segunda-feira, 31 de julho de 2023

OS AMIGOS URSOS

O mau comportamento humano em relação à natureza tem sérias consequências para outros seres vivos. A devastação das florestas, por exemplo, causa falta de comida para os animais que acabam se aproximando das áreas habitadas em busca de alimento. Por causa de um vídeo postado pela BBC News neste fim de semana, lembrei-me de alguns fatos que aconteceram décadas atrás.

Vi dois ou três programas de Oprah e não gostei. Em um deles, a convidada do programa contou que, ao surpreender um urso na cozinha, foi atacada por ele. A filha, que teve coragem suficiente para pegar carne na geladeira e lançar para o animal, a salvou. O urso satisfeito com o alimento foi embora. A mulher, levada às pressas para o hospital, passou por várias cirurgias plásticas reparadoras e, felizmente, se recuperara.

Comentei o fato com amigos e um deles contou-me que visitava um familiar nos Estados Unidos (não lembro o local) e uma noite, retornando para casa, o parente cochichou para ele apressar o passo. Por quê? Um urso vinha caminhando logo atrás deles, explicou entrando na rua transversal mais próxima. Um susto e tanto para o visitante!

Eu costumava assistir ao programa do jornalista americano David Letterman. Em uma dessas ocasiões, ele estava voltando de férias nas montanhas e foi logo narrando o susto que levou certa manhã ao acordar com um estrondo. Levantou para ver o que acontecera e viu um urso na sala. Como bom jornalista, foi buscar a máquina fotográfica para registrar a visita; entretanto, parece que o animal não encontrou nada apetitoso e logo foi embora, mas Letterman (cauteloso) fotografou da janela o urso saindo calmamente da cabana. Ele exibiu a foto do flagrante.

Tudo isso porque ontem a BBC News e SIC Notícias (Portugal) publicaram o vídeo de um urso que foi se refrescar na piscina de uma casa em Burbank, Califórnia (EUA). Estava muito feliz. A polícia local aproveitou para orientar a população sobre o que fazer se encontrar um urso por aí – o que não é o nosso problema. Aliás, o único urso que vi foi no Museu de Zoologia da USP, no Ipiranga.

 https://sicnoticias.pt/especiais/mundo-dos-animais/2023-07-29-Urso-filmado-a-refrescar-se-numa-piscina-na-California-e83043af





Zé Colmeia - personagem de Hanna-Barbera e o urso preto do Museu de Zoologia da USP (foto Hilda Araújo).




quarta-feira, 26 de julho de 2023

IMPULSOS

Entrei no trólebus para ir a Higienópolis, mas não consegui chegar até lá. Motivo banal, mas irritante. Motorista e cobrador jovens parecem ser amigos de longa data. O cobrador fala aos berros sem parar, conta uma história atrás da outra sobre o celular – compra, venda, programas, apepês e que tais. Tento ignorar. Acho que tem problema auditivo e por isso fala tão alto. É gentil com passageiros idosos, aconselha cuidado, e retoma a conversa; dá informações precisas a quem pergunta... Na praça da República, minha paciência se esgotou e, num impulso, desci. Na calçada, hesito. Pegar outro trólebus? Não. Resolvo tomar um café e lembro da padaria do Olivier, atravesso a rua e percebo que a praça está em polvorosa – funcionários da prefeitura varrem e esfregam o chão que brilha. Podaram as árvores, o gramado do jardim foi aparado – passarinhos saltitam por todo lado, aproveitando a comida farta que aparece nessas ocasiões em que insetos ficam sem proteção da vegetação. Os lagos estão limpos e as fontes funcionam.

            Sempre achei a República uma das praças mais bonitas da cidade. Até encontrei Baden Powell por lá – não o músico brasileiro que faleceu em 2000, mas o britânico, idealizador do movimento de escoteiros, morto em 1941. Triste mesmo foi constatar que roubaram a escultura do sabiá-laranjeira; entretanto, uma graciosa garça apareceu por lá, pousou numa mureta, olhou em torno e foi pousar numa plataforma, que transformou num palco e, ali, no meio de um dos lagos, arrepiou as penas, se coçou e se imobilizou, no melhor estilo estátua. Um senhor passa por mim e exclama “inacreditável!”.

            Há alguns moradores de rua, um sem juízo ronda aqui e ali envolto em seu cobertor “reizinho”, soltando palavras ao vento (aliás, tem muita gente com juízo por aí dizendo palavras ao vento). Hora de ir ao café, mas passo por uma banca de jornal (?) com vários livros em oferta. Nem precisei garimpar –um de Mário de Andrade me atrai de imediato. Compra feita, olho para o edifício Esther e vejo um OXXO onde deveria estar a padaria, que fechou em consequência da pandemia – o restaurante continua funcionando.

A vontade de tomar café passou e caminho até a avenida São Luís para tomar o ônibus. (Verbo tomar com sentidos tão diferentes!) Não espero muito e logo aparece o trólebus, mas assim que a porta se abre – surpresa! Lá está a mesma dupla da viagem até a praça. Quero crer que eles esgotaram o assunto nesse intervalo; porém, assim que os passageiros se acomodam e o veículo se movimenta, os dois prosseguem no bate-papo. Incrível o cobrador não ter perdido a voz. O jeito é tentar ignorar as histórias (agora o assunto são motos), manter os olhos na janela e achar algo interessante de passagem...

Foto: Hilda Araújo, julho/2023.







terça-feira, 25 de julho de 2023

O HOMEM INVISÍVEL

 


A cena urbana de uma vila na Idade Média é uma pequena mostra de que usos e costumes pouco mudam com o passar do tempo, apesar das inovações que surgem e vão sendo incorporadas pela sociedade. Outono ou primavera, quem sabe? Faz sol. Vê-se pelas sombras, mas pela nesga de céu observam-se nuvens atrás do prédio que ocupa o centro da pintura. O arauto a cavalo lê os proclamas para uma pequena plateia atenta, mas atrás dele a rua fervilha de gente. Um homem carrega suas mercadorias e observa com interesse a chegada de uma família – pai, mãe e filho – e talvez anteveja bons negócios. Do lado direito destaca-se o aguadeiro que também observa os recém-chegados. Gente importante? Quem sabe? Indiferente ao que acontece no entorno, uma mulher escolhe os alimentos acomodados nos cestos presos ao lombo do burrico, enquanto a verdureira se esforça para agradar. Do prédio à direita, onde há uma mulher na sacada, sai uma jovem atenta à vendedora. Pela mão leva a criança animada com o passeio. Três damas escolhem tecidos dispostos no parapeito de uma janela que funciona como vitrine, enquanto na casa ao fundo outras três conversam e fazem compras. No prédio do centro, nos terraços fechados com treliça, duas mulheres observam o movimento na praça. Abaixo da sacada, próximo da porta, o mendigo com uma perna de pau observa o movimento e atrás dele um porco e algumas galinhas se alimentam sob o olhar curioso de um vira-lata. Ainda há mais três ou quatro pessoas proseando sob a sacada.

O surpreendente na cena é a invisibilidade do ladrão falsificador preso ao pelourinho bem no centro da praça.

Hoje nas ruas temos os vendedores ambulantes; o burrico foi substituído por carros/ caminhonetes com som insuportável; homens e mulheres fazem compras com pressa, a prosa persiste, mas ameaçada cada vez mais pelos celulares. As janelas perderam o encanto, substituídas pela TV. Quanto ao arauto foi substituído pelos pregadores religiosos, por pessoas contratadas para ficar à porta de estabelecimentos comerciais com megafones atraindo fregueses em potencial...  O pelourinho sumiu, mas os invisíveis continuam ao nosso redor.

Encontrei a gravura sem crédito num texto antigo sobre Lisboa do século XIV, nem sei se a ilustração é da mesma época, mas me chamou atenção.

“Cena da vida quotidiana de uma cidade medieval, Fernão Lopes dá-nos uma descrição muito vívida da cidade de Lisboa no século XIV até 1369: ‘Esta cidade é uma grande estação das mais desvairadas gentes, assim locais como estrangeiros (...) Aragoneses, Franceses, Genoveses e Prazentins (de Piacenza, na Itália), Milaneses, Venezianos. Assim de Ingreses, da Flandres, da Dinamarca e da Livónia (Báltico), (...) assaz uma cidade muito bela, à beira do rio onde toda a indústria se pode encontrar’.” Crónica do rei D. Fernando, capítulo 16.

segunda-feira, 24 de julho de 2023

PRÍNCIPE DOS POETAS

“A cousa complicada que é uma cidade qualquer. A cousa complicadíssima que é uma grande cidade moderna.” Foi com este comentário genérico que, na quinta-feira, 14 de julho de 1927, que o poeta Guilherme de Almeida abriu sua primeira crônica no Diário Nacional, jornal que estava sendo lançado naquele dia, com respaldo do Partido Democrático em São Paulo. Guilherme de Almeida foi contratado para cuidar (imaginem só!) da seção de queixas e reclamações. Usava o pseudônimo de Urbano, não porque tivesse vergonha, a questão é que ele trabalhava no jornal O ESTADO de S. PAULO, onde escrevia crônicas sobre cinema. 

            Nem é preciso dizer que ele se saiu muito bem. Lendo as crônicas reunidas em um livro publicado pela Martins Fontes, imagino que muitos personagens ele inventava a partir de fatos corriqueiros que observava pela cidade – Guilherme de Almeida viajava de bonde. São crônicas bem humoradas, recheadas de galicismos (substituídos hoje por anglicismos) já que o francês era o idioma da moda.

Em 1961, a Livraria Martins Fontes homenageou o poeta. “Para marcar o tão significativo evento da nossa vida editorial, propositadamente escolhemos essa obra, a significar homenagem nossa ao autor, que ora completa vinte anos de editado, exclusivo na sua produção original.” O livro, que se chama RUA, reúne imagens da cidade em forma de versos, resultado de suas anotações – “Nem de repórter, nem de turista, estes flashes: apenas de transeunte”.

Guilherme de Almeida nasceu no dia 24 de julho de 1890 em Campinas e faleceu no dia 11 de julho de 1961 em São Paulo. Sofri para ler porque o livro é manuscrito e a letra de Guilherme de Almeida... Oh! Céus!




Rua Florêncio de Abreu. Foto: Hilda Araújo, abril de 2013.





RUA, de Guilherme de Almeida, com fotos de Eduardo Ayrosa. SP, 1961, Livraria Martins Editora.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

FÉRIAS!

 

"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações. Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida.” Bernardo Soares  um dos heterônimos de Fernando Pessoa e autor do "Livro do Desassossego". 



sábado, 15 de julho de 2023

MIRANTE DO VALE

 

O belo Viaduto Santa Ifigênia, o "buraco do Ademar". À direita, o prédio centenário do Correio e o CBI Esplanada (o primeiro arranha-céu do Vale, 1948) e o Teatro Municipal. À esquerda, edifícios  Martinelli e Matarazzo (prefeitura) com o jardim na cobertura. 


Quando li sobre a instalação do Sampa-Sky no edifício Mirante do Vale, no Anhangabaú, em agosto de 2021, fiquei curiosa. Em que consiste o brinquedo? Eu descreveria como um balcão todo de vidro, fechado como uma grande caixa a que se tem acesso pelo salão localizado no 42º andar. Quem sabe? Talvez vá até lá um dia. Uma amiga propôs a aventura e lá fomos nós pairar sobre a cidade. Dia maravilhoso – céu azul, temperatura de verão. O cenário é perfeito. Aliás, podemos observar duas paisagens diferentes – uma muralha de concreto a partir das duas plataformas – e outra menos atraente, porém, não menos interessante, visível apenas das janelas comuns. 

Três pessoas à nossa frente e um rapaz – que nos cedeu a vez, não porque fôssemos duas senhoras, mas para ganhar tempo e coragem já que dizia ter pavor de altura. Mesmo sem realmente flutuar a sensação é estonteante. Respiro fundo, peço ao funcionário que acompanha a visita que me dê a mão para pisar na primeira plataforma de vidro – tontura nunca tive, mas 150 metros de altura são novidade.

Admirando todos aqueles prédios não pude deixar de pensar em quantas histórias eles têm para contar...São Paulo tem mais de doze milhões de habitantes – e ali se agrupa apenas uma parte deles. Minha destemida amiga não se restringiu a poses convencionais: só não rolou, mas deitou-se sobre o Vale. O rapaz venceu o medo e aproveitou a aventura. Foi um ótimo passeio. E continua em casa onde se pode com calma tentar localizar ruas e prédios famosos da cidade.

Em tempo: li no site o comentário de alguém que reclamou do prédio velho. Acho que não entendeu que o edifício está situado no CENTRO HISTÓRICO.  O mirante do vale foi inaugurado em 1966 e até 2014 foi o maior arranha-céu do Brasil. Projeto de Waldomiro Zarzur (1922-2013) e Aron Kogan (1924-1961).

Edifício Mirante do Vale. Foto: Hilda Araújo.













Foto: equipe do Sampa-Sky.

Mirante do Vale: Praça Pedro Lessa, 22 – Vale do Anhangabaú. Estaçã
o de metrô mais próxima: São Bento, saída direto no Vale do Anhangabaú. O agendamento e os ingressos são feitos apenas pelo site do Sampa Kky. Os preços são diferenciados nos fins de semana. Após a visita, as pessoas podem aproveitar o belo panorama no café. Equipe muito atenciosa.

quinta-feira, 13 de julho de 2023

ARTE NO CAMINHO

Em São Paulo não há desculpa para não se apreciar arte porque é possível encontrar obras artísticas pelo caminho – em ruas, praças e no metrô. Basta erguer os olhos do celular. “A beleza também é uma função”, como Oscar Niemeyer afirmou.



"Mãe e filhos entre arranha-céus": Lasar Segall, 1929, em exibição na vitrine da estação Santa Cruz do Metro (SP).



Museu Lasar Segal: Rua Berta, 111, Vila Mariana. 

terça-feira, 11 de julho de 2023

O JEQUETIBÁ-ROSA

Nenhuma das pessoas a quem perguntei sabia onde era a rua Aspásia. A Sertãozinho desapareceu.

Ela parece perdida no meio daquela floresta de concreto e vidro, que lhe tirou o status de emergente, mas não conseguiu roubar-lhe a beleza, o porte altivo e a grandeza serena que, infelizmente, poucos observam ao passar com pressa de carro ou a pé pela Avenida Brigadeiro Faria Lima. Chama-se Cariniana legalis, mas é mais conhecida por jequitibá-rosa – árvore nativa brasileira e símbolo dos estados de São Paulo e Espírito Santo. Esse jequitibá-rosa foi plantado em 1959 por Irene Lewis, moradora da região, na esquina das ruas Aspásia com Sertãozinho, no Itaim-Bibi. Durante a implantação da Operação Urbana Faria Lima em 1995, o jequitibá-rosa só não foi ao chão por intervenção dos moradores que se mobilizaram a seu favor. Aliás, na ocasião, a Operação Urbana Faria Lima mobilizou ricos, pobres – por motivos bem diferentes, arquitetos e urbanistas – também por motivos diferentes. Os defensores da árvore venceram: o prefeito Paulo Maluf (1931) aprovou e o traçado da avenida foi refeito com um desvio para a construção do canteiro central em torno do jequitibá-rosa. Na ocasião, o arquiteto Júlio Neves, autor do projeto, afirmou que valia a pena a prefeitura gastar mais R$ 800 mil reais para salvar a árvore do corte.* O jequitibá-rosa já tem 64 anos e mais de 15 m de altura.

            A maior coleção de jequitibás conhecida está no Parque Estadual de Vassununga, em Santa Rita do Passa Quatro (SP), onde se encontram as duas maiores árvores de São Paulo: Patriarca, com cerca de seiscentos anos e 45m de altura e a Matriarca com 48m de altura. Ambos fazem parte da lista dos seres mais antigos do planeta.

*Fonte: Folha de S. Paulo, 14/01/1994.




CORDÃO DE POMBOS


Largo Ana Rosa, Vila Mariana (SP). Setembro, 2019.

Quando passo pelo largo, os pombos estão sempre por lá observando o movimento – muito interessados em localizar alimento – e me lembro de “Os pássaros” (1963), filme de Alfred Hitchcock, em que antes dos ataques à cidade as aves se alinham nos fios das ruas. Claro que Hitchcock não usou pombos, mas corvos, mais assustadores e quase sempre associados a mau agouro. (Nunca vi um corvo, exceto em fotos, filmes e desenhos do Faísca e Fumaça.) De pombos gosto muito. Esta foto foi tirada há bastante tempo, mas o ponto de reunião está quase sempre lotado – uns cuidam da higiene, outros parecem morgar; os curiosos observam os vizinhos – indiscretos ou flertando? Há até o adepto do velho provérbio “antes só do que mal acompanhado” e observa os semelhantes de uma luminária. Ou talvez só aguarde um espaço para se juntar ao bando. 

Recentemente, li um livro sobre urbanismo em que o autor faz uma comparação curiosa entre humanos e essas aves. De acordo com ele as pessoas que procuram um banco ou lugar para se sentar deixam um espaço entre si, sem interferir na individualidade do outro. 

https://www.youtube.com/watch?v=zv6JRpSSZB0


"Os pássaros", um clássico! 

terça-feira, 4 de julho de 2023

PORTAS

 

“A porta da casa se abre, deixa-se a privacidade do palco familiar e sai-se para a vida coletiva. Da mais completa identificação de personagens e papéis, passa-se para o anonimato da massa humana da qual, de quando em vez, destacar-se-á esta ou aquela pessoa para adquirir identidade e ser significativa em nossa vida cotidiana. De modo análogo, os objetos e signos constituem elementos de um estoque cenográfico, os quais podem, associados ou isolados, adquirir um papel significativo e constituir o nosso cenário urbano da vida cotidiana. /Que rua é esta a estender-se qual um tapete na frente da porta de cada casa?” Arquiteto e urbanista Jorge Wilheim (1928-2014).


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU/ USP, rua Maranhão, 88.
Vila Penteado, antiga residência de Álvares Penteado, fazendeiro, industrial e comerciante.



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Vila Maria Zélia, Belenzinho.
Fotos: Hilda Araújo.