quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

JAGUAR BISSEXTO

 JAGUAR, 91

Sempre difícil selecionar livros para doação. Passo horas folheando alguns que, aparentemente, podem ser doados. Um bom exemplo: “Confesso que bebi”. Livro do Jaguar (1932), jornalista, cartunista e um dos fundadores do “PASQUIM” e que hoje completa 91 anos. Acabei esquecendo a tarefa e me pus a reler as deliciosas histórias que se passaram em bares, botequins, botecos e sujinhos do Rio de Janeiro em meados do século passado e que envolvem jornalistas, artistas, políticos, escritores, poetas, músicos, socialites e populares da Cidade Maravilhosa. Imaginem que a dedicatória ocupa três páginas! O prefácio de outro craque: Joaquim Ferreira dos Santos. Mas não se trata apenas de um guia etílico, mas das comidas servidas naqueles estabelecimentos. 

            Um dos causos é  a ida de Jaguar à Maria da Graça, bairro da Zona Norte, na companhia de Celso Japiassu (1939), poeta, publicitário e restauranteur, guiados por Chico PF (Prato Feito): “É simples – garante ele – é só seguir pela São Francisco Xavier, pegar o viaduto antes de Sampaio, e atravessar a favela do Jacarezinho”. Em frente ao bar tem (ou tinha) uma imensa amendoeira, que emprestou o nome ao boteco, que oficialmente se chama Café e Bar Lisbela. Eles pedem o prato do dia – feijão branco com costelinha, mas o garçom diz que tem carrê à mineira. E o prato do dia? “Às vezes o cozinheiro faz.” Adoro essas coisas impensáveis em São Paulo... Jaguar (que estava trabalhando) anotou o cardápio da semana com um adendo: “não custa telefonar para confirmar”.

E tem a história do bar Capelinha da Gávea na rua Pacheco Leão, no Jardim Botânico, tão pequeno que mal cabiam cinco fregueses de pé. Jaguar relembra que Leila Diniz (1945-1972) a caminho da Globo costumava tomar uma batida de maracujá no barzinho e um dia, sem querer, rebatizou o bar: “Porra, quando a gente bebe aqui, fica com a bunda de fora!” Os frequentadores se entusiasmaram. O nome “pegou” e o dono tratou de mudar letreiro. As autoridades intervieram e ele deu um jeitinho – “B. de Fora”, mas não deu certo e ficou “...de fora” Como estamos no século XXI, hoje ele exibe o nome completo “Bar Bunda de Fora”.

Uma estagiária do jornal (?) quis uma definição de botequim. “Um botequim deve ser, de preferência, razoavelmente limpo. Mas não a ponto da gente pensar que está bebendo numa enfermaria. Ninguém morre de infecção contraída em bar. E quantos já morreram de infecção hospitalar?” Para ele boteco que se preze deve ter: de ovo cozido a sanduíche de churrasquinho, de caracu com dois ovos, o Viagra dos pobres, ao bete-entope mais barato, pão com ovo.”

Charge do Jaguar, 1998.

Jaguar: Editora Record, Rio de Janeiro – São Paulo, 2001.


quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

PERCURSOS DIFERENTES

 

Ontem, fiz caminhos diferentes. Fui à rua Lavapés – uma das mais antigas de São Paulo, nome herdado de um riacho onde os viajantes entre a vila de Piratininga e o litoral costumavam lavar os pés, removendo a lama do Caminho do Mar. Motivo da incursão pelo Cambuci, bairro vizinho da Aclimação: uma loja de móveis de escritório. Nesses tempos em que o amigo do alheio impera, as portas de vidro da loja permanecem fechadas com estantes, que deveriam estar numa vitrine, servindo de calço para impedir visitas desagradáveis. Como não tem campainha e ninguém à vista, é preciso chamar à moda antiga: “ó de casa!”. E lá vem a dona da loja, que empurra uma estante o suficiente para eu passar. É uma senhora simpática, conversamos sobre o bairro, problemas e a cidade; faço a compra e nos despedimos. A mesma operação para eu sair.

Sem programa resolvi ir ao Mercado da Cantareira. Vou olhando à esquerda as lojinhas coloridas ao longo da Ladeira General Carneiro e à direita as tendas azuis que onde se vendem tênis. Haja tênis! No final, a praça Ragheb Chohfi, onde fica o belo monumento à Amizade Sírio Libanesa, do escultor Ettore Ximenes – vândalos decapitaram um dos elementos do conjunto escultórico. Do outro lado fica uma das lojas mais bonitas da região – trabalha com decoração, especialmente temática. Paro para uma espiada. Agora só tem coelhos e ovos à vista. Um casal de coelhos se destaca. O macho tem um relógio de corrente, saindo do bolso. Acho que deve ser uma referência ao Coelho Branco que inicia as aventuras de Alice no País das Maravilhas; há uma árvore de coelhos (muita imaginação para meu gosto) e saio logo que vejo as borboletas gigantes.

Passo por uma tapeçaria, entro e peço informações sobre linóleo; o funcionário até que já ouviu falar no produto (o que me espanta), mas me oferece algo mais moderno. Hum! Não sei... Peço um cartão e agradeço.

O Mercado da Cantareira ganhou pintura nova e por dentro fizeram várias alterações no espaço de alimentação, enchendo o piso térreo de mesinhas para comer e beber. Não gostei especialmente da introdução daquelas mesas em que de um lado tem um tipo de sofá e do outro cadeiras (booth em inglês). Vou procurar azeitonas. Acho um box simpático, enquanto o rapaz pesa as azeitonas, ouço a dona recomendando pimenta baiana num petisco que um funcionário está preparando. Comento que deve ser muito picante a iguaria. “Não é, não. Essa é pimenta baiana argentina” – responde dando risada. Na rua, olho para o céu que está azul, sem nuvens ameaçadoras. Subo a ladeira de volta e, na Praça da Sé, sempre movimentada, evito a rua Barão de Paranapiacaba onde há um batalhão de homens e mulheres passam o dia assediando pedestres para que comprem ou vendam ouro e prata. Ela é conhecida como “a rua do ouro”, com várias joalherias de rua e, pelo que ouço dizer, nos prédios. Acho uma péssima ideia alguém ir fazer negócios ali.

 Na volta em vez de metrô, pego o trólebus, onde viaja um senhor que insiste em fazer comentários sobre a paisagem. Aponta o Tribunal de Justiça e diz que é obra italiana, informo que é de Ramos Azevedo; ele diz que o prédio da Faculdade de Direito é muito mais bonito; digo que o do tribunal é supera o do Largo de São Francisco e o incentivo a ir visitar. Como não dei muita atenção, ele passa a conversar com o cobrador. Felizmente, chegou ao meu destino, me despeço e desço rapidamente.


O prédio do Mercado tem 91 anos. Projeto: arquiteto Felisberto Ranzini, do escritório Ramos de Azevedo. Estilo eclético. 



terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

ANIVERSARIANTE DO DIA

Elizabeth Rosemond Taylor nasceu num subúrbio de Londres em 27 de fevereiro de 1932 e se tornou uma das personalidades marcantes do século XX tanto por sua beleza ímpar como por sua carreira artística e empresarial e sua vida amorosa atribulada. Elizabeth Taylor. Na juventude, com “Lassie e a força do coração” (1943) e “A mocidade é assim” (1944) na maturidade em “Assim Caminha a Humanidade” (1956), em “Gata em Teto de Zinco Quente” (1958), em “De repente no último verão” (1959) ou “Cleópatra (1963) ... Na década de 1980, entrou para o mundo dos negócios ao lançar o perfume “Passion”, nome que ela teria escolhido porque “"A paixão é o ingrediente que me fez quem eu sou. É minha paixão pela vida ... minha paixão pelo amor é o que me fez nunca desistir". Ela morreu em 2011, aos 79 anos.




 Elizabeth Taylor, 1953: MGM, Wikipedia. 





domingo, 25 de fevereiro de 2024

CADA IDEIA!

 

Se você acha que já viu de tudo...

Tempos atrás soube que existia em Piacenza, Lombardia, Itália, o Museo della Merda, criado em 2015. Antes de condenar a ideia do sr. Gianantonio Locatelli e seus associados – Luca Cipelletti, que gere os seus projetos e produtos, Gaspare Luigi Marcone e Massimo Valsecchi –, é bom saber que há um bem maior nessa aparente ideia estapafúrdia. Em uma quinta na província de Piacenza, 3.500 vacas de raça produziam diariamente 50 mil litros de leite para produção do queijo Grana Padano e 150 mil quilos de excrementos. Tal quantidade de esterco poderia se transformar em um grande problema não fosse o projeto ecológico, produtivo e cultural criado por Locatelli.

            O projeto conta com sistemas inovadores para produção de energia elétrica a partir do esterco: a quinta produz até tres megawatts por hora; os edifícios e escritórios sao aquecidos com o calor emitido pelos digestores que transformam o estrume em energia. A partir do cocô a quinta também produz imaginem só, telhas, vasos, jarros e canecas que são comercializados, mais uma vez, antes de torcer o nariz, é bom saber que a coleção foi premiada no Salão do Design de Milão em 2014 por “transformar o cocô em algo divertido”.

            Na verdade, o programa conquistou reconhecimento internacional.

MUSEU DA MENSTRUAÇÃO

Esse é um tema que sempre considero íntimo demais e só aceitável em conversa com o ginecologista, mas o sr. Harry Finley (1942) teve a inusitada ideia de criar em 1994 um museu no porão da residência dele em Maryland (Estados Unidos) e o abriu para visitação. Nem é preciso dizer que gerou pouco interesse, pois fechou em 1998. O sr. Finley estudou Filosofia na Universidade John Hopkins e trabalhou como diretor de arte de uma revista na Alemanha. Foi lá que ele começou a se interessar pelo tema, colecionando anúncios de produtos relacionados à menstruação. Ao retornar aos Estados Unidos, foi trabalhar como designer gráfico na National Defense University de Washington – DC, instituição de treinamento para a segurança nacional, e acabou pesquisando sobre o assunto na Biblioteca do Congresso, incluindo informações culturais e históricas sobre menstruação.  

            A coleção cresceu tanto que Finley achou que era tempo de organizar um museu no porão da casa dele. A inauguração foi no final de julho de 1994, mas como ele trabalhava em período integral, as visitas tinham que ser agendadas nos finais de semana. A família dele não gostou nada da ideia, que no trabalho também não foi bem vista. Ele recebeu visitas importantes no seu porão, mas especialistas foram categóricos: ele pesquisou e dedicou tempo ao museu que, entretanto, era uma confusão de objetos e faltava o principal, segundo museólogos, a explicação sobre como as coleções se encaixam na história.

            O que havia no porão de Finley? Mais de mil itens doados pela empresa que produz Tampax desde 1936; um figurinista criou uma réplica de avental menstrual para o museu, calcinhas menstruais entre outros itens... Finley acredita que ainda poderá existir o museu da menstruação, já que os tempos mudaram muito e o assunto deixou de ser “indelicado”. Achei surpreendente que ele espera que, como todos os outros museus, esse também tenha uma lojinha de presentes!








sábado, 24 de fevereiro de 2024

ALTEMAR DUTRA

Altemar Dutra (1940-1983) nasceu em Aymorés (MG), mas foi em Colatina (ES) para onde sua família mudara, que iniciou a carreira já com sucesso, o que o levou aos 17 anos a tentar a sorte no Rio de Janeiro, levando na bagagem uma carta de apresentação do compositor e jornalista Jair Amorim (1915-1993), capixaba de Santa Leopoldina. No Rio, foi crooner de várias boates e em 1963 gravou o primeiro disco “Tudo de mim”, composição de Jair Amorim e Evaldo Gouveia (1928-1920) – uma estreia de muito sucesso. Altemar Dutra se tornou o principal intérprete da dupla de compositores, tornando-se um fenômeno da música romântica brasileira, de acordo com o crítico Ricardo Cravo Albin. Conquistou o público brasileiro e hispânico. Um dos seus maiores sucessos foi “O Trovador” (Jair Amorim e Evaldo Gouveia), o que lhe valeu o título de “Trovador do Brasil”. Apesar da bela voz e de todo seu sucesso não teve o reconhecimento da crítica, dizem que pelo fato de ter gravado principalmente boleros. Em 2000, “Brigas”, também da mesma dupla de compositores, foi incluída em uma seleção das cem melhores músicas populares brasileiras, feita por críticos e coordenada por Cravo Albin. Altemar Dutra faleceu aos 43 anos, vítima de um AVC, durante apresentação em uma boate em Nova York. (Obs. Há quem diga que bolero é música de mau gosto mas perto do que ouço hoje, considero ótima música.)



quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

LISTA TELEFÔNICA

 

Por WhatsApp peço uma informação a uma amiga que tem excelente memória. Ela me responde que vai consultar a Lista Telefônica. Lista Telefônica??? A dela é de 2002. Eu não vejo uma desde o século passado, quando a empresa de telefonia deixou de me encaminhar a publicação e, como era um trambolho, nem me dei ao trabalho de reclamar. A última ainda foi usada para suporte para a porta. Com o telefone celular, se tornou obsoleta. Para quem não sabe a Lista Telefônica era um catálogo com as informações dos assinantes, divididas em três seções: nome, endereço e classificados – que em São Paulo eram colocados em páginas amarelas. Quem estivesse atrás de um serviço, devia consultar as famosas Páginas Amarelas. O assinante podia optar por não constar catálogo – meu caso. A lista era atualizada anualmente: o assinante devolvia a anterior para receber a nova. A primeira lista telefônica foi publicada em 21 de fevereiro de 1878 em New Haven, Cunnecticut (EUA).

            Para não ter que manusear a todo momento a lista, as pessoas mantinham agendas com os números das pessoas com quem mantinham contato frequente e das empresas de serviços mais utilizadas – farmácia, quitanda, mercearia etc. De familiares e amigos íntimos geralmente sabíamos de cor. Agora, os números de novas chamadas ou ligações feitas para estranhos vão automaticamente para os contatos e basta confirmar ou deletar. Outro dia esqueci as chaves na caixa de entrada do banco e só percebi depois das 16 horas. Notei que estava sem o celular e, de repente, meu mundo caiu: descobri que não sabia o número de telefone de ninguém. Ninguém! Saí correndo e ainda encontrei um funcionário no banco que, após me identificar, foi buscar as chaves e trouxe junto o celular, que também ficara na caixinha. O celular é hoje um aparelho de mil e uma utilidades – paga compras, tira fotos, manda recados, é mapa, é espelho e, entre tantas coisas mais, até faz ligações telefônicas. (O telefone da foto é da Casa de Mário de Andrade.)




terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

SANTOS, SEMPRE SANTOS

 

Foram lembranças banais que afloraram por causa de um pãozinho de cará sem graça que encontrei em São Paulo, mas que repercutiu de uma forma deliciosa entre os amigos santistas, cada um trazendo suas recordações do comércio do centro da cidade e de trajetos memoráveis. Imperdoável meu esquecimento do Bazar 1001, que ficava ao lado da minha casa e onde era comprado meu material escolar; minha amiga Clea contribuiu com o “Porãozinho”, um armarinho famoso onde a mãe dela comprava material de costura. O tio da Clea trabalhava na “Casa Verde”, que ficava em frente ao armarinho. Imagino o pequeno Leon Rouge roubando azeitonas na Mercearia Natal, onde o pai da Judite trabalhava, onde a mãe de Denise comprava bacalhau e, como minha avó e tantas outras senhoras, abastecia sua despensa. Eu e Leon Rouge fomos vizinhos na infância e mais tarde estudamos a uma quadra um do outro – eu no Liceu Feminino e ele no Colégio Santista.

Minha amiga Carmen leu a história das conversas de janela da minha avó com a moça que trabalhava na “Instaladora” e conta que o avô dela era o proprietário da loja e logo quer saber o nome da conversadeira. Minha memória não é tão boa assim. Hoje enviei para Carmen a foto que guardei porque é de excelente qualidade, em tom sépia, dedicada a uma das minhas tias e tem a data de 1942. Carmen a identificou para minha alegria: Carlota. Sim, o nome dela era Carlota! Lembrei! Que mundo estranho! Deu tantas voltas e de repente nós, que não nos conhecíamos naqueles anos 1950, nos encontramos em algum momento e aqui estamos compartilhando recordações...


R. Sete de Setembro: a escola "Avelino da Paz Vieira" (que foi meu professor) e atrás o Colégio Santista, um dos mais tradicionais da cidade.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

LEMBRANÇAS DE SANTOS

 

Foi uma surpresa encontrar pão de cará na loja do Pão de Açúcar aqui em São Paulo. Claro que comprei, mas foi uma decepção. Não chega aos pés do pãozinho santista. Borrachudo. Tenho mesmo que me contentar com a bisnaga paulistana. A padaria da minha infância era enorme (ou parecia porque eu era criança) e, como diz o nome, só vendia pão e leite. A Padaria Cirilo (ou Cirillo?) era na rua Amador Bueno, mas eu ia lá raramente, porque o pão era entregue em casa. Lembro-me de um pão redondo que era só miolo envolto em uma casca crocante delicioso – não era pão italiano. Eu adoro pão. Minha avó fazia compras na Mercearia Natal ou na Casa Aymoré – acho que era nesta mercearia que ela comprava um rebuçado que vinha embrulhado num papel com a figura do Pedro Álvares Cabral (ou era Martim Afonso?). Deliciosos – hoje nem me daria ao trabalho experimentar um. Doces eram feitos em casa. Fazíamos compras também na “Cruzeiro do Sul”, laticínio que ficava na avenida São Francisco.

            A rua Amador Bueno já era basicamente comercial, quando mudamos de lá em 1960. Algumas lojas existem até hoje – como a Farmácia Indiana, “Ao Dr. Das Tesouras”, “Galeria Santista”. A Instaladora” desapareceu, mas guardo uma foto de uma moça que trabalhou na loja e todos os dias parava sob a janela de casa para um dedo de prosa com minha avó, que gostava de ver o movimento da rua, no final da tarde. A joia da rua sempre foi e será o Centro Português que, por incrível que pareça, nunca conheci por dentro. Nem fotografei... Tudo isso por causa de um pão de cará...

O prédio ao lado de casa era parecido com este e na parte inferior funcionava o "BAZAR 1001".




terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

NOVAS FRONTEIRAS

Meu avatar. Gifts.eco.br

 

Os ditos populares estão fora de moda, mas vez por outra me lembro deles. Recentemente, comprovei que não se deve dizer “desta água não beberei”. Nos tempos da escola, detestava as aulas de Educação Física, especialmente dos jogos, sem contar a atitude autoritária da maioria das professoras que tive. Felizmente, nos cursos noturnos me livrei da matéria. Desde então, meu único exercício, feito com prazer, tem sido a caminhada.

Caminhada urbana para desfrutar da cidade; entretanto, com a idade alguns problemas físicos surgiram e em 2023 um médico recomendou academia, fisioterapia e preencheu uma receita de anti-inflamatório e analgésico. Guardei a receita. Evito as duas medicações, mas nunca se sabe. Fui para a fisioterapia e acupuntura; e, depois de hesitar muito, fui fazer ginástica com um grupo de pessoas muito experientes. A última vez em que fizera exercício fora em 1963. Há quase um ano me exercito duas vezes por semana.

Não contarei minhas desventuras na quadra, mas direi que, surpreendentemente, após a primeira sessão em que tudo doía e rangia, saí sem dores ou cansaço provocados pelos exercícios. Fiquei animada. Nas aulas seguintes, quando não conseguia fazer alguns movimentos, a professora estava ao lado, incentivando e me ajudando a perseverar, como faz com cada aluno. Após dois meses estava me sentindo muito melhor e, atualmente, estou quase recuperada.

A experiência inusitada do ano passado não foi só a ginástica: acabei participando de uma quadrilha junina – coisa que não fez parte das programações da escola que frequentei, ou se fez, não lembro. Não gosto, não sou coordenada. “Não tem importância! Ninguém repara!”  E lá fui eu aos 77 anos participar de uma quadrilha junina! Acho que não dei vexame.

Outro aspecto muito bom foi conhecer pessoas com histórias de vida extraordinárias e que agora se esforçam na quadra para manter a saúde. Como o sr. Manezinho, que frequenta outra turma, mas encontrei na festa de aniversário oferecida a ele pelos colegas. O sr. Manezinho estava comemorando 104 anos! Já está inscrito nas aulas deste ano. Só tenho agradecimentos para a nossa professora.


É HOJE SÓ!


 “O carnaval não mudou senão nas formas aparentes, e não tens direito de suspirar que naquele tempo, sim, era melhor, e hoje tudo é porcaria, da decoração aos sambas. O carnaval cresce e se agita dentro de cada um, seja ou não patrocinado pela prefeitura, e dinamiza músculos e cordas vocais, restituindo ao homem um pouco de animalidade comprometida menos pela civilização que pelo seu uso mecânico. O poeta imaginou compor um carnaval, como o de Schumann, “todo subjetivo”. São todos subjetivos, quando vividos intensa e profundamente na zona sensível de cada um, que transforma e valoriza a circunstância exterior. Não te rebaixes a falar mal do carnaval que já não te procura.” Carlos Drummond de Andrade – excerto da crônica DIANTE DO CARNAVAL, 1957. 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

UM PIERRÔ APAIXONADO

Sempre há um Pierrô apaixonado por uma Colombina interessada em um Arlequim... Deliciosa composição de Noel Rosa e Heitor dos Prazeres. Carnaval de 1936. Gravação da dupla Joel e Gaúcho. (Vermute com amendoim deve ser um veneno!)

Baile à fantasia, 1913, óleo sobre tela de Rodolpho Chambelland (1879-1967). Acervo: Museu Nacional de Belas Artes (RJ).

Um pierrô apaixonado
Que vivia só cantando
Por causa de uma colombina
Acabou chorando, acabou chorando.

A colombina entrou num botequim
Bebeu, bebeu, saiu assim, assim
Dizendo: Pierrô cacete
Vai tomar sorvete com o arlequim

Um grande amor tem sempre um triste fim
Com o pierrô aconteceu assim
Levando esse grande chute
Foi tomar vermute com amendoim

Heitor dos Prazeres foi também um premiado pintor, considerado um dos pioneiros da arte naïf no Brasil.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

O RÁDIO E O CARNAVAL


Cresci ouvindo rádio, que tinha um lugar especial na sala de visitas e ao lado do qual minha avó fazia crochê. Era pelas ondas do rádio que o Carnaval entrava em casa e eu ia aprendendo as músicas – marchinhas, sambas, marchas-rancho e frevos. Nas matinês de domingo no cine Carlos Gomes ou no Bandeirantes, assisti às chanchadas da Atlântida feitas para a época – e incluíam os sucessos do ano. Lá estavam Marlene e Emilinha Borba. Nem sei se minhas tias eram admiradoras de Emilinha Borba ou Marlene. Eu, com certeza, nunca liguei para elas. Gostava das músicas. Carmen Miranda já vivia nos Estados Unidos, mas seus sucessos continuavam por aqui, como “Taí”. Tentando lembrar das minhas músicas preferidas, percebo que já era fã de João de Barro, o Braguinha (1907-2006), cuja existência  eu ignorava – afinal, ainda era criança. “Pirulito!”, “Pirata da Perna de Pau”, “Chiquita bacana”, “Menina vai, com jeito vai”, “Lata d’água”, “Tomara que chova”, “Balancê” entre tantas outras. Em parceria com Noel Rosa, Braguinha compôs “Pastorinhas”, marcha-rancho inesquecível. Havia ainda "Maria Escandalosa", que “desde criança sempre deu alteração” e na “escola, não dava bola”, composição de Klécius Caldas e Armando Cavalcanti. São tantas – "Pescaria", “Mamãe eu quero”. “Cachaça não é água”, “Me dá um dinheiro aí”, “Allah-La-Ô” e por aí vai.

E porque "domingo é dia de pescaria , lá vou eu de caniço e samburá".

“Ta-Hi ! P´ra Você Gostar de Mim” (1930), de Joubert de Carvalho, primeiro sucesso de Carmen Miranda.


https://www.youtube.com/watch?v=h0cS3B7a9Vc

CARNAVAL NO FOGO

Uma quadrilha se hospeda no lendário Copacabana Hotel, no Rio de Janeiro, com o plano de assaltar turistas durante o Carnaval. Não adianta procurar no noticiário de hoje. Esse é o enredo atualíssimo do filme “Carnaval no fogo”, dirigido por Watson Macedo em 1949.

Grande Otelo (ator extraordinário) e Oscarito estão no elenco e, como sempre, eram garantia de boa bilheteria. Dois grandes atores estrearam nesse filme: José Lewgoy e Wilson Grey. Anselmo Duarte (1920-2009) e Eliana Macedo (1926-1990), sobrinha de Watson Macedo (1926-1990) também em início de carreira se tornam a dupla romântica da época em “Carnaval no Fogo”. Outros nomes se destacaram também no mundo artístico – palcos, telas grandes e pequenas – como Jece Valadão (1930-2003), Adelaide Chiozzo (1931-2020),

Vários cantores desfilam no filme: Jorge Goulart (1926-2012), Francisco Carlos (1928-2003) – que também era compositor e pintor (formado pela Escola Nacional de Belas Artes) e Elvira Pagã (1920-2003), famosa por sua ousadia para a época.










sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

CARNAVAL NA ATLÂNTIDA

“Carnaval na Atlântida”, filme de 1952, dirigido por José Carlos Burle e Carlos Manga. Se Hollywood tinha Cecil B. de Mille (1881-1959), nós tínhamos Cecil B. de Milho, nessa paródia dos filmes épicos americanos, estrelada por Eliana Macedo, Cyll Farney, Grande Otelo, Oscarito, José Lewgoy, Wilson Grey, Renato Restier e Maria Antonieta Pons. O roteiro, assinado por Berliet Jr. (1904-1973), trata das desventuras do produtor Cecil B. de Milho () para realizar um filme sobre Helena de Troia, personagem da mitologia grega. 


https://www.youtube.com/watch?v=grnNn9dQOYQ

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

CARNAVAL CHEGANDO

Não gosto de Carnaval, mas é sem dúvida parte muito importante da cultura nacional, especialmente pela contribuição musical com críticas bem humoradas aos problemas brasileiros até o final dos anos 1960, e especificamente aos do Rio de Janeiro, capital do país. Críticas que incomodavam os governantes que, frequentemente, recorreram à censura  o que nem sempre funcionou, porque o original muitas vezes vazava e a população cantava nos cordões de rua e até mesmo nos salões. Sem contar as paródias criadas e divulgadas pelos blocos. O Carnaval deveria começar no próximo domingo, mas parece que teve início com o mês de fevereiro com o aval oficial.

Chiquinha Gonzaga (1847-1935) é a autora da marcha-rancho Ô abre alas” (1899), um marco da festança. As irmãs Dircinha (1922-1999) e Linda Batista (1919-1988) foram as grandes estrelas da era do rádio e do Carnaval. 



https://www.youtube.com/watch?v=p_nMAuneusM





quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

VAMOS AOS BANHOS

Se você adora histórias que se passam em palácios requintados e, se ainda não pôde, sonha em conhecer os mais bonitos da Europa; ou acha as roupas da nobreza maravilhosas, lembre-se de que as aparências enganam. Com a queda do Império Romano, o costume de tomar banho foi diminuindo, mas o que deu início ao império da sujeira foram as epidemias da peste na Europa, pois as pessoas acreditavam que o banho abria os poros contribuindo para a instalação da doença. O medo da água começou no final da Idade Média (1453), quando as pessoas passaram a lavar apenas o rosto e as mãos. Sem sabão. Quando se animavam, incluíam os pés na faxina. Sem sabão.

    É verdade que o cristianismo também colaborou bastante, relacionando o banho ao pecado a ponto de algumas ordens religiosas recomendarem três banhos POR ANO!!! Natal, Páscoa e Pentecostes. Quando se falava em odor de santidade, ele nada tinha de agradável. Por aqueles tempos um monge relatou ter encontrado um eremita no deserto por ter sentido “o agradável odor desse irmão a mais de um O uso de incenso nas igrejas ajudava a mascarar o cheiro das pessoas. Do outro lado do canal, na Grã-Bretanha, a rainha Elizabeth I se vangloriava de tomar um banho por mês. O rei Luís XIII, da França, tomou seu primeiro banho aos 8 anos de idade; seu filho Luís XIV, o rei Sol, não era flor que se cheirasse a começar pelo mau hálito.

    Só para se ter uma ideia daqueles dias de glória do Rei Sol, que mandou construir Versalhes, assim que ele morreu em 1715, “um novo regulamento decretou que as fezes deviam ser removidas dos corredores de Versalhes uma vez por semana”. Oh! Céus! Não é à toa que os franceses capricharam na produção de perfumes.

    Ser malcheiroso não era privilégio dos reis. No século XVI, de acordo com o músico italiano Hieronymus Cardanus, homens e mulheres “estavam todos infestados de pulgas e piolhos, que as axilas deles cheiravam muito mal, que outros tinham fortes odores nos pés e que a maioria tinha um hálito horrível”. Um quadro de Georges de La Tour (1593-1652) tem como tema “Mulher tentando pegar uma pulga”, a obra é de c.1638. No filme “Ligações Perigosas” (1988), baseado no livro de Choderlos de Laclos (1741-1803), há uma cena em que o elegante visconde de Valmont (John Malcovich) faz sua higiene ao levantar. Banhos de banheira eram bem aceitos quando por recomendação médica. O cientista e jornalista revolucionário francês Jean-Paul Marat foi assassinado no banho durante a Revolução, dirão alguns, mas era exatamente um banho medicinal que acalmava a sensação de queimadura provocada pela dermatite herpetiforme, que ele contraíra.

    As senhoras com mais de setenta anos lembram que suas mães e avós falavam dos cuidados com a roupa branca – eufemismo não só para roupa de cama, mesa e banho, mas para a roupa íntima (calcinhas, cuecas e sutiãs). O termo tem uma longa tradição: na idade Média, as mulheres não usavam calcinhas nem os homens cuecas: vestiam por baixo camisas brancas longas de linho branco e, em vez de tomarem banho, trocavam várias vezes por dia a roupa branca; mas isso fazia quem tinha dinheiro para ter roupa para trocar, sem contar que o linho era para bem poucos. O povo mesmo raramente trocava de roupa.          Os “sábios” acreditavam que o linho branco remove a transpiração  do corpo, porque o suor é gorduroso ou salgado e impregna as fibras da planta (Linum usitatissimum).

    Nesse mundo de sujeira os moradores dos Países Baixos se destacam pela limpeza que atraía a admiração dos seus vizinhos – casas e ruas impecavelmente limpas, mas banho mesmo não fazia parte do seu show.

Enfim, só os fortes sobreviveram para contar a história.

(A história da sujeira continuará.)

À direita, Luís XIV, o Rei Sol. À esquerda, Luís XIII.