Lembranças. Em 2010, percorri Portugal na
primavera. Em abril estive em Setúbal, cidade natal do poeta Manuel Maria de
Barbosa du Bocage (1765-1805). Foi outro português que a caminho das índias
esbarrou no Brasil. Aconteceu em 1786. O poeta teve uma vida atribulada, resolveu
trocar Portugal pelas Índias, passando pelo o Rio de Janeiro onde arranjou
encrenca – gostou tanto que ele pretendia ficar, mas dedicou uns versos
irreverentes ao Governador-Geral do Brasil, que não gostou, e o fez seguir
caminho. Em outubro, Bocage desembarcou em Damão. Na parede azulejada de uma
casa, fotografei esta homenagem ao ilustre filho de Setúbal. Neste soneto Bocage
faz um autorretrato e parece que gostava muito de ser visto desta forma;
entretanto, um anarquista anônimo, anotou sua irritação com as alterações
feitas ao original.
AUTORRETRATO
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
Inimigo de hipócritas e frades;
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou... mais pachorrento*.
Bocage, in 'Rimas'.
*O poeta alterou ao último verso cuja rima original era ... escatológica.
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