas.




terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

CARNAVAL: RIO DE JANEIRO, 1955.

Um belo documentário. Vale a pena assistir.


https://www.youtube.com/watch?v=gs4DRwvukuY

DESCOBRINDO SÃO PAULO A PÉ

Que tal uma caminhada por São Paulo de Sul (Engenheiro Marsilac) a Norte (Tremembé), para conhecer melhor a cidade, considerada uma das mais globalizadas do mundo, com uma área de 1 521,110 km², onde vivem 12 396 372 pessoas? O fotógrafo Roberto Linsker (1964) deu a ideia ao editor da revista National Geographic, que gostou e convidou o escritor de Reinaldo Moraes (1950) para fazer a reportagem da caminhada. Um detalhe: eles teriam que fazer o percurso – cerca de 90 km – em sete dias!  Alguns trechos do percurso, por questões logísticas, foram feitos de van, ônibus, metrô e táxi.

A dupla partiu de táxi no domingo, 2 de novembro de 2003, com destino a Engenheiro Marsilac. Dia chuvoso. Moraes aproveita a “viagem” para perguntar a Linsker detalhes da tarefa: “Minha ideia é andar e ver o que rola, as pessoas, os lugares, os caminhos, os contrastes. Não é uma pesquisa sociológica ou urbanística. Nem uma reportagem denúncia ou turística. Não sei, na verdade, o que é que vamos fazer. Vamos ver São Paulo, numa linha mais ou menos reta, do sul ao norte”.

O táxi os deixou num bar “no centrinho com ar interiorano de Marsilac, cercado de mata Atlântica por todos os lados e cortado pela ferrovia que liga São Paulo a Santos”, onde tomaram café. Ali começam a conversar com pessoas, a buscar informações e, enfim, se pôr a caminho para tecer essa história diferente de São Paulo. O roteiro é meio assustador para mim, que estou acostumada a andar a pé: Marsilac, Embura,  aldeia Guarani, Parelheiros, Grajaú, Cidade Dutra, Guarapiranga, Interlagos, Santo Amaro, Largo Treze, Socorro, Aeroporto, Moema, Parque Ibirapuera, Paraíso, Liberdade, Sé, Santana, Mandaqui, Tucuruvi, Tremembé... e o ponto final na Rodovia Fernão Dias.

Como eles se saíram? Muito bem, apesar de Moraes logo no primeiro dia ter despertado a ira do nervo ciático nas lombadas que o taxista atropelou a caminho de Marsilac. O ciático rouba muitas cenas da narrativa leve e muito agradável do trajeto. Calouro na arte de caminhar, Moraes levou uma mochila com várias coisas dispensáveis embora importantes – como xampu e creme para os cabelos e dois livros literário para ler ou consultar no caminho de peso não só, o que não aconteceu, naturalmente. Não demorou para ele concluir que “(...) qualquer trekker logo aprende que 100 gramas de manhã pesarão um quilo à noite, depois de um dia de caminhada.” Linsker foi com uma bolsa dorsal (?) onde carregou o básico.

 Nem vou detalhar essa viagem a pé por uma São Paulo em vias de completar 450 anos. Moraes fez um belo relato, mostrando-nos um pouco das pessoas anônimas que constroem a cidade, cidade em que vivem à margem, locomovendo-se quilômetros para trabalhar e ganhar mal ou se reinventar para conseguir sobreviver. Ora, dirá o leitor desavisado, isso é na periferia – norte ou sul; mas engana-se. Elas estão bem pertinho da classe alta e média, nos balcões de padarias, em bares, fazendo faxina, serviços de pedreiro, pintores. São camelôs, mecânicos, vendedores ambulantes, feirantes...Como Geralda que mora no Grajaú e tem uma barraquinha de café, bolo e refrigerantes na avenida Washington Luís, bem pertinho da pista de pouso do aeroporto de Congonhas e nunca viajou de avião. Ou como Cleuza, 38 anos, mãe de cinco filhos e avó de um netinho. Ela mora em São Miguel Paulista, vende cafezinho na Rua Vinte de Março na feirinha da madrugada. Conta que durante a semana dorme numa quitinete alugada com mais quinze ambulantes (cada um tem seu colchonete e seu próprio fogareiro). As fotos de Linsker são belas e expressivas.

            A dupla andarilha terminou a jornada no sábado, quando retornou a Parelheiros para visitar a aldeia guarani Tenondê Porá, pois no primeiro dia não encontraram o cacique Timóteo. Vale a pena ler “Estrangeiros em casa – uma caminhada pela selva urbana de São Paulo”, de Reinaldo Moraes e Roberto Linsker. São Paulo: Editora Abril, 2003. 

“Estrangeiros em casa – uma caminhada pela selva urbana de São Paulo” de Reinaldo Moraes e Roberto Linsker. São Paulo: Editora Abril, 2003.



domingo, 19 de fevereiro de 2023

RIMBAUD, O POETA ANDARILHO

 

NO CABARÉ VERDE

(às cinco da tarde)

Oito dias de estrada, as botas esfoladas
De tanto caminhar. Em Charleroi, desvio:
– Entro no Cabaré Verde: peço torradas
Na manteiga e presunto; que não seja frio.

Despreocupado estiro as pernas sobre a mesa
Verde e me esqueço a olhar os temas primitivos
Sobre a tapeçaria. – Adorável surpresa,
A garota de enormes tetas, olhos vivos,

– Essa, não há de ser um beijo que a afugente! -
Rindo, vem me trazer meu pedido numa
Bandeja multicor: pão com presunto quente,

Presunto rosa e branco aromado de um dente
De alho, e o chope bem gelado, boa espuma,
Que uma réstea de sol doura tardiamente.

Arthur Rimbaud

Outubro de 1870.

O poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891) foi um enfant terrible. Viveu pouco, mas intensamente. E caminhou muito pela vida afora. Fugiu de casa aos 15 anos com destino a Paris, depois de vender os livros que ganhara como prêmio na escola para pagar o trem, mas como a quantia não cobriu o itinerário todo foi preso ao desembarcar na estação de Estrasburgo. Resgatado por um professor, passa uns tempos com a família do protetor até que a mãe o chame. Rimbaud não fica muito tempo em casa. Foge novamente – desta vez faz uma parte do percurso de trem e inicia suas caminhadas; vai para em Bruxelas e, no retorno para casa, traz poesia como bagagem. Entre idas e vindas, ele retorna a Paris em 1871, quando encontra o poeta Paul-Marie Verlaine (1844-1896) com quem mantém por três anos uma relação amorosa tempestuosa.

Não li uma biografia de Rimbaud, mas deve ser bem interessante conhecer melhor esse jovem inquieto para o qual a falta de dinheiro não é um empecilho para viajar. Afinal sempre pode ir a pé. "Sou um pedestre, nada mais." Em 1875, por exemplo, na Suíça, sobe a pé o Monte São Gontardo para chegar a Milão, na Itália. Foram anos de andanças até que em 20 de fevereiro de 1891, na Etiópia, ele reconhece: “Vou mal agora”. Um dos joelhos estava muito inchado e com o passar do tempo piora consideravelmente até que em abril parte para Marselha numa viagem de dor e agonia. Ao ser internado no hospital, teve a perna amputada na altura do joelho. Ele não desiste. Encomenda uma perna de pau de dois quilos com a esperança de voltar a caminhar em breve. Volta para a família, a irmã cuida dele com dedicação.

Rimbaud não desiste apesar de todo sofrimento e parte com a ajuda da irmã com destino a Argel, mas em Marselha é internado em estado crítico. Em setembro ele ainda aguarda a perna artificial. Em 20 outubro completa 37 anos e no dia 10 de novembro morre, após um longo sofrimento. “Vejo em Rimbaud o sentido de caminhar como sendo fugir. (...) Sabe-se sempre porque se está caminhando. Para avançar, partir, atingir, tornar a partir.” Afirmação do filósofo Fredéric Gros.

Como poeta influenciou o modernismo.

"O par de sapatos" (1886), óleo sobre tela de Van Gogh. Acervo: Museu Van Gogh.


sábado, 18 de fevereiro de 2023

SEMANA DO CAMINHANTE

 Nunca houve tantos idosos no mundo como nos tempos atuais: 1,1 bilhão de pessoas com mais de 60 anos em 2022 de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). A expectativa é de que até 2050 o número de pessoas com 60 anos ou mais duplique e mais do que triplique até o final do século XXI, alcançando os 3,1 mil milhões em 2100! 

Se por um lado o fato é alvissareiro, por outro, é bastante preocupante pelos impactos sociais que causará em vários setores da sociedade. O mais urgente, do meu ponto de vista, diz respeito aos preparativos para o envelhecimento, que devem começar bem cedo cuidando tanto do “pé-de-meia” para os dias chuvosos como da saúde, adotando um estilo de vida saudável para que possa usufruir no futuro sua merecida aposentadoria, colocar em prática planos elaborados em dias de correria, quando costuma bater o desânimo, dar aquela vontade de sair correndo para uma praia ou campo e esquecer o chefe e as obrigações.

Com a carta de aposentado na bolsa, siga o conselho do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900): “Ficar ‘chumbado na cadeira’, repito-o, é o verdadeiro pecado contra o espírito”. Sempre é bom começar com um checkup para pôr em prática atividades físicas. Todo idoso vai ouvir do seu médico mais cedo ou mais tarde a ordem para praticar exercícios – coisa de que fujo desde os tempos da escola, quando Educação Física fazia parte do curriculum. Assim, por uns tempos optei pela dança (atividade aeróbica) e mais tarde por caminhadas e passeios pela cidade. 

Para caminhar ou passear, além de disposição, basta um calçado confortável, roupa adequada ao clima, chapéu e água. Na sacola ou mochila, o mínimo indispensável: levo um anoraque, o celular para eventuais fotos, água, uma maçã verde e identificação. Na minha cidade, costumo caminhar duas ou três horas, mas quando viajo perco totalmente o sentido do tempo e costumo caminhar o dia todo sem cansaço. O professor francês de filosofia, Frédéric Gros (1965), é taxativo: “Caminhar não é um esporte”. Gros afirma que “quando se anda a pé, só há um desempenho que de fato conta: a intensidade do céu, o viço das paisagens”. Para mim há também as surpresas do caminho, acontecimentos inesperados que obrigam o caminhante a improvisar, enfrentar desafios... É fundamental prestar atenção aos obstáculos para não cair e se machucar.

O filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) depois de uma existência bastante agitada, nos seus últimos anos resolveu dedicar o tempo a caminhadas por Paris.   “(...) não vi maneira mais simples e mais segura de realizar essa empresa do que manter um registro fiel de minhas caminhadas solitárias e dos devaneios que as preenchem quando deixo minha mente livre por inteiro e minhas ideias seguirem suas inclinações, sem resistência e sem dificuldade. Essas horas de solidão e de meditação são as únicas do dia em que sou eu mesmo por inteiro e pertenço a mim sem distração, sem obstáculo, e em que posso dizer de verdade que sou o que a natureza quis.”

Na segunda caminhada, realizada no dia 24 de outubro de 1776, o ilustre francês após o jantar passava pela área que hoje pertence ao 20º arrondissement, quando houve o incidente: viu as pessoas se afastarem para a lateral da rua e logo avistou um enorme cão dinamarquês que corria à frente de uma carruagem. Nem o cão nem Rousseau conseguiu se desviar. O filósofo, com 64 anos, achou que evitaria a queda dando um grande e preciso salto, permitindo que o cão passasse por baixo dele enquanto ele estivesse no ar. Na verdade, Rousseau não sentiu nem o golpe nem a queda: desmaiou.

Jovens o acudiram e quando voltou a si, contaram-lhe que a queda fora violenta, caíra de cabeça. Rousseau não lembrava de nada: nem país, cidade ou bairro. Aos poucos foi se recuperando até chegar em casa. No dia seguinte, um exame minucioso mostrou o rosto inchado, lábios e nariz extremamente machucados, mãos feridas, braço esquerdo deslocado, joelho esquerdo inchado e muito contundido. “Mesmo com todas essas repercussões, nada de quebrado” – escreveu ele.

Todo cuidado é pouco...

https://br.freepik.com/fotos-gratis/botas-no-chao-de-madeira

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

DIA MUNDIAL DO RÁDIO

A minha infância e juventude foram embaladas pelas ondas do rádio. Nas noites santistas, a família na sala ao pé do rádio ouvindo músicas maravilhosas, programas inesquecíveis, novelas, notícias e, naturalmente, a voz do governo – “A voz do Brasil” e seus alertas aos navegantes... Neste dia de ótimas lembranças, a obra-prima de Woody Allen sobre esses tempos tão especiais: “A Era do Rádio” (1987), que revi tantas vezes e sempre com o mesmo prazer. Contextos sociais diferentes, experiências tão semelhantes... Adoro esse filme.


https://www.youtube.com/watch?v=YO4aNhgmwp8

(O dia mundial do rádio foi criado pela UNESCO em 2011 a partir de uma proposta inicial da Espanha e reporta-se à data de criação da emissora das Nações Unidas, em 13 de fevereiro de 1943.)


domingo, 12 de fevereiro de 2023

A BUSCA DE UM LIVRO

 

Os funcionários da livraria Martins Fontes não deixam o leitor a ver navios (o que até seria difícil ali na Paulista). O jovem que me atendeu encontrou rapidamente um dos livros que eu queria, mas os outros dois estavam esgotados na editora. Quando soube do assunto do meu interesse, logo sugeriu um autor que também tratou do tema e, como me interessei, ele procurou o nome do livro que, infelizmente, também estava fora de catálogo. Anotou o título em um papel para que eu procurasse em um sebo.

    Ontem, pesquisei na internet e achei o livro num sebo na Liberdade. Com a informação de que a loja estaria aberta até as 18 horas, anotei o endereço e fui até lá. O roteiro era simples: descer na altura da rua da Glória e descobrir a tal praça de que nunca ouvira falar. A moça da banca de jornal era uma versão simpática e em carne e osso do Guia 4 Rodas. Batia papo com uma senhora que devia estar varrendo a calçada – pelo menos a vassoura que empunhava indicava essa intenção. “Vire aqui à direita e na próxima também à direita, mas lá não tem livraria nenhuma. Lá só tem um hospital. Deve ser na Praça da Liberdade” – informou, cética. Expliquei que pegara o endereço na internet. A senhora da vassoura já foi acrescentando que o lugar era muito perigoso. “Não vá lá, não.” Falei que tomaria cuidado, agradeci e lá fui eu. Era ali pertinho. Há uma placa indicando a praça que, na verdade, é uma rua de uma quadra só. Área em decadência, vários moradores de rua instalados no lado ímpar. Numa oficina, o mecânico também ignorava a existência de um sebo. Os seguranças do hospital também, mas um deles consultou o Google e confirmou a existência do sebo. Outro sugeriu que eu fosse ao Sebo do Messias. (O pessoal é bem informado.) Fui até o final da quadra e... Nada! Olhando aquele casario decadente, deduzi que o sebo deve ser virtual. A informação correta seria: em funcionamento e não aberto. Na volta, agradeci aos seguranças e resolvi seguir o conselho deles e fui caminhando até a Praça João Mendes.

    O Sebo do Messias, que comemorou 50 anos em plena pandemia, está cheio. Peço ajuda a um funcionário. Ele consulta o terminal e não tem nenhum deles. “Devem ser livros raros” – comenta e me indica a seção onde posso encontrar outros do mesmo assunto. Apesar da preguiça, vou na direção indicada, mas vejo a prateleira dedicada à história de São Paulo e fico por ali bisbilhotando... e não é que acho um livro sobre o tema que procuro e que desconhecia? Ganhei o dia!

Praça João Mendes, fevereiro de 2023.

Praça João Mendes, fevereiro de 2023.



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

ADEUS, SAURA...

Um dos meus cineastas preferidos se despediu hoje (10) aos 91 anos: o espanhol Carlos Saura. Creio que o primeiro filme dele a que assisti foi "Mamá cumple cien años" (1979). Filmes europeus eram difíceis de aparecer no circuito comercial de Santos e foi em São Paulo que o descobri. Sua trilogia flamenca – “Bodas de sangre”, “Amor Bruxo” e “Carmen” – é maravilhosa. Revi “Carmen” várias vezes e e nunca me canso... Para o jornal espanhol EL PAÍS, Saura foi o “último diretor clássico do cinema espanhol”. 


https://www.youtube.com/watch?v=gBska8EAM8Q 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

AMIZADE

Fãs de bom cinema certamente conhecem o cineasta alemão Werner Herzog (1942), que entre outros filmes dirigiu “Fitzcarraldo” (1982) cujo elenco, encabeçado por Klaus Kinski, seu ator preferido, conta com José Lewgoy, Grande Otelo e Milton Nascimento. Herzog foi um grande amigo da escritora, crítica de cinema franco-alemã e cofundadora da Cinémathèque Française, Lotte Eisner (1896-1983), que vivia em Paris. No final de 1974, ele soube que Lotte – Eisnerin, como a chamava, estava muito doente. A notícia foi um choque. “Eisnerin não pode morrer, não vai morrer, não permitirei. Não vai morrer, não vai. Não agora, não tem o direito.” Naquele momento, ele imaginou que a amiga se salvaria, se ele fosse a Paris a pé para visitá-la. Herzog vive em Munique. “Quando eu chegar a Paris, ela estará viva” – escreveu em seu diário de viagem, que anos depois ele editou e publicou.

            Assim, no dia 23 de novembro, iniciou essa caminhada mágica para salvar a amiga. “Peguei um casaco, uma bússola e uma sacola com o indispensável. Minhas botas estavam tão sólidas e novas que me inspiravam confiança. Pus-me a caminho de Paris pela rota mais curta (...).” Final de outono, mas nessa época o frio já é intenso na região, sujeita à muita neve. A narrativa de Herzog é ágil, feita de belas imagens da natureza, de pequenos fatos bizarros e das dificuldades que enfrentou no caminho. Quase como um filme e o leitor vai montando as cenas como fotogramas.

“A barriga da perna direita pode me causar problemas e também a bota esquerda, no bico. Tanta coisa passa pela cabeça de quem caminha. O cérebro vira uma fera.”

“Arrasto-me mais do que ando. As pernas doem tanto, que mal posso colocar uma na frente da outra. Quanto medem um milhão de passos?”

“Andei, andei, andei, andei. Um belo castelo com fortes muralhas recobertas de hera, se erguia ao longe. As vacas nem se espantavam mais comigo, mas com o castelo.”

Herzog caminhou quase mil quilômetros em 22 dias, enfrentando frio, chuva e neve, dormindo em lugares estranhos e desconfortáveis, para encontrar a amiga viva. Uma reação insólita a um choque emocional. A jornada terminou num sábado, 14 de dezembro: “(...) fui ver Eisnerin que ainda estava cansada e marcada pela doença. (...) Fiquei embaraçado e estiquei minhas pernas doloridas sobre uma segunda cadeira que ela me empurrou. Naquele embaraço, uma palavra me atravessou o espírito, e como a situação por si já era estranha, eu a disse. Juntos, falei, vamos cozinhar um fogo e deter os peixes. Então ela me olhou com um fino sorriso e, como sabia que eu era um homem a pé e, portanto, sem defesa, me compreendeu. Por um instante fino e breve, algo suave atravessou meu corpo exausto. Eu disse: abra a janela, há alguns dias aprendi a voar”.

            Um belíssimo livro. Para mim a mais bela história verdadeira sobre amizade. Lotte Eisner, que foi mentora de Herzog e da nova geração de diretores alemães – entre os quais Winn Wenders e Volker Schlöndorff –, morreu nove anos depois. 

                  Não foi exatamente esta rota. É apenas uma ilustração da distância. Mapa Google.