quinta-feira, 30 de setembro de 2021

DIA DO JORNALEIRO

Hoje é dia do jornaleiro. Outra profissão em transformação para não desaparecer. Minha homenagem ao Paulo Torres, que botou banca há mais de trinta anos na esquina da Rua Topázio com Paula Ney. Quando passo, ouço sempre o bordão ”Bom dia com alegria, menina”. Paulo considera a profissão de interesse público porque seu trabalho mantém a população informada, além de prestar informações sobre a região aos clientes e pedestres. Está sempre de bom humor, apesar das dificuldades que o setor enfrenta por causa das novas tecnologias digitais.


Boas lembranças também do Noronha lá da Rua do Comércio, em Santos, que aguentou por vinte anos a turma do jornal CIDADE DE SANTOS. Era argentino e chamava-se Bravo (o que não era). Ganhou o apelido de Noronha por causa da semelhança com um jogador do São Paulo que tinha esse nome, mas ele torcia mesmo para a Sociedade Esportiva Barreiros (que existe até hoje). Eu sempre o achei parecido com Adoniram Barbosa. Durante algum tempo o filho assumiu a banca, mas em 2018 já estava fechada.

 
No Rio de Janeiro: escultura em homenagem aos pequenos jornaleiros, meninos que vendiam jornais no início do século XX, quando crianças trabalhavam. Foto de 2015, quando a rua estava em obras para implantação do VLT.

Achei esta preciosidade: Enéas Fontana é Wanderley Cardoso (1945), que na época tinha 14 anos. A composição é de Heitor dos Prazeres (1898-1966).



segunda-feira, 27 de setembro de 2021

OS ORELHÕES ESTÃO DESAPARECENDO

Quando ele surgiu em 1972, foi saudado com bom humor pelo público que, bem ao estilo brasileiro, logo lhe deu um apelido que se ajustou perfeitamente ao novo equipamento das cidades: orelhão. Pouco menos de cinquenta anos depois, discretamente ele está desaparecendo do cenário urbano, deixando muitas histórias emocionantes na lembrança da população. 

O que pouca gente sabe é que o famoso protetor dos telefones públicos foi criado pela arquiteta Chu Ming Silveira (1941-1997). Chu Ming, na época chefe da seção de projetos do Departamento de Engenharia da Companhia Telefônica Brasileira ‒ CTB, realizou um trabalho perfeito: o novo equipamento urbano protegia o aparelho e o usuário, tinha baixo custo de fabricação, instalação e manutenção, além de boa acústica e estética atraente; era durável e, principalmente, fácil de usar. Ela se inspirou no formato do ovo porque achava que era a forma de melhor acústica. O orelhão foi um sucesso tão grande que logo foi adotado no Paraguai, Peru, Colômbia, China, Angola e Moçambique.

Os primeiros orelhões foram instalados no Rio de Janeiro no dia do padroeiro da cidade: 20 de janeiro de 1972. Em seguida foi a vez de São Paulo que recebeu 170 aparelhos no dia do aniversario: 25 de janeiro. O nome que Chu Ming Silveira dera ao equipamento era bem mais romântico: tulipa, o que (pelo menos no Brasil) não vingou.

Após décadas de relevantes serviços, com o advento da telefonia móvel e a sua popularização, os telefones públicos foram se tornando menos utilizados e os orelhões tornaram-se vítimas de vândalos e passaram a ser usados para colocar adesivos com números de telefone de pessoas que ofereciam serviços (especialmente de acompanhantes para “programas”).

Havia um orelhão em frente ao meu prédio e foi substituído por uma árvore. Sei que há telefones públicos nas Estações do metrô, mas não tenho ideia de onde se compram os cartões que, antigamente, encontravam-se em todas as bancas de jornais.

Chu Ming Silveira nasceu em Xangai, China. A família mudou para o Brasil, estabelecendo-se em São Paulo, onde ela se formou arquiteta pelo Mackenzie em 1964.

As fotos foram tiradas há alguns anos na Avenida Paulista e na Praça da Luz.


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

UMA HISTÓRIA SOBRE AMIZADE

Os dois nordestinos conheceram-se no Rio de Janeiro em setembro de 1918 em um jantar: Belarmino, 20 anos, recém-chegado à cidade, e Francisco com 26 anos, advogado e jornalista em ascensão por seus artigos na imprensa carioca. O primeiro pernambucano de Caruaru e o segundo, paraibano de Cruzeiro. Belarmino, ex-seminarista, foi levado ao jantar pelo tio que apoiava na vida nova. A Grande Guerra (1914/1918) estava terminando e Francisco alinhava-se com os alemães, posição com a qual Belarmino não concordava e não se sentiu nem um pouco intimidado em rebater o discurso germanófilo do jornalista. Aliás, eles divergiram em religião, política, economia e literatura, o que não impediu que a conversa durante o jantar se desenrolasse “solta, animada, entre risadas e frases de espírito”.

Na despedida, Francisco fez o convite: “Caboclo, se vosmecê é tão bom atleta quanto polemista, venha remar comigo no Clube Guanabara”. Nascia ali a amizade entre Francisco de Assis Chateaubriand e Belarmino Maria Austregésilo Augusto de Athayde. Amizade (e o apelido) que durou mais de quarenta anos. Iam à praia todas as manhãs, nadavam, remavam e tomavam sol. Um dia Chateaubriand sumiu, Athayde preocupou-se, mas quando finalmente achou o salva-vidas, o amigo apareceu: “Já estava ensaiando o discurso que teria que fazer à beira de sua cova”. Chateaubriand propôs um pacto: o que sobrevivesse seria o encarregado do elogio fúnebre do outro. Algumas semanas depois Chateaubriand pensou que teria de escrever o epitáfio do amigo: Austregésilo de Athayde pegou a gripe espanhola, que chegara ao Rio com tripulantes do navio inglês Demerara.

Athayde recuperou-se e foi ao JORNAL DO BRASIL, onde Chateaubriand trabalhava, contar vantagens, pois segundo ele, “quem escapa da praga que mata até presidente da República está fadado a viver para sempre. Pode rasgar seu discurso porque na minha sepultura você não vai falar”.

Ter um jornal era o sonho da vida de Assis Chateaubriand, que tinha até um funcionário contratado: Athayde. Chateaubriand era jornalista, mas vivia principalmente da advocacia. “Caboclo, quando eu comprar um jornal você vem trabalhar comigo.” Ao longo de seis anos, Assis Chateaubriand trabalhou, enredou, comprou grandes brigas políticas e pessoais e provocou muita confusão. Fez amigos e inimigos de todos os portes. Enfim, aos 32 anos conseguiu comprar “O Jornal”, propriedade do jornalista Renato Toledo Lopes, fundado havia cinco anos. Detalhe: não tinha um tostão, mas correu atrás de amigos e fechou o negócio. Na manhã dia 30 de outubro de 1924, ele passou pela casa de Austregésilo de Athayde: “Caboclo, venha comigo que nós vamos tomar posse de “O Jornal”. Acabei de comprar aquele diário e quero você como testemunha na hora de sacramentar o negócio”.

Uma das grandes demonstrações dessa sólida amizade ocorreu em 1926, quando Chateaubriand lançou o livro sobre o falecido presidente Artur Bernardes, com quem teve sérios confrontos para dizer o mínimo. Em “Terra desumana” o “esquartejamento (de Bernardes) é lento”, nas palavras de Fernando Morais (CHATÔ, o rei do Brasil). A primeira crítica foi publicada em “O Jornal”. Nada favorável apesar de ter a assinatura do amigo Austregésilo de Athayde. Chateaubriand, para surpresa geral, não gritou nem demitiu o Caboclo. Apenas comentou: ”Queres ver as coisas sempre pelo lado do bom moço” e depois escreveu um artigo simpático ao Caboclo.


Uma amizade que se baseava em lealdade e confiança mútua “e resistiu a discussões acaloradas, pois Chateaubriand dava-lhe total liberdade de expressão, jamais concedida a qualquer outro jornalista seu empregado”, de acordo com Laura Sandroni, filha de Austregésilo de Athayde.

Austregésilo de Athayde (esquerda) nasceu em 25 de setembro de 1898, em Caruaru (PE) e faleceu em 1993. Assis Chateaubriand (direita) morreu em 1969.

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

PASSEIO DE DOMINGO

Nem sempre é fácil fotografar os achados feitos durante caminhadas. Como raramente faço esse trajeto pela Rua Vergueiro, só ontem reparei no belo mural do Jazz Restô & Burger, no Largo Ana Rosa. A foto só foi possível equilibrando-me entre a ciclovia e uma estreita calçada em ruínas no canteiro central da Rua Vergueiro. (20/9/2021)


sábado, 18 de setembro de 2021

OS MOSQUITOS CONTINUAM NUMA BOA

“O tempo passa, o tempo voa.”* E felizmente os hábitos mudam e baniu-se o Diclorodifeniltricloroetano ‒ DDT de nossas vidas. Após a II, Guerra Detefon era o nome fantasia do inseticida popular entre as donas de casa que almejavam proporcionar à família um lar livre de insetos. Em 1962 no livro “Primavera Silenciosa”, a bióloga americana Ruth Carson (1904-1964) demonstrou que em longo prazo o inseticida, desenvolvido para o setor agrícola, tinha efeitos prejudiciais à saúde humana e aumentava a mortalidade de pássaros. Na década de 1970 vários países baniram o DDT e seu uso passou a ser controlado pela Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes. No Brasil continuou em uso até 2009 (Lei nº. 11.936 de 14 de maio de 2009). Desconfio que continuamos a ser envenenados por outros produtos.

        Em casa o inseticida era o Flit, que também tinha DDT em sua composição. Apesar de tudo sobrevivemos. Impressionante!

         E aqui vai uma poesia de Vinicius de Moraes dedicada ao mosquito. Apenas um comentário: mosquitos picam, não mordem.

 O MOSQUITO

Rio de Janeiro, 1970.

 

O mundo é tão esquisito:
Tem mosquito.

Por que, mosquito, por que
Eu... e você?

Você é o inseto
Mais indiscreto
Da Criação
Tocando fino
Seu violino
Na escuridão.

Tudo de mau
Você reúne
Mosquito pau
Que morde e zune.

Você gostaria
De passar o dia
Numa serraria —
Gostaria?

Pois você parece uma serraria!

A bomba usada para aspergir o inseticida pela casa. 

*Alusão ao jingle do Banco Bamerindus: "O tempo passa, o tempo voa. E a poupança Bamerindus continua numa boa".


quarta-feira, 15 de setembro de 2021

UM CLÁSSICO ESPANHOL


Quando terminei de ler o livro, fiquei pensando numa palavra que sintetizasse a história do narrador. E embora recheada de fatos tragicômicos, eu só podia pensar no estado contínuo de fome do personagem, uma carência de alimento assustadora e que, nas poucas vezes em que havia comida, nunca era suficiente para amainar o apetite dele e dos protagonistas. Na época de abundância em que vivemos, em que as pessoas jogam comida no lixo e os alimentos têm prazo de validade, a história de Lazarilho de Tormes pode até ser ficção, mas lá estão registradas com realismo as dificuldades que o povo enfrentava para sobreviver, especialmente, quando muitos trabalhavam por comida e abrigo. 

    O livro tem história. “A vida de Lazarilho de Tormes e de suas fortunas e adversidades” ou simplesmente “Lazarilho de Tormes” (século XVI) é um clássico da literatura espanhola, obra de autor anônimo e o precursor do romance picaresco. Foi proibido pela Inquisição, mas conservaram-se quatro primeiras edições. Apesar de recomendado nas aulas de literatura do colegial, só agora me deparei com o livro e fiquei curiosa. Não direi que o devorei em uma tarde de domingo por respeito ao protagonista da história que passou faminto boa parte da vida.  

“LAZARILHO DE TORMES”, Anônimo, século XVI. Editora 34, 2005. Edição bilíngue.

sábado, 11 de setembro de 2021

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

sábado, 4 de setembro de 2021

PORQUE HOJE É SÁBADO


 (...)

Hoje é sábado, amanhã é domingo

Amanhã não gosta de ver ninguém bem

Hoje é que é o dia do presente

Impossível fugir a essa dura realidade

Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios

Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas

Todos os maridos estão funcionando regularmente

Todas as mulheres estão atentas

Porque hoje é sábado.”

(...)

O dia da criação (1946), de Vinícius de Moraes.


quinta-feira, 2 de setembro de 2021

EM ROMA, COMO OS ROMANOS.

 

Arco de Constantino, obra do ano 315, uma das maravilhas do Fórum Imperial. Foto de 2011.

Ano 1993. Logo no primeiro dia em Roma, fui ao Fórum Imperial, onde pulsava a vida Império Romano e que, graças à arqueologia, podemos vislumbrar por meio das ruínas de monumentos seculares. Quando estava me aproximando, percebi na calçada em frente uma multidão de turistas esperando para atravessar a avenida. Juntei-me a eles. O trânsito era intenso. Nada de semáforo ou faixa de pedestre. Guarda? Nenhum à vista. O jeito era esperar uma oportunidade... E foi então que apareceram umas pessoas que não hesitaram em iniciar a travessia em meio a carros e ônibus. Fantástico como os veículos pararam sem freadas bruscas ou buzinas de protesto. E todos nós seguimos rapidamente os suicidas em potencial. Só podiam ser da cidade para saberem que não corriam perigo. Esqueci o incidente até o retorno, quando já havia anoitecido. O trânsito continuava intenso nas imediações do monumento a Vitor Emanuel (que destoa de todo o resto). Com os faróis altos ligados, os motoristas pareciam mais apressados do que horas antes, mas desta vez não havia mais ninguém para atravessar. Fazer o quê? O bom de viajar sozinha é descobrir como sair dessas situações que se apresentam. Foi quando surgiu um rapaz que se lançou em meio ao tráfego que parou instantaneamente. Eu, bem, eu tratei de correr atrás dele, certa de que chegaria sã e salva ao outro lado. Em Roma, como os romanos. Felizmente, tudo isso mudou.

Cairo, 2011. As pessoas caminham no meio do trânsito tranquilamente.

E não é que em 2011, no Cairo, passei por experiência semelhante? Já haviam me avisado sobre o trânsito confuso da cidade (aliás, é mais do que confuso) e tive poucos problemas até o dia em que peguei o metrô para ir ao Museu do Cairo. Ao desembarcar, sem saber qual a saída e sem funcionários à vista, usei o velho método do “Uni-Duni-Tê, o escolhido é você”. Subi as escadas e me vi em uma enorme praça que servia como rotatória para um trânsito anárquico e intenso. Ao voltar para a estação, encontrei um casal subindo e resolvi perguntar ao homem pela outra saída. Ele não foi nada simpático, limitou-se a perguntar para onde eu ia. Apontei para uma rua qualquer do outro lado e ele mandou que o seguisse; então nos embarafustamos entre os carros em movimento, desviando de um e de outro. Ao contrário de Roma, os motoristas egípcios não paravam, apenas diminuíam a velocidade; dava para sentir o vento nas costas quando passavam por nós. Ao alcançamos a calçada oposta, ele nem esperou meus agradecimentos. Virou as costas e se foi com a esposa silenciosa. Assim, no Cairo, como os cairotas.