quinta-feira, 23 de setembro de 2021

UMA HISTÓRIA SOBRE AMIZADE

Os dois nordestinos conheceram-se no Rio de Janeiro em setembro de 1918 em um jantar: Belarmino, 20 anos, recém-chegado à cidade, e Francisco com 26 anos, advogado e jornalista em ascensão por seus artigos na imprensa carioca. O primeiro pernambucano de Caruaru e o segundo, paraibano de Cruzeiro. Belarmino, ex-seminarista, foi levado ao jantar pelo tio que apoiava na vida nova. A Grande Guerra (1914/1918) estava terminando e Francisco alinhava-se com os alemães, posição com a qual Belarmino não concordava e não se sentiu nem um pouco intimidado em rebater o discurso germanófilo do jornalista. Aliás, eles divergiram em religião, política, economia e literatura, o que não impediu que a conversa durante o jantar se desenrolasse “solta, animada, entre risadas e frases de espírito”.

Na despedida, Francisco fez o convite: “Caboclo, se vosmecê é tão bom atleta quanto polemista, venha remar comigo no Clube Guanabara”. Nascia ali a amizade entre Francisco de Assis Chateaubriand e Belarmino Maria Austregésilo Augusto de Athayde. Amizade (e o apelido) que durou mais de quarenta anos. Iam à praia todas as manhãs, nadavam, remavam e tomavam sol. Um dia Chateaubriand sumiu, Athayde preocupou-se, mas quando finalmente achou o salva-vidas, o amigo apareceu: “Já estava ensaiando o discurso que teria que fazer à beira de sua cova”. Chateaubriand propôs um pacto: o que sobrevivesse seria o encarregado do elogio fúnebre do outro. Algumas semanas depois Chateaubriand pensou que teria de escrever o epitáfio do amigo: Austregésilo de Athayde pegou a gripe espanhola, que chegara ao Rio com tripulantes do navio inglês Demerara.

Athayde recuperou-se e foi ao JORNAL DO BRASIL, onde Chateaubriand trabalhava, contar vantagens, pois segundo ele, “quem escapa da praga que mata até presidente da República está fadado a viver para sempre. Pode rasgar seu discurso porque na minha sepultura você não vai falar”.

Ter um jornal era o sonho da vida de Assis Chateaubriand, que tinha até um funcionário contratado: Athayde. Chateaubriand era jornalista, mas vivia principalmente da advocacia. “Caboclo, quando eu comprar um jornal você vem trabalhar comigo.” Ao longo de seis anos, Assis Chateaubriand trabalhou, enredou, comprou grandes brigas políticas e pessoais e provocou muita confusão. Fez amigos e inimigos de todos os portes. Enfim, aos 32 anos conseguiu comprar “O Jornal”, propriedade do jornalista Renato Toledo Lopes, fundado havia cinco anos. Detalhe: não tinha um tostão, mas correu atrás de amigos e fechou o negócio. Na manhã dia 30 de outubro de 1924, ele passou pela casa de Austregésilo de Athayde: “Caboclo, venha comigo que nós vamos tomar posse de “O Jornal”. Acabei de comprar aquele diário e quero você como testemunha na hora de sacramentar o negócio”.

Uma das grandes demonstrações dessa sólida amizade ocorreu em 1926, quando Chateaubriand lançou o livro sobre o falecido presidente Artur Bernardes, com quem teve sérios confrontos para dizer o mínimo. Em “Terra desumana” o “esquartejamento (de Bernardes) é lento”, nas palavras de Fernando Morais (CHATÔ, o rei do Brasil). A primeira crítica foi publicada em “O Jornal”. Nada favorável apesar de ter a assinatura do amigo Austregésilo de Athayde. Chateaubriand, para surpresa geral, não gritou nem demitiu o Caboclo. Apenas comentou: ”Queres ver as coisas sempre pelo lado do bom moço” e depois escreveu um artigo simpático ao Caboclo.


Uma amizade que se baseava em lealdade e confiança mútua “e resistiu a discussões acaloradas, pois Chateaubriand dava-lhe total liberdade de expressão, jamais concedida a qualquer outro jornalista seu empregado”, de acordo com Laura Sandroni, filha de Austregésilo de Athayde.

Austregésilo de Athayde (esquerda) nasceu em 25 de setembro de 1898, em Caruaru (PE) e faleceu em 1993. Assis Chateaubriand (direita) morreu em 1969.

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