terça-feira, 29 de setembro de 2020

PASTEL E ÁGUA DE COCO

 Não é verdade que todo dia é dia de feira, pois em Sampa segunda não tem feira (só no nome). Hoje teve feira na Rua José do Patrocínio, o famoso Zé do Pato, jornalista. Bateu vontade de tomar uma água de coco e comer um pastel de queijo. Raramente vou à feira embora o bairro tenha duas bem perto de casa e como as duas barracas ficam na esquina, nem circulo pela feira. No meio do caminho me dei conta de que era a primeira vez este ano que ia à feira. Seu Luís e a esposa estão muito bem, mas a barraca ao lado mudou de dona, contudo o pastel continua muito bom. Quem diria que a velha e boa feira fosse se tornar um programa especial...

Feira do Largo do Arouche, 1950. IMS. 

A ARTE DE BRUEGEL, O VELHO.

A arte é sempre uma descoberta. No caso de uma pintura, você pode ficar diante de uma obra por um longo tempo a observar os detalhes da composição, a habilidade do artista, o seu significado do trabalho ou simplesmente aproveitar o momento para desfrutar do momento. Gosto demais do pintor renascentista neerlandês Peter Bruegel, o Velho (1525-1569), especialmente porque suas pinturas retratam as pessoas no seu cotidiano, o que nos dá uma ideia de como era a vida naquela época.

    Neste quadro (óleo sobre madeira) de 1559, que se encontra no Gemäldegalerie, em Berlim, o que não falta é movimento. O título é “A Loucura do Mundo” ou “O Manto Azul” e nele Bruegel mostra literalmente as pessoas agindo de acordo provérbios e expressões idiomáticas em voga nos Países Baixos no século XVI. O resultado acaba revelando a loucura do mundo. A cena da mulher colocando o manto azul no marido, que se destaca no quadro, significava que ela o estava traindo. Difícil identificar todos ditos populares porque muitos eram regionais e outros caíram em desuso, mas alguns ainda são citados: armado até os dentes, contar com o ovo antes que a galinha o bote (minha avó era mais objetiva), o mundo está de cabeça para baixo, colocar o sino no gato... Enfim, em tempo de pandemia pode ser um passatempo divertido sãos do que 50 ditados populares.

    Outra obra de Bruegel, “A Procissão para o Calvário” (1564), inspirou o cineasta polonês Lech Majewski a contar a história de doze das quinhentas personagens do quadro no filme “O Moinho e a Cruz” (2011), que recebeu vários prêmios internacionais. O roteiro foi baseado no livro do crítico e historiador de arte americano Michael Francis Gibson (1929-2017). O quadro se encontra no Museu de História da Arte de Viena.


Filme disponível no YuoTube legendado. 

domingo, 27 de setembro de 2020

DOMINGO, DIA DE CINEMA.

Na verdade, revi “O fantasma apaixonado” (1947) ontem, sábado. Pensei em escrever algo sobre este filme adorável, mas ao buscar o trailer na internet encontrei um dos melhores críticos de cinema apresentando a obra numa programação especial do canal TCM em 2011 ‒ o jornalista Rubens Edwald Filho, que infelizmente faleceu em 2019. Rubens foi professor de cinema na Escola de Jornalismo da Faculdade de Filosofia de Santos no final dos anos 1960, época em que fui aluna dele. Depois de lecionar brevemente em Santos ele ganhou o mundo com seu talento e conhecimento. Foi ator, autor, diretor teatral e comentou por vários anos as cerimônias de entrega do Oscar. Uma oportunidade para lembrar Rubens Edwald Filho, seu estilo objetivo, claro de se expressar. 

sábado, 26 de setembro de 2020

A ARTE PERDIDA DE VIAJAR

Continuo a folhear o livro do pensador chinês Lin Yutang e desta vez paro no capítulo sobre “O gozo de viajar”. É muito interessante a leitura das observações que ele faz sobre o crescimento da indústria do turismo nos anos de 1930, quando essa era uma atividade restrita ainda a poucos. “Viajar parece haver se convertido numa arte perdida” ‒ diz ele. Se Yutang pudesse ver o que ocorre hoje no segmento do turismo em todo o mundo, ficaria assombrado. Pesquisa elaborada pela consultoria britânica Oxford Economics em 2018 e publicada na imprensa brasileira em abril de 2019 revelou que o turismo gerou uma participação de US$ 8,8 trilhões no Produto Interno Bruto mundial (10,4%), uma alta de 3,9%, superior à expansão da economia global (3,2%). O setor foi responsável por 319 milhões de empregos, tornando-se protagonista da abertura de 1 em cada 10 postos de trabalho*. 

        Yutang começa seu artigo enumerando as falsas viagens: viajar para melhorar a educação, viagem para conversa (contar a respeito na volta) e viagem com horário (excursão). Para ele o verdadeiro viajante é um vagabundo “com as alegrias, as tentações e o sentido de aventura que tem o vagabundo”. Ou seja, “viajar é vagabundear, ou não é viajar”. Esse é meu tipo de viagem. Sem compromisso. Quero ver, observar, descobrir lugares e pessoas e me avaliar em situações inesperadas. Quantas vezes me perguntam quem eu conheço por lá, quem vou visitar e se admiram quando digo que não conheço ninguém. Quantas vezes cheguei a uma cidade sem reserva em hotel e contei com a indicação de escritórios oficiais que funcionam nas estações e aeroportos. (Atualmente, no exterior, já nos aeroportos as autoridades pedem a confirmação de reserva em hotel.)

       Entre as várias maneiras de viajar ele cita a viagem para não ver nada nem ninguém “a não ser os esquilos e os almiscares e os pica-paus e as nuvens”. Yutang aproveita para contar a aventura de uma amiga americana que, na China, foi com amigos chineses a uma colina perto de Hangchow, “com o fim de não ver nada” (grifo dele). Manhã brumosa. À medida que subiam a colina a névoa se adensava. A americana começou a se mostrar desalentada, mas os amigos insistiram para que ela prosseguisse, mas a paisagem continuava envolta em nuvens. “Por fim chegaram ao cume. Cercava-os por todos os lados um conjunto de nevoas e brumas, ficando apenas visível no horizonte o contorno de distantes montanhas. ‘Mas aqui não há nada para ver!’, protestou minha amiga. 'Precisamente, subimos para não ver nada', responderam-lhe os seus amigos chineses.”

Com essa história Yutang conclui que a filosofia de viajar consiste na capacidade de ver, que anula a distinção entre viajar por um país distante e andar pelos campos vizinhos por uma tarde qualquer. O viajante verdadeiro precisa apenas ter coração para sentir e olhos para ver. “Se não os tem, suas excursões às montanhas são pura perda de tempo e dinheiro; em compensação, se os tem poderá conseguir a maior alegria das viagens sem ir sequer às montanhas, mas permanecendo em sua casa e olhando os arredores (...).”

Enquanto folheio “A importância de viver”, lembro-me do que escreveu o professor francês Michel Onfray (1959) e que vale para quase todas as minhas viagens: “A viagem começa numa biblioteca. Ou numa livraria.” (Teoria da Viagem - poética da geografia, L&PM Editores, 2009.)

Grand Canyon, Arizona, Estados Unidos, outubro de 2017.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

OS LIVROS, AS VIAGENS E O ISOLAMENTO.

Há muito tempo a quarentena terminou, substituída pelo isolamento social que se prolonga indefinidamente. Não me custa ficar em casa e sair a pé para as compras essenciais no bairro; sinto falta apenas das bibliotecas e livrarias ‒ aquelas fechadas e estas em funcionamento, mas distantes de onde moro. Poderia comprar on line ou fazer o pedido pelo telefone, mas gosto mesmo de circular entre os livros, examinando as prateleiras, folheando este ou aquele, recolocando no lugar até me lembrar de um autor ou título e fechar a compra...

        Sem me animar a usar transporte público, vasculho minhas estantes em busca de livros que gostaria de reler. Poderia continuar no ciclo medieval, mas encontro meio deslocado um autor chinês, de quem não ouço falar há décadas: Lin Yutang (1875-1976) foi professor, filósofo, tradutor e criador de um método de transliteração da língua chinesa. Completou seu doutorado em língua chinesa na Universidade de Leipzig (Alemanha). Era cristão e viveu em vários países ocidentais. Trata-se de “A importância de Viver” cujo prefácio é de 1937. Começo a folhear a obra e vários tópicos me chamam atenção. Um deles é sobre “A arte de ler” (Círculo do Livro, tradução de Mário Quintana). Lin Yutang diz que

“O homem que não tem o costume de ler está aprisionado num mundo imediato, relativamente ao tempo e ao espaço. Sua vida cai numa rotina fixa; acha-se limitado ao contato e à conversação com uns poucos amigos e conhecidos, e só vê o que acontece na vizinhança imediata. Não há como escapar a tal prisão. Mas quando toma em suas mãos um livro, penetra num mundo diferente e, se o livro é bom, vê-se imediatamente em contato com um dos melhores conversadores do mundo. Esse conversador o transporta a um país diferente, ou a uma época diferente, ou lhe confia alguns de seus pesares pessoais, ou discute com ele uma forma especial ou um aspecto da vida de que o leitor nada sabe.”

        Quantas vezes ouço pessoas dizendo que têm que ler este ou aquele autor, o que para Lin Yutang é um erro, pois quem lê “um livro como quem cumpre uma obrigação é porque não compreende a arte da leitura”. Mais adiante ele fala do sabor da palavra, que depende da forma de ler. “Quando se tenha ‘sabor’ ou não quando se fala, isto depende do método de leitura. Se um leitor frui sabor nos livros, demonstrará esse sabor em suas conversações, e se tem sabor em suas conversações, tê-lo-á no que escreve.” Para o professor o sabor ou gosto é chave de toda leitura e como o gosto é seletivo e individual, o mestre não pode forçar seus discípulos a que gostem do que a ele agrada como leitura. Lembro-me da lista de livros obrigatórios para vestibular... E mais adiante lá está o que eu penso: quando estudante ele foi obrigado a ler um livro que ele apreciou, mas ao reler anos mais tarde descobriu muito mais encanto que lhe fora possível apreciar aos vinte anos. Achei Machado de Assis enfadonho aos 18 anos e maravilhoso na idade adulta.

Amanhã viajarei com Lin Yutang.

       
            Lin Yutang esteve em São Paulo em 1950. Foto: Arquivo Público do Estado de São Paulo.



quarta-feira, 23 de setembro de 2020

DIA MUNDIAL DO GORILA

Caso não saiba o gorila não é apenas o maior primata existente, mas compartilha 98 a 99% do DNA com os seres humanos. É, portanto, nosso parente próximo, e, infelizmente, ameaçado de extinção por três fatores: caça para alimentação, destruição do habitat e doenças como o surto de ebola que atingiu a África Central.

Um gorila tem entre 1,40 e dois metros de altura; o peso do macho varia entre 140 e 230 quilos - a fêmea pesa entre 70 e 110 kg. É herbívoro, mas não recusa alguns insetos. Na natureza, vive em torno de 40 anos; em cativeiro, registrou-se um gorila que viveu 54 anos. São muito inteligentes. Um dos mais famosos gorilas foi Koko, uma fêmea que nasceu no Zoológico de São Francisco em 1971, foi treinada por cientistas na Universidade de Stanford na Califórnia. Ela teria aprendido a se comunicar por meio da Língua de Sinais Americana. Naturalmente, a comunidade científica se dividiu sobre os resultados: um lado confirmando sua capacidade de aprender uma língua e o outro afirmando que o resultado era devido ao condicionamento já que ela era recompensada por seu desempenho e não entendia o significado do que fazia. Enfim, Koko viveu 46 anos. Morreu dormindo.




No mundo da fantasia, sem dúvida o filme “King Kong” (1933), dirigido por Merian G. Cooper e Ernest B. Schoedsack, é um marco do cinema, misto de drama e aventura.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

VELHAS ÁRVORES (BILAC)

 

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas…


O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.


Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,

Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem! 

Biblioteca Brasiliana, Universidade de São Paulo.

No final da Avenida Paulista.
A centenária Figueira das Lágrimas, árvore histórica da cidade: Sacomã.

A árvore e a escultura de Tomie Ohtake. Avenida Paulista.

Praça da Rua Topázio e Parque do Ibirapuera.



A sibipiruna da Avenida Euzébio Matoso.
(As fotos foram tiradas em diferentes épocas.)

OBS. O autor da poesia é Olavo Bilac (1865-1918), mas algum motivo o nome dele sumiu do post e por isso resolvi colocar no título.

domingo, 20 de setembro de 2020

"UM DIA, UM GATO".

Gato outra vez? Não se enganem. Não gosto de gatos; entretanto, este filme checo de 1963 é maravilhoso. Trata-se de uma história fantástica que se passa numa pequena cidade da então Checoslováquia (República Checa). Um narrador fala sobre os moradores e o cotidiano do lugar até que o gato que usa óculos entra na história e, de repente, revela-se o verdadeiro caráter das pessoas por meio de cores. Assim, os óculos, os mentirosos, hipócritas, ambicioso e egoístas ficam roxos; os infiéis, amarelos; os ladrões, cinza e os apaixonados, vermelhos, claro. Gostaria muito de rever o filme de 1963, escrito e dirigido por Vojtěch Jasný (1925-2019), que recebeu o Prêmio do Júri do Festival de Cannes. Em 1968 ganhou o prêmio de melhor diretor do mesmo festival com o filme “All My Compatriots”. O roteiro é de Vojetech Jasný, Jirí Brdecka e Jan Werich.

sábado, 19 de setembro de 2020

UM LIVRO, UM FILME E DOIS GRANDES ATORES.

Talvez o escritor belga Georges Simenon (1903-1989) seja mais conhecido por seus romances policiais sob o comando do inspetor Maigret, que ele criou nos anos 1930; entretanto, ele escreveu mais de quatrocentos livros dos quais apenas 28 são protagonizados pelo famoso inspetor de polícia. “O gato” é um dos seus melhores romances. Classificado como romance psicológico, ele narra o cotidiano de um casal idoso cujo relacionamento se tornou insuportável e a solução é o silêncio. Comunicam-se por bilhetes. Então surge o gato. O filme (1971), dirigido por Pierre Granier-Deferre, é baseado no livro e reúne dois grandes atores franceses: Simone Signoret (1921-1985) e Jean Gabin (1904-1976). Inesquecível. Para quem não conseguir ver ou rever o filme, sempre há o livro (Nova Fronteira, 1981).




sexta-feira, 18 de setembro de 2020

ROLANDO, CID, ALCASSINO E CIA.

No momento me refugio na Idade Média. Tudo começou com “As aventuras de Robin Hood”, filme de 1944, baseado na obra de Sir Walter Scott (1771-1832), que assisti semana passada. O livro li na adolescência logo depois que descobri Alexandre Dumas e me perdi no ciclo da cavalaria, o que incluiu a lenda do rei Artur e Ivanhoé. Neste filme, Errol Flynn interpreta o romântico nobre que roubava dos ricos para dar aos pobres e Maria Montez é a rebelde lady Marianne. O vilão é o príncipe João da Inglaterra (1166-1216), mais conhecido como João Sem-Terra, irmão do Rei Ricardo Coração de Leão que passou a maior parte da vida fora do seu reino. João é interpretado por Claude Rains (1889-1967). Pura diversão, nenhum compromisso com História.

        O filme me fez esquadrinhar minhas estantes em busca de livros sobre o período medieval e nessa busca reencontrei vários amigos um pouco empoeirados como “A canção de Rolando”, século XI, e o “Poema do Cid”, século XII, ambos textos de autores anônimos. Não custa lembrar que a Idade Média compreende o período entre a queda do Império Romano em 453 e a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453. 

    O terceiro livro foi “Alcassino e Nicoleta”. Ótima diversão. Escrito por autor anônimo provavelmente no final do século XII em francês arcaico. Um amor impossível, um jovem chorão, uma jovem astuciosa, fugas, viagens e o mundo às avessas e até momentos surrealistas. Na verdade, pelas ideias, subversivo para a época. 

Depois, animada, iniciei a leitura de “A Celestina”, do espanhol Fernando Rojas, século XVI. Como preâmbulo, uma ótima análise de Luis Carlos Lisboa (1929) sobre a obra e sua influência na literatura mundial.*

     E para terminar assistirei “Ivanhoé” (1952), dirigido por Richard Thorpe, com Robert Taylor, Elizabeth Taylor e Joan Fontaine. Não perdi um episódio da série inglesa (1958-1959), com Roger Moore no papel de Ivanhoé, exibida no Brasil nos anos 1960.




*Em tempo: terminei a leitura de "A Celestina". Gostei muito. (20/09/2020)

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

ENQUANTO HOUVER DOR DE COTOVELO...

Gosto de Lupicínio Rodrigues (1914-1974) desde criancinha, quando fiquei fascinada pela música que ouvia no rádio em que alguém malvado dizia que “você há de rolar como as pedras que rolam na estrada”. Como era possível, eu me perguntava, desejar algo tão terrível para uma pessoa? Ah! Essa “Vingança” me levou muitos anos depois à obra desse maravilhoso compositor gaúcho que teve em Jamelão, José Bispo Clementino dos Santos, seu grande intérprete. Muito difícil escolher uma entre as suas composições. “Volta”, ”Ela disse-me assim”, ”Esses moços, pobres moços”, ”Nervos de Aço”, ”Loucura”, ”Se acaso você chegasse”, ”Foi assim”... E por aí vai. Compôs mais de seiscentas músicas, porém, cerca de 150 foram gravadas. Criou a expressão dor de cotovelo, mal que afeta aqueles que se sentam à mesa do bar, pedem uma bebida e choram suas mágoas de amor. Nunca sairá de moda não apenas porque sempre haverá mal de amores, mas principalmente pela beleza e força de suas composições. Lupicínio Rodrigues nasceu em 16 de setembro de 1914.





terça-feira, 15 de setembro de 2020

OS PIONEIROS DO CINEMA

Etzel Von Oeringen foi um ator americano, nascido no inicio do século XX, formado na Alemanha como policial, serviu na Cruz Vermelha durante a I Guerra, mas acabou fazendo carreira cinematográfica de sucesso nos Estados Unidos para onde mudara. Viveu com Lady Jule ‒ no caso deles casamento não era apropriado. O casal teve vários filhos que deram continuidade à linhagem. Etzel Von Oeringen inspirou o jornalista J. Allen Boone (1882-1965) a escrever um livro, publicado pelo Prentice Hall de Nova York em 1939.

     Na verdade, Strongheart era o nome artístico de Etzel (1917-1929), um belo cão pastor, precursor de Rin-Tin-Tin (1918-1932). Ele foi descoberto por Laurence Trimble (1885-1954), escritor e proprietário do primeiro cão a estrelar um filme, Jean, um scotch collie. Graças a Jean, Trimble tornou-se diretor de cinema. Jean morreu em 1917. Trimble descobriu Etzel, na época com três anos, muito potencial e estava à venda na Califórnia; convenceu a roteirista Jane Murfin (1884-1955) a comprá-lo e iniciou o treinamento do pastor. O passo seguinte foi mudar o nome de Etzel para Strongheart.

     Strongheart estrelou quatro filmes de aventuras com enorme sucesso de bilheteria: “The Silent Call” (1921), Brawn of the North (1922), “The Love Master” (1924) e “White Fang” (1925). Strongheart superou a fama de Jean e ainda ajudou a popularizar o pastor alemão nos Estados Unidos. Em 1929, a Trimble sofreu tanto com a morte do seu astro quanto com a quebra da Bolsa de Nova York, e mudou o rumo de sua vida, dedicando-se ao treinamento de cães.

        


PARA SEMPRE JEAN


Jean e "Jean The match-maker" (1910) - NAtional Film Preservation Foundation.

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

VÍTIMAS DO CORONAVÍRUS

Duas pessoas que conheço há muitos anos foram atingidas drasticamente pelo vírus. Felizmente, não morreram, mas tiveram que desistir de seus sonhos para tentar sobreviver à difícil situação econômica provocada pela pandemia ao redor do mundo. Conheço Francisco há cerca de 30 anos. Era um garoto, trabalhava numa das bancas de jornal da rua. Fazia parte do que eu chamava república de Nova Russas, porque havia uns doze cidadãos dessa cidade cearense numa única quadra do bairro e que ao longo dos anos debandaram. Ele também esteve ausente da região por alguns anos, mas retornou para trabalhar em outra banca junto a um ponto de ônibus. Com o tempo conseguiu comprá-la. Educado, atencioso, a banca tornou-se um ponto de encontro de idosos e os mais frágeis tinham um banco para se acomodarem. Um dos habitués é cadeirante e Francisco sempre o ajuda a atravessar a rua. Pessoa exemplar. Ele é muito bem informado sobre as publicações e principalmente sobre política nacional. O problema é que as vendas de jornais e revistas foram caindo. Com a pandemia, a crise o abateu violentamente. Semana passada ele anunciou a venda da banca. Retornará ao Ceará para visitar a mãe e pensar no que fazer da vida. Está com 51 anos. Sentirei a falta do sorriso, da gentileza e do bordão com que me cumprimentava todos os dias: “Olha o passeio!”.

A outra pessoa é uma jovem mineira batalhadora, que vivia sozinha em São Paulo. Há uns dez anos ela teve um filho e resolveu, romanticamente, abandonar o emprego para se dedicar à maternidade. Vou chamá-la de Augusta, embora este não seja o nome dela. Para viver dedicou-se a fazer doces para fora, mas como não era suficiente, passou a fazer pequenos trabalhos para as pessoas do prédio e da vizinhança. Nunca a vi mal-humorada ou se lamentando. O garoto cresceu muito bem cuidado, foi para a escola, descobriu as belezas de um piano e seu entusiasmo conquistou uma professora que se ofereceu para ensiná-lo. O apartamento dela estava sempre cheio de crianças que, no final da tarde, iam brincar. Vê-la de bicicleta com o filho pelo bairro era sempre uma imagem muito agradável. Entretanto, com a pandemia, Augusta teve que desistir de São Paulo e voltar para a casa da mãe em Minas, porque não tinha mais trabalho... Embora estivesse animada, foi muito triste vê-la organizando a mudança numa tarde de setembro.

Aos dois só pude desejar boa sorte... A vizinhança ficará mais pobre sem eles.

sábado, 12 de setembro de 2020

"IN TABERNA QUANDO SUMUS". ENFIM, É SÁBADO.

“CARMINA BURANA”, de Carl Orff (1892-1982).


Beber sempre com moderação. 


Esquerda: "Baco" (1595), de Caravaggio (1571-1610). Galeria Uffizi, Florença. 

Direita: Eduard Theodor Ritter von Grützner (1846 - 1925). 

"O absinto" (1876), de Edgar Degas. Museu d’Orsay, Paris.

A midnight modern conversation”, do inglês William Hogarth (1697-1764).



"O triunfo de Baco" (1629), de Diego Velasquez. Museu do Prado.

Procurei uma tradução deste poema (um dos 24 musicalizados por Orff) e esta me pareceu a melhor, mas não encontrei o autor da tradução.  

IN TABERNA QUANDO SUMUS 

Quando estamos na taberna
Não pensamos na morte
Corremos a jogar
O que nos faz sempre suar
O que se passa na taberna
Onde o dinheiro é hospedeiro
Podeis querer saber
Escutai pois o que eu digo
Uns jogam, uns bebem
Uns vivem licenciosamente
Mas dos que jogam
Uns ficam em pêlo
Uns ganham aqui suas roupas

Uns se vestem com sacos
Aqui ninguém teme a morte
Mas todos jogam por Baco
Primeiro ao mercador de vinho
É que bebem os libertinos
Uma vez aos prisioneiros
Depois bebem três vezes aos vivos
Quatro a todos os cristão
Cinco aos fiéis defuntos
Seis às irmãs perdidas
Sete aos guaradas florestais
Oito aos irmãos desgarrados
Nove aos monges errantes
Dez aos navegantes
Onze aos brigões
Doze aos penitentes
Treze aos viajantes
Tanto ao Papa quanto ao rei
Bebem todos sem lei
Seiscentas moedas não são suficientes
Se todos bebem imoderadamente
Sem freio
Bebam quanto for, o espírito alegre
Todo mundo nos denigre
E assim ficamos desprovidos
Que sejam confundidos os que nos difamam
E sejam seus nomes riscados do livro dos justos
Io io io io io io io io io! 

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

UM QUADRO E SUAS HISTÓRIAS

Há controvérsias sobre a autoria deste retrato de BEATRICE CENCI, que pertence ao acervo da Galeria Nacional de Arte Antiga, em Roma. Dependendo da fonte, ele é atribuído à pintora e gravadora italiana Elizabetta Sirani (1638-1665) ou ao pintor barroco Guido Reni (1575-1642). Sem entrar no mérito da questão, a obra é belíssima. Beatrice Cenci (1577-1599) pertencia à nobreza italiana e assassinou o pai abusivo, foi julgada, condenada pelo crime e decapitada. 

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A REFINADA ARTE DE CLARA PEETERS

 A pintora flamenga barroca Clara Peeters (1594-1657) viveu no Século de Ouro dos Países Baixos. Ela pintou especialmente natureza morta e pouco se sabe a seu respeito.

"Vanitas", 1610, provavelmente, um autorretrato.

"Natureza morta com torta, doces, porcelana, conchas e ostras", 1613.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

PINTORAS DO SÉCULO XVI E XVII: AS BOLONHESAS.

LAVINIA FONTANA (1552-1614) era filha de um renomado pintor de Bolonha (Itália), Prospero Fontana (1512-1597), com quem aprendeu a pintar. Ficou famosa na cidade porque fez retratos de moradores importantes da cidade, mas dedicou-se também à pintura religiosa, o que não a impediu de fazer nus masculinos e femininos. Aos 25 anos casou-se e teve onze filhos. Em 1603, a convite do papa Clemente VIII a família mudou para Roma, onde ela morreu em 1614. Em solteira ela costumava assinar “Lavini a Prosperi Fontanae” e após o casamento acrescentou ao seu o nome do marido, “De Zapis”. O autorretrato de 1577 é considerado sua obra-prima. Lavinia Fontana pintou em vários estilos.


 Autorretrato, 1577.  

ELIZABETTA SIRANI (1638-1665) foi uma bem sucedida gravadora e pintora bolonhesa, que aprendeu sua arte com o pai, o pintor Giovanni Andrea Sirani, mas logo o superou. Quando ele ficou doente e não pôde mais pintar, Elizabetta assumiu a responsabilidade pelo sustento da família. Ela pode ser incluída na lista (tão ao gosto dos supersticiosos) de artistas que morreram aos 27 anos. No verão de 1665, Elizabetta adoeceu repentinamente e morreu em “circunstâncias misteriosas”. As suspeitas recaíram sobre uma empregada, mas nada ficou comprovado. Os estudiosos, atualmente, acreditam que ela foi vítima de periotonite, após a ruptura de uma úlcera. Elizabetta não se casou, mas deixou um legado inestimável: duzentas pinturas, quinze gravuras e centenas de desenhos. Ela também criou uma academia para artistas femininas.

Autorretrato (desenho), 1660 e Autorretrato, 1662.



terça-feira, 8 de setembro de 2020

GIULIA, A VENEZIANA OUSADA.

GIULIA LAMA (1681-1747) foi uma artista veneziana completa, que se destacou como poeta e matemática. Foi também o pai, também pintor, que a iniciou na pintura e, provavelmente, sofreu influência de Giovanni Battista Piazzetta (1682-1754), seu amigo de infância. Giulia teve uma carreira de sucesso, pintando principalmente figuras históricas. O que chama atenção é que em pleno século XVII/XVIII, ela estudou e elaborou desenhos de nu masculino e feminino. Enfrentou séria oposição dos concorrentes e o preconceito está presente até em uma carta de apresentação “É verdade que ela é tão feia quanto espirituosa, mas ela fala com graça e precisão, de modo que facilmente se perdoa seu rosto”. Abade Conti, 1728. Um santo, o abade. Muitos dos seus trabalhos foram atribuídos a outros pintores importantes da época, erro que vem sendo corrigido. Cá entre nós, o título do segundo quadro abaixo, é bem óbvio. 

"Judite e Holofernes", 1730. Óleo sobre tela.

"Nu masculino".


INDEPENDÊNCIA OU MORTE!

Estátua equestre de D. Pedro I ao entardecer, na Praça Tiradentes, 
Rio de Janeiro, novembro de 2015.

Dom Pedro compondo hino da independência, obra do pintor carioca Augusto Bracet (1881-1960). A letra é de Evaristo da Veiga (1799-1837). 


 

domingo, 6 de setembro de 2020

BAGDÁ CAFÉ

O Bagdá Café, situado no deserto de Mojave, que abrange parte da Califórnia e de Nevada (EUA), está repleto de histórias. Nesse lugar distante, vidas podem mudar e ganhar novos significados. Atores, paisagem e música formam um conjunto perfeito. Qual o tema do filme? A vida sem retoques mostrada com sensibilidade. O filme, dirigido por Percy Adlon em 1987, tem um elenco internacional por assim dizer: a alemã Marianne Sägebrecht (1945), a guianense CCH Pounder (1952), radicada nos Estados Unidos, e o americano Jack Palance (1919-2006). "Bagdá Café" ganhou o César de melhor filme estrangeiro e melhor da Comunidade Europeia de 1989. Um filme que revejo com muito prazer. 






sábado, 5 de setembro de 2020

ENSINA-ME A VIVER

Sábado no cinema. Há profissões complicadas, como a de crítico, por exemplo. Por mais profissional que ele seja em sua análise, é muito difícil ser isento. Até que ponto ele consegue se proteger do seu gosto pessoal ou das circunstâncias da sua época, que podem influenciar sua opinião? Um bom exemplo é o filme “Ensina-me a viver” (1971), dirigido por Hal Ashby (1929-1988), com Ruth Gordon (1896-1985) e Bud Cort (1948). Não foi bem recebido pela crítica e a bilheteria, um fracasso. E eis que se transformou num cult. O filme é perfeito. A trilha musical tem Tchaikovski (1840-1893), John Philip Souza (1854-1932) e Cat Stevens (1948). É uma comédia de humor negro sobre vida e morte, esperança e desesperança, alegria de viver e abatimento... 😇


sexta-feira, 4 de setembro de 2020

O JARDIM DA FRANÇA

A literatura e o cinema são os principais responsáveis pelo romantismo atribuído aos castelos e palácios espalhados pelo mundo. Na minha infância, os livros da coleção “Os mais belos contos de fadas”, com toda sorte de príncipes e princesas, reis e rainhas, estavam entre os meus preferidos. No século XX, o cinema colocou mais glamour às imagens formadas em nosso imaginário.

        A popularização do turismo possibilitou que as pessoas (românticas ou não) de todo mundo materializassem esses ambientes de sonho visitando as construções remanescentes pelo mundo afora, especialmente na Europa. Só o vale do rio Loire, na França, recebe cerca de quatro milhões de visitantes por ano, que se espalham pelos 150 palácios da região. (Os números variam de acordo com quem você conversa.) Apenas dois pertencem ao Estado.

Muito antes dos romanos já se construíam castelos, que têm finalidade de defesa e também de moradia, mas foi a partir do século XV que a arquitetura e o interior desses edifícios começaram a receber um tratamento mais elaborado e refinado.  O vale do Loire é uma vitrine de estilos arquitetônicos e da vaidade dos reis franceses que se instalaram por lá a partir do século XVII, final do período Renascentista, transformando o vale no Jardim da França. 

As cidades e vilarejos em que eles estão situados são uma atração à parte porque proporcionam ao visitante uma verdadeira viagem ao tempo com suas ruelas e casas antigas, como Amboise, Azay le Rideau, Blois, Chambord, Orleans e Villandry.  Sem esquecer que é uma importante região vinícola com uma paisagem belíssima. O Vale faz parte do Patrimônio Mundial da UNESCO.

Relembro o passeio porque começou o Tour de France, corrida ciclística anual de estrada, sempre uma ótima oportunidade para rever a França. 

Amigas trocam confidências à margem do rio Loire, cidade de Tours. 

FOTOS: Hilda Araújo, 2012.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

LENY EVERSONG

Há cem anos nascia em Santos a cantora que brilhou no Brasil e nos Estados Unidos por várias décadas.

Poucas pessoas sabem quem é Hilda Campos Soares da Silva (1920-1984), mas Leny Eversong, seu nome artístico, ainda é lembrado pelos apreciadores de boa música que tiveram o privilégio de a ouvir cantar. Hilda nasceu em Santos em 1º de setembro de 1920 e muito cedo revelou-se uma cantora extraordinária. Aos 12 anos participou de um concurso infantil na velha Rádio Clube de Santos e ganhou e ficou conhecida como “Hildinha, Princesa do Fox”. Quando foi contratada pela Rádio Atlântica de Santos, tornou-se Leny Eversong por sugestão do produtor Carlos Baccarat. Aos 16 já estava no Rio de Janeiro cantando na Rádio Tupi e em shows do cassino da Urca e do Copacabana Palace.

       Em meados dos anos cinquenta, foi para os Estados Unidos onde se apresentou nos cassinos de Las Vegas e em shows de televisão. O ponto alto foi o programa de TV de Ed Sullivan (1901-1974), em janeiro de 1957, quando se revezou no palco com Elvis Presley (1935-1977). No retorno ao Brasil, continuou a fazer shows - um deles com Cauby Peixoto (1931-2016), gravado em disco.


O repertório de Leny Eversong era principalmente de músicas americanas e mais tarde ela corrigiu o rumo, gravando canções dos principais compositores brasileiros. Aos poucos foi sendo esquecida e seus discos atualmente, quando encontrados, valem muito.

Em 1973 afastou-se dos palcos por motivos pessoais ‒ o marido Francisco Luís Campos Soares da Silva desaparecera misteriosamente. “A verdadeira história, no entanto só veio à tona após sua morte quando os restos mortais de seu marido foram encontrados em um conjunto de ossadas juntamente com vários sindicalistas. Ao que parece a morte de seu marido foi um equívoco, pois ele não tinha envolvimento político. Porém, provavelmente tornou-se testemunha de um crime e foi silenciado (...).” (Dicionário Cravo Albin)   

O jornalista, crítico musical e pesquisador carioca Rodrigo Faour (1972) escreveu sua dissertação de mestrado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade, no Departamento de Letras da PUC-RJ, sobre Leny Eversong. O trabalho apresentado em março deste ano chama-se: "A incrível história de Leny Eversong ou A potência da memória contra padrões estéticos e patrulhas nacionalistas" (há um vídeo no YouTtube).  

       Felizmente, há quem reconheça o talento de Leny Eversong e o divulgue para as novas gerações tão mal servidas em matéria musical atualmente.