Há muito tempo a quarentena terminou, substituída pelo isolamento social que se prolonga indefinidamente. Não me custa ficar em casa e sair a pé para as compras essenciais no bairro; sinto falta apenas das bibliotecas e livrarias ‒ aquelas fechadas e estas em funcionamento, mas distantes de onde moro. Poderia comprar on line ou fazer o pedido pelo telefone, mas gosto mesmo de circular entre os livros, examinando as prateleiras, folheando este ou aquele, recolocando no lugar até me lembrar de um autor ou título e fechar a compra...
Sem me animar a usar transporte público, vasculho minhas estantes em busca de livros que gostaria de reler. Poderia continuar no ciclo medieval, mas encontro meio deslocado um autor chinês, de quem não ouço falar há décadas: Lin Yutang (1875-1976) foi professor, filósofo, tradutor e criador de um método de transliteração da língua chinesa. Completou seu doutorado em língua chinesa na Universidade de Leipzig (Alemanha). Era cristão e viveu em vários países ocidentais. Trata-se de “A importância de Viver” cujo prefácio é de 1937. Começo a folhear a obra e vários tópicos me chamam atenção. Um deles é sobre “A arte de ler” (Círculo do Livro, tradução de Mário Quintana). Lin Yutang diz que
“O homem que não tem o costume de ler
está aprisionado num mundo imediato, relativamente ao tempo e ao espaço. Sua vida
cai numa rotina fixa; acha-se limitado ao contato e à conversação com uns
poucos amigos e conhecidos, e só vê o que acontece na vizinhança imediata. Não
há como escapar a tal prisão. Mas quando toma em suas mãos um livro, penetra
num mundo diferente e, se o livro é bom, vê-se imediatamente em contato com um
dos melhores conversadores do mundo. Esse conversador o transporta a um país
diferente, ou a uma época diferente, ou lhe confia alguns de seus pesares
pessoais, ou discute com ele uma forma especial ou um aspecto da vida de que o
leitor nada sabe.”
Quantas vezes ouço pessoas dizendo que têm que ler este ou aquele autor, o que para Lin Yutang é um erro, pois quem lê “um livro como quem cumpre uma obrigação é porque não compreende a arte da leitura”. Mais adiante ele fala do sabor da palavra, que depende da forma de ler. “Quando se tenha ‘sabor’ ou não quando se fala, isto depende do método de leitura. Se um leitor frui sabor nos livros, demonstrará esse sabor em suas conversações, e se tem sabor em suas conversações, tê-lo-á no que escreve.” Para o professor o sabor ou gosto é chave de toda leitura e como o gosto é seletivo e individual, o mestre não pode forçar seus discípulos a que gostem do que a ele agrada como leitura. Lembro-me da lista de livros obrigatórios para vestibular... E mais adiante lá está o que eu penso: quando estudante ele foi obrigado a ler um livro que ele apreciou, mas ao reler anos mais tarde descobriu muito mais encanto que lhe fora possível apreciar aos vinte anos. Achei Machado de Assis enfadonho aos 18 anos e maravilhoso na idade adulta.
Amanhã viajarei com Lin Yutang.
Lin Yutang esteve em São Paulo em 1950. Foto: Arquivo Público do Estado de São Paulo.
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