sábado, 23 de setembro de 2023

ESTÃO VOLTANDO AS FLORES

No Brasil, as flores nunca nos deixam; alegram nossos dias e dão um colorido especial às nossas vidas. Hoje começa a primavera e é uma boa oportunidade para lembrar de Emílio Santiago (1946-2013) e de uma música que foi um grande sucesso do carnaval de 1962: “Estão voltando as flores”, de autoria de Paulo Soledade (1919-1999). 



https://www.youtube.com/watch?v=3ovwfPax7Mw

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

CACARECO, A VEREADORA.

 

Corria o ano da graça de 1958. Ela vivia feliz no Rio de Janeiro e nunca desconfiou que fosse envolvida em uma grande trama política. Embora tivesse um nome muito feio, que na verdade correspondia ao seu aspecto físico que não a ajudava em nada. O endereço era na Quinta da Boa Vista, bairro digno da realeza. Certamente, não era supersticiosa, mas seu destino começou a mudar (ela também) no dia 13 de fevereiro. Mal sabia que logo se tornaria uma celebridade internacional. Ela era um rinoceronte e seu nome era Cacareco.

  Quando o Zoológico do Rio de Janeiro concordou em enviar temporariamente Cacareco para o Zoo paulistano, que ia ser inaugurado em 16 de março, reacendeu-se a velha rixa entre cariocas e paulistas. Aqueles descobriram que amavam Cacareco (que eles nem sabiam que era uma fêmea) e estes caíram de amores pelos encantos do “animalzinho” cuja permanência na pauliceia foi se estendendo com o apoio da imprensa.


No ano seguinte, Cacareco acabou envolvida em uma trama política sem precedentes, durante as eleições para a renovação da Câmara de São Paulo.  As eleições caíram como luva para a vingança dos descontentes moradores de um bairro que teve negado pelo Supremo Tribunal o pedido de emancipação política do município de São Paulo. Os paulistanos, em geral, também não gostaram do perfil de nenhum dos 540 candidatos. Um grupo de jornalistas liderado por Itaboraí Martins resolveu lançar a candidatura do rinoceronte para vereador. O jornalista Neil Ferreira (O Cruzeiro, de 24.10.1959) contou em uma reportagem quCacareco – conseguiu empolgar, de maneira espetacularmente inédita o eleitorado paulistano. Sem prometer nada (ele não pode prometer: não sabe nem falar); sem partido político definido – sua legenda poderia ser objeto de confusões: PC (Partido Cacareco); e alguém ainda acabaria sem visto de saída para países da banda de cá do mundo – enfim, com sua candidatura lançada somente alguns dias antes do pleito, sua eleição está garantida”.

Cacareco era filha de Britador e Terezinha. Não há registro da data de nascimento, que foi provavelmente final da década de 1940, no Rio de Janeiro. Ela teve uma irmã mais nova, a Pata Choca. A jovem pesava 900 kg e, na época, era solteira – uma coisa não estava relacionada à outra, necessariamente.

O currículo ressalta seu estilo playboy (playgirl seria mais correto) de vida e conta que ela esperava encontrar o seu príncipe encantado – um rinoceronte africano negro macho. O material preparado pelo cabo eleitoral de Cacareco era bem atual: hobby: comer e dormir; lazer e esporte: não fazer nada; qualidades: carisma e simpatia. Defeitos? Mudez e pouca visão. (Aqui, se esqueceram de dizer que era analfabeta.) Sonho: a África.

O slogan da campanha era simplesmente Cacareco para Vereador. O bicho mobilizou São Paulo (para alegria dos cariocas) de tal forma que mereceu até editorial de O Estado de S. Paulo. Às vésperas das eleições, os dirigentes políticos acharam melhor devolvê-la para o Zoológico do Rio para evitar comoções maiores.  Assim, Cacareco partiu às pressas para a Capital Federal, no dia 1.10.1959 e uma multidão foi se despedir do rinoceronte. (Sábio De Gaulle.)

Apesar da ausência, no dia 4 de outubro, a população mostrou sua desilusão com os políticos, votando em peso (hum!) em Cacareco. O rinoceronte recebeu quase 100 mil votos, que na época seriam suficientes para eleger pelo menos seis vereadores, segundo Antônio Costella, autor do livro Cacareco, o Vereador (Editora Mantiqueira). Cacareco, que teve uma carreira política sensacional e fugaz, morreu pouco tempo depois com dez anos, quando a idade média de vida de um animal livre é de meio século. Provavelmente, desgosto com o cenário político nacional.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

SEM MANDAMENTOS

Oswaldo Montenegro, carioca, 67 anos continua em atividade e seu trabalho reconhecido internacionalmente. Em nossos dias nossas ruas precisam muito de sorrisos francos e de rostos serenos...


SEM MANDAMENTOS

Hoje eu quero a rua cheia de sorrisos francos
De rostos serenos, de palavras soltas
Quero a rua toda parecendo louca
Com gente gritando e se abraçando ao sol

Hoje eu quero ver a bola da criança livre
Quero ver os sonhos todos nas janelas
Quero ver vocês andando por aí

Hoje eu vou pedir desculpas pelo que eu não disse
Eu até desculpo o que você falou
Quero ver meu coração no seu sorriso
E no olho da tarde a primeira luz

Hoje eu quero que os boêmios gritem bem mais alto
Quero um carnaval no engarrafamento
E que dez mil estrelas vão riscando o céu
Buscando a sua casa no amanhecer

Hoje eu vou fazer barulho pela madrugada
Rasgar a noite escura como um lampião
Vou fazer seresta na sua calçada
Eu vou fazer misérias no seu coração

Hoje eu quero que os poetas dancem pela rua
Pra escrever a música sem pretensão
Quero que as buzinas toquem flauta doce
E que triunfe a força da imaginação

Eu vou fazer seresta na sua calçada
Eu fazer misérias no seu coração
Hoje eu quero que os poetas dancem pela rua
Pra escrever a música sem pretensão
Eu quero que as buzinas toquem flauta doce
E que triunfe a força
Da imaginação.




https://www.youtube.com/watch?v=CHj4QMpBlMM

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

CHUVA

Tarde chuvosa na avenida Paulista. Ao contrário de Raul Seixas (1945-1989), não tenho medo de chuva (14/09/2023).


“Eu perdi o meu medo, o meu medo da chuva
Pois a chuva voltando prá terra traz coisas do ar.
Aprendi o segredo, o segredo da vida
Vendo as pedras que choram sozinhas no mesmo lugar...

 

terça-feira, 12 de setembro de 2023

SAPATOS ME PERSEGUEM

 


E me intrigam. Há tempos venho fotografando pares de sapatos abandonados nas ruas por onde passo. Semanas atrás estava no ônibus, quando vi um par de tênis em ótimas condições na calçada da Praça João Mendes. Desci para fotografar, mas não deu tempo: alguém chegou primeiro e levou meu achado; recentemente, registrei aqui no bairro as botas surradas colocadas cuidadosamente ao pé de uma árvore e até acabei esquecendo delas, mas ontem, lá estavam os tênis em um passo desencontrado em Pinheiros, e resgatei as botas do arquivo.






sábado, 9 de setembro de 2023

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

BRAVA GENTE BRASILEIRA!

“Quadro histórico comemorativo da proclamação da independência pelo príncipe regente D. Pedro nos campos do Ypiranga”, idealizado por Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905) por encomenda do Governo Imperial e exposto inicialmente em 1888, em Florença (Itália). No Brasil, foi exibido pela primeira vez na inauguração do Museu Paulista em 7 de setembro de 1895 e, atualmente, encontra-se no Salão Nobre do Museu. O museólogo e professor Ulpiano Bezerra de Menezes (1936) escreveu que é no Salão Nobre que a “alegoria histórica se expande e atinge vitalidade e eficácias totais em detrimento de conteúdos mais particularizadamente” paulistas. Objetos, documentos e relíquias que compõem o espaço – foram encomendados por Affonso de Escragnolle Taunay (1876-1958), que dirigiu o Museu de 1917 a 1946.

HINO DA INDEPENDÊNCIA

A letra é uma adaptação de um poema de Evaristo da Veiga e a música original era Marcos Antônio da Fonseca Portugal, mas foi substituída em 1824 pela composição de D. Pedro I. 

Já podeis da Pátria filhos,
Ver contente a mãe gentil;
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil
Já raiou a liberdade,
Já raiou a liberdade,
No horizonte do Brasil.

Brava gente brasileira!
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil;
Ou ficar a Pátria livre,
Ou morrer pelo Brasil.

Os grilhões que nos forjava
Da perfídia astuto ardil…
Houve mão mais poderosa…
Zombou deles o Brasil;
Houve mão mais poderosa
Houve mão mais poderosa
Zombou deles o Brasil.

Brava gente brasileira!
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil;
Ou ficar a Pátria livre,
Ou morrer pelo Brasil.

 

Não temeis ímpias falanges
Que apresentam face hostil;
Vossos peitos, vossos braços
São muralhas do Brasil;
Vossos peitos, vossos braços
Vossos peitos, vossos braços
São muralhas do Brasil.

Brava gente brasileira!
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil;
Ou ficar a Pátria livre,
Ou morrer pelo Brasil.

Parabéns, ó! brasileiros!
Já, com garbo varonil,
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil
Do universo entre as nações
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil.

Brava gente brasileira!
Longe vá… temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil;
Ou ficar a Pátria livre,
Ou morrer pelo Brasil.


https://www.youtube.com/watch?v=-VVqCus277g

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

MULHERES À FRENTE DO SEU TEMPO


Paulista, nascida em Xiririca (Eldorado), Francisca Júlia da Silva (1871-1920) foi

poeta parnasiana.  Quando publicou seu primeiro livro “Mármores”, tinha 24 anos e já era considerada uma grande poeta, pois seus trabalhos eram publicados em revistas e jornais.  O sucesso, entretanto, foi efêmero, apesar de continuar a fazer poesia de qualidade como atestam Olavo Bilac, Vicente de Carvalho e Mário de Andrade. No livro “As duas mortes de Francisca Júlia – A semana antes da Semana” (São Paulo: Unesp, 2022), o sociólogo José de Souza Martins, professor emérito da USP, afirma que “A história e a tragédia de Francisca Júlia reúnem e sintetizam os desencontros de sua geração. Especialmente o da mulher intelectual, abruptamente arrancada do patriarcalismo estamental e escravista. Confinada, porém, no vazio da transição brasileira com os cacos e restos da sociedade que acabava aos trancos e barrancos”.  

Francisca Júlia se suicidou em 1º de novembro de 1920.

 

INVERNO

Outrora, quanta vida e amor nestas formosas
Ribas! Quão verde e fresca esta planície, quando,
Debatendo-se no ar, os pássaros, em bando,
O ar enchia de sons e queixas misteriosas!

Tudo era vida e amor. As árvores copiosas
Mexiam-se, de manso, ao resfolego brando
Da brisa que passava em tudo derramando
O perfume sutil dos cravos e das rosas...

Mas veio o inverno; e vida e amor foram-se em breve.
O ar se encheu de rumor e de uivos desolados...
As árvores do campo, enroupadas de neve,

Sob o látego atroz da invernia que corta,
São esqueletos que, de braços levantados,
Vão pedindo socorro à primavera morta.

sábado, 2 de setembro de 2023

SEXTA-FEIRA NA PAULISTA

Depois de fazer uma compra em uma loja enorme, mas que só tem meia dúzia de funcionários e nenhum caixa – tudo autoatendimento, resolvi tomar um café no Benjamin. Há apenas dois rapazes no fundo da loja conversando. A balconista, que deve ter vinte e uns poucos anos, eleva e dobra o braço, boceja de acordo com os protocolos de higiene e comenta que também precisa de um cafezinho para espantar o sono. Nem tenho tempo para responder porque ela me conta que está grávida, o médico proibiu café, chá preto... Eu já vou incluindo chocolate – nem sei se tem cafeína, mas só para dizer alguma coisa. A moça se anima e continua falando da gravidez.  O café fica pronto e eu me refugio em outro balcão, mas ela tem uma boa visão do lugar e continua. As duas colegas dela também estão grávidas, o que está aborrecendo bastante o gerente, segundo ela. Felizmente, entram duas pessoas e tenho sossego, mas resolvo bater em retirada.
                   

Na rua, resolvo ir de ônibus. Poucos passageiros. O cobrador cochila. Tudo tranquilo até que uma jovem começa uma conversa no celular: ela explica que está indo para Ana Rosa onde vai pegar um ônibus para casa. Repete isso umas dez vezes ao longo da conversa. Acho que deveria ter ficado em casa, penso com meus botões. Tento me distrair olhando os prédios, o movimento das ruas e... E vejo uma procissão na calçada da avenida Paulista! O sacerdote todo paramentado sob a umbela carrega o sacrário, uns poucos fieis o seguem entoando algum hino e passam entre pedestres. Uma cena inusitada! O mesmo não acontece no ônibus. O motorista intrigado se pergunta a que se deve a procissão, pois o dia de São Judas foi 28 passado, a senhora no banco junto à porta, que parece ouvir música no celular, palpita cheia de certeza que é um grupo de turistas estrangeiros; o motorista, entretanto, não concorda. “São católicos. Acho que é dia de Ramos.” A senhora, no banco ao lado do meu, dá risada. “Dia de Ramos?” E eu não deixo por menos: “grupo de turistas?”. A segunda parte da conversa é a origem da procissão – minha vez de dar palpite: deve ser da igreja Santa Generosa... 

A observação mais importante essa senhora fez logo em seguida: a indiferença das pessoas à passagem da procissão. Não estou me referindo à questão da religiosidade e nem ela. Ninguém se voltou para observar a passagem do grupo tão incomum numa tarde de sexta-feira. Procissões já fizeram parte do cotidiano das cidades, que eram menores, tinham menos trânsito e as igrejas mais fiéis. Enfim, cheguei ao meu destino. (Foto:HA)

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

BOCAGE POR ELE MESMO

Lembranças. Em 2010, percorri Portugal na primavera. Em abril estive em Setúbal, cidade natal do poeta Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805). Foi outro português que a caminho das índias esbarrou no Brasil. Aconteceu em 1786. O poeta teve uma vida atribulada, resolveu trocar Portugal pelas Índias, passando pelo o Rio de Janeiro onde arranjou encrenca – gostou tanto que ele pretendia ficar, mas dedicou uns versos irreverentes ao Governador-Geral do Brasil, que não gostou, e o fez seguir caminho. Em outubro, Bocage desembarcou em Damão. Na parede azulejada de uma casa, fotografei esta homenagem ao ilustre filho de Setúbal. Neste soneto Bocage faz um autorretrato e parece que gostava muito de ser visto desta forma; entretanto, um anarquista anônimo, anotou sua irritação com as alterações feitas ao original. 

AUTORRETRATO

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
Inimigo de hipócritas e frades;


Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou... mais pachorrento*.

Bocage, in 'Rimas'.


*O poeta alterou ao último verso cuja rima original era ...  escatológica.