A
cena urbana de uma vila na Idade Média é uma pequena mostra de que usos e
costumes pouco mudam com o passar do tempo, apesar das inovações que surgem e
vão sendo incorporadas pela sociedade. Outono ou primavera, quem sabe? Faz sol.
Vê-se pelas sombras, mas pela nesga de céu observam-se nuvens atrás do prédio
que ocupa o centro da pintura. O arauto a cavalo lê os proclamas para uma
pequena plateia atenta, mas atrás dele a rua fervilha de gente. Um homem carrega suas mercadorias e observa
com interesse a chegada de uma família – pai, mãe e filho – e talvez anteveja
bons negócios. Do lado direito destaca-se o aguadeiro que também observa os
recém-chegados. Gente importante? Quem sabe? Indiferente ao que acontece no
entorno, uma mulher escolhe os alimentos acomodados nos cestos presos ao lombo
do burrico, enquanto a verdureira se esforça para agradar. Do prédio à direita,
onde há uma mulher na sacada, sai uma jovem atenta à vendedora. Pela mão leva
a criança animada com o passeio. Três damas escolhem tecidos dispostos no
parapeito de uma janela que funciona como vitrine, enquanto na casa ao fundo
outras três conversam e fazem compras. No prédio do centro, nos terraços
fechados com treliça, duas mulheres observam o movimento na praça. Abaixo da
sacada, próximo da porta, o mendigo com uma perna de pau observa o movimento e
atrás dele um porco e algumas galinhas se alimentam sob o olhar curioso de um
vira-lata. Ainda há mais três ou quatro pessoas proseando sob a sacada.
O
surpreendente na cena é a invisibilidade do ladrão falsificador preso ao
pelourinho bem no centro da praça.
Hoje
nas ruas temos os vendedores ambulantes; o burrico foi substituído por carros/
caminhonetes com som insuportável; homens e mulheres fazem compras com pressa, a
prosa persiste, mas ameaçada cada vez mais pelos celulares. As janelas perderam
o encanto, substituídas pela TV. Quanto ao arauto foi substituído pelos
pregadores religiosos, por pessoas contratadas para ficar à porta de estabelecimentos
comerciais com megafones atraindo fregueses em potencial... O pelourinho sumiu, mas os invisíveis
continuam ao nosso redor.
Encontrei
a gravura sem crédito num texto antigo sobre Lisboa do século XIV, nem sei se a ilustração
é da mesma época, mas me chamou atenção.
“Cena
da vida quotidiana de uma cidade medieval, Fernão Lopes dá-nos uma descrição
muito vívida da cidade de Lisboa no século XIV até 1369: ‘Esta cidade é uma
grande estação das mais desvairadas gentes, assim locais como estrangeiros
(...) Aragoneses, Franceses, Genoveses e Prazentins (de Piacenza, na Itália),
Milaneses, Venezianos. Assim de Ingreses, da Flandres, da Dinamarca e da
Livónia (Báltico), (...) assaz uma cidade muito bela, à beira do rio onde toda
a indústria se pode encontrar’.” Crónica do rei D. Fernando, capítulo 16.
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