terça-feira, 30 de agosto de 2016




QUANTAS vezes a memória
Para fingir que inda é gente,
Nos conta uma grande história
Em que ninguém está presente.


(Quadras ao gosto popular. Fernando Pessoa.)
Foto: Baú dos tempos do Morgado de Mateus, Arquivo do Estado de São Paulo.
À PROCURA DO "LEAD". 

Um dia descobri que existia um curso de jornalismo, que minha vizinha Maria Inês fazia. Ela me deu as informações e gostei muito do que ouvi. O passo seguinte foi informar a família, que torceu solenemente o nariz, mas democraticamente  ninguém se opôs. O vestibular para o curso de Jornalismo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santos, origem da Faculdade de Comunicações de Santos, não foi difícil embora todas as provas fossem dissertativas. Perguntas não se respondiam com um simples xis. Os aprovados naquele distante ano de 1967 acabaram formando um grupo que, com poucas exceções, se dedicou ao jornalismo e, mais importante, formou fortes laços de amizade.
A Escola de Jornalismo da FAFIS, instalada em 1955, foi uma das primeiras do Brasil. O curso agregava Publicidade, Propaganda e Relações Públicas. Os alunos aprendiam taquigrafia e até retórica. Com o reconhecimento da profissão a partir de 1969 e a exigência do diploma de jornalista, a Sociedade Visconde de São Leopoldo obteve, em 12 de dezembro de 1970, autorização para transformá-lo na Faculdade de Comunicação de Santos. Nessa época, foi criado o jornal Entrevista, que já recebeu o Prêmio Parker, como sendo o melhor jornal laboratório do País (1975 e 1976).

A FAFIS funcionava na Rua Euclides da Cunha, 247, onde Francisco Loureiro, dono de uma grande área na Pompeia, mandou construir uma casa em estilo eclético para presentear a filha que se casou na década de 1930 com um comissário de café. O casarão em estilo eclético sofreu várias alterações no interior ao longo dos anos, perdendo inclusive o banheiro em estilo europeu, mas felizmente as pinturas nas paredes do primeiro andar foram preservadas. (Francisco Loureiro também doou o terreno para a construção no bairro da Igreja Nossa Senhora da Pompeia, no final da década de 1920.) No porão da casa, funcionavam os centros acadêmicos. O de Jornalismo chamava-se Jacson de Figueiredo, homenagem ao educador, porém, mais tarde o nome foi mudado para Júlio de Mesquita Filho. Foi ali também que se instalou a Redação Modelo, onde praticávamos os ensinamentos recebidos nas aulas. Em 1967 a Fundação São Leopoldo já construíra na parte dos fundos um prédio (caixotão) para atender às necessidades crescentes da instituição.
Aprendemos bastante num período difícil, mas sem perder as perspectivas de um futuro melhor. Na área técnica, devemos muito a Juarez Baía, Eron Brum, Carlos Conde, Paulo Sérgio Freddi, Clara Conde e Ouydes Fonseca que nos ensinaram o caminho do jornalismo sem ranço. Foram fundamentais as aulas de José de Sá Porto (ah! quanta erudição!) e de Monsenhor Manuel Pestana, uma biblioteca ambulante. A ala cultural era formada pelos jovens Rubens Edwald Filho, já douto em cinema, e Carlos Alberto Sofredini, iniciando no teatro.
Santos, 26 de março de 1971.


Em meados dos anos de 1970, a FACOS mudou para as dependências do Colégio Santista, na Rua Sete de Setembro, enquanto era construído o prédio da Rua Euclides da Cunha, 264 onde se instalou em 1982. Faculdade de Filosofia (Jornalismo, Pedagogia, Letras Neoclássicas e Anglo-Germânicas). Em 2007 quando foi vendido o terreno da velha FAFIS, ex-alunos voltaram para um reencontro de despedida de um local cheio de magia como são todos os lugares onde se passa a juventude movida por ideais que às vezes se concretizam e outras tantas escapam. O casarão foi preservado e enfeita o condomínio que se ergue sobre nossas lembranças.
F
O casarão e o condomínio. Foto do site da Gafisa. 


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

SAUDADES DO CANADÁ

O Instituto de Educação Canadá, criado em 11 de agosto de 1934 por decreto do Governador Armando de Salles Oliveira, foi referência no ensino público da Baixada Santista. A instituição foi uma reivindicação de exportadores de café. Eles pretendiam que o governo instalasse na cidade um curso ginasial (5.ª a 8.ª séries), pois naquela época, Santos possuía somente grupos escolares e o Gymnásio Santista José Bonifácio. No começo, a escola funcionou no térreo do Grupo Escolar Cesário Bastos e, depois, foi transferida para a Avenida Ana Costa. Somente em 1935 instalou-se no prédio erguido pela Prefeitura, no terreno da Rua Mato Grosso, doado pela Companhia City, e assumido pelo Estado. O nome Canadá foi uma homenagem à Cia. City, que era canadense. Há alguns anos passou a ser administrado pela Prefeitura de Santos.
               Com o diploma do ginásio na mão, fui para o Instituto de Educação Canadá, não antes de ganhar um ano sabático porque estava muito magrinha. (Minha avó tinha dessas coisas.). Nada dramático. Aproveitai muito bem a folga. Devorava livros de todos os tipos, de preferência na rede, saboreando as frutas da estação. Mas estudei também porque as vagas no Canadá eram disputadíssimas em um exame de seleção. Passei e me matriculei no Clássico –curso  destinado à área de humanas. Pela primeira vez ia estudar longe de casa e à noite. Eu pegava o bonde 32 na Avenida Conselheiro Nébias e descia na esquina da Rua Mato Grosso.
               À noite havia estudantes de todas as idades, a maioria trabalhava e muitos já eram casados. Eu fazia parte do pequeno grupo que era dono de seu tempo.  Na minha classe havia 39 mulheres e um homem (Fernando). Em compensação, na sala da frente ficava o pessoal do Cientifico – quase somente rapazes. Eram desse tempo Tomás de Aquino e César Augusto Fragata. Anos depois trabalhei com ambos no jornal CIDADE DE SANTOS.
               O diretor do Colégio era Edésio Del Santoro, que à noite era substituído pelo professor Walter – infelizmente não lembro do sobrenome. O corpo docente era variado: Dona Iolanda, que de vez em quando dava aulas de inglês; Padre Américo Soares ensinava Literatura Portuguesa e com ele aprendi a saborear os textos de Vieira. Havia Gilda Pimentel Tavares (Português) que reencontrei recentemente no Facebook, Helena (Francês), Zilda (Psicologia) e Ada cujos cabelos louros esverdeados desviavam a atenção dos alunos das aulas de Filosofia.
               Os vilões eram Antonio Esmanhoto, que ensinava Latim, e Avelino da Paz Vieira, dono da cadeira de História  – que até poderia ser um bom médico, mas era péssimo professor. Esmanhoto tinha sérios problemas pessoais, mas era dedicado e dava seu recado. Ótimo pianista. Lá estava também o professor Itagiba, tentando abrir nossas mentes com suas aulas (brilhantes) de Filosofia.

               Trinta dias após o início das aulas aconteceu um fato que mudou a vida do País radicalmente: o golpe militar de 1º de abril. Mas naquela época, depois de um recesso escolar, retornamos às aulas imaginando que as coisas voltariam ao normal em breve. Ledo engano. Publicado originalmente em 19/4/ 2009.
Clássico noturno de 1964. No fundo à direita, Avelino Vieira.

Instituto de Educação Canadá.



domingo, 28 de agosto de 2016

ERA UMA VEZ...

O Liceu Feminino Santista foi a primeira escola secundária feminina de Santos. A instituição foi criada em 5 de agosto de 1902 graças à iniciativa da educadora Eunice Caldas. Os estatutos foram aprovados em Assembleia Geral da Associação Feminina Santista realizada em 7 de junho de 1903. Antes de inaugurar o prédio próprio, na Rua da Constituição, 321, o Liceu Feminino funcionou nas instalações do Grupo Escolar Auxiliadora da Instrução e da Sociedade União Operária. O poeta Vicente de Carvalho escreveu a letra para o hino oficial da escola – “Hino às Mães”. Com o encerramento da Associação em 1977, o patrimônio foi transferido para a Mitra Diocesana, que entregou à Sociedade Visconde de São Leopoldo a direção e manutenção do colégio, agora com a denominação de Liceu Santista.
O Liceu era uma extensão da minha casa: educação e moral rígidas. Um muro de quase 5 metros protegia as meninas – especialmente dos meninos do Colégio Santista. Eu me interessava pelos garotos, mas jamais a ponto de escalar as paredes para ver uma carinha bonita. Preferia mesmo ir para casa, fazer os deveres enquanto ouvia rádio e depois ler na rede da área, comendo maçã verde.
Entrei no Liceu Feminino Santista em 1957 para fazer o 5º ano. Era uma espécie de preparatório para o Ginásio (no meu caso pura perda de tempo). A diretora do curso primário era Dona Zina de Castro Bicudo, uma senhora de cabelos brancos e voz suave que jamais se alterava. A primeira providência foi me encaminhar para um curso de religião para fazer a primeira comunhão, que se realizou alguns meses depois na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, bem em frente do colégio.
Devidamente catequizada e preparada para o ginásio, comecei a primeira série em 1958, apogeu das irmãs Brites e Delta de Azevedo – respectivamente diretora e secretária do Liceu. A única semelhança entre Dona Zina e Dona Brites eram os cabelos brancos – que a primeira usava em um coque e a segunda, esvoaçantes. Dona Brites estava sempre de preto e quando ficava nervosa – o que ocorria frequentemente – ela arrumava o cós da saia com as mãos.   
Na porta de acesso ao prédio, ela observava as suas ovelhinhas para ver se todas estavam limpas, com uniforme completo e – especialmente – se usavam combinação, como mandava o figurino e a decência. O posto de Cérbero era dividido com Dona Delta cujo corpo, com o passar dos anos, curiosamente começava a combinar com o nome dela. As cores preferidas eram o preto, branco e cinza – como os cabelos, que ela usava preso. Não me lembro de tê-la visto sorrindo.
E assim nos anos seguintes tive como mestres: Anne Marie Louise (Francês e Matemática), Ligia Fava Fonseca (Latim e Português), e Arina (Desenho), Maria de Lourdes Delgado (Desenho e Artes), Dona Zulmira (Português), Dona Laurentina (História), Dona Olga Melchert (Geografia), Rosinha Viegas e Rosa Lima (Educação Física), Dona Terezinha (Inglês), Dona Clélia (Matemática), Dr. Nicanor Ortiz (Português), Oraida do Amaral (Música), Maestro José Vetro (Música) e Vital (Ciências) e alguns poucos de que me esqueci completamente, mas que devem ter contribuído de alguma forma para minorar minha ignorância.

Dona Ligia Fava Fonseca era minha professora preferida. A de que menos gostava, Anne Marie Louise. Dona de olhos azuis perfurantes ensinava francês muito bem, mas fez da matemática algo torturante, especialmente pelo humor irônico com que feria aqueles que não entendiam suas aulas. Dona Zulmira lecionava Português e costumava dizer que seus olhos batiam no erro e a gente acreditava direitinho. Dona Clélia era a professora mais bonita do Liceu. Explorava sua semelhança com a Sofia Loren usando roupas que realçavam as formas arredondadas como a coleção de banlon (malha de fio sintético) que desfilava nos dias frios.


Fachada do Liceu. Foto provavelmente dos anos 1950.

Desfile de Sete de Setembro. Anos 1960,

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

ESCOLA PORTUGUESA

Quando completei sete anos, minha avó levou- me para visitar e escolher entre as três escolas boas cujas mensalidades eram acessíveis ao bolso da família: Escola Portuguesa, Liceu Feminino Santista e Colégio Coração de Maria. Eu nem quis conhecer o colégio das freiras; o Liceu era muito sério, com muros altos. Escolhi a Escola Portuguesa que lembrava uma residência e tinha portões prateados, que se abriam para um jardim cheio de flores coloridas, com um imenso galpão nos fundos.
               Se alguém acha que foi uma temeridade da avó Maria deixar por minha conta a escolha, engana-se. Acho até que as mensalidades eram mais acessíveis, sem contar que ficava mais perto de casa coisinha pouca. Na Escola Portuguesa, chegávamos cedo, cantávamos o Hino Nacional e o Hino Português; aprendemos história de Portugal e ficamos familiarizados desde cedo com Camões e com a história lusitana, íntimos até do trágico amor de Inês de Castro, a que foi rainha depois de morta.
               Os diretores eram D. Mercedes e seu Antonio Tavares. As primeiras professoras foram Dona Branca e D. Eurídice que, nas fotos guardadas todos esses anos, mantêm todo o frescor da juventude. Entre a garotada lembro-me de Almir, Jaime, Joaquim, Inês, Mavetse, Dilma, Regina, Vitória, Maria Helena... Da maioria, entretanto, não guardei o nome.
               A escola era mista, mas na hora do recreio, meninos ficavam de um lado e as meninas do outro. Nas festas juninas, vestíamos as fantasias para dançar quadrilha e pular fogueiras de “mentirinha”; no fim do ano, íamos para o palco que havia no fundo da quadra para apresentações que as professoras organizavam com muito carinho.
               Em uma dessas festas eu dancei toda vestida de branco – era um vestido de organdi, muito armado – e levava uma cesta de flores. Não tenho a mais remota ideia da música que meu grupo apresentou. Acho que era uma valsa, entretanto, jamais me esqueci das duas crianças que deram um show interpretando Boneca de Piche, samba de Ary Barroso e Luiz Iglesias. Adorei.
               Graças à Internet e às comunidades, reencontrei Dilma – uma avó orgulhosa dos netos, assim como descobri que o amigo José Carlos estudou por lá, um pouco antes de mim.
               Quanto à Escola Portuguesa (Rua Sete de Setembro) continua viva, funcionando no mesmo prédio, mas passou para a Prefeitura de Santos. (Publicado em 28/02/2009)


Só recentemente soube, que a apresentação aconteceu
na formatura do primário. (Foto cedida por Dilma.)

sábado, 20 de agosto de 2016

PROGRAMA PARA A GAROTADA

Na minha caminhada de ontem pela Vila Mariana, descobri que o Instituto Biológico tem um museu que funciona em uma linda casa situada no meio do que, no meu tempo de criança, chamávamos quintal. Se eu não fosse distraída, teria seguido meu caminho, mas...
Ao entrar deparei com uma pista de corrida inusitada, que procurei ignorar embora tenha percebido que estava no paraíso dos insetos: borboletas (que abomino), cupins (lembrei ter visto na USP em uma exposição quadros feitos com cocô de cupim!), bichos da seda (operários primorosos), formigas (sempre inconvenientes) entre muitos outros. Os insetos constituem a metade dos seres vivos existentes e, somente as formigas, 15% de seu peso!
Parece, contudo, que as baratas (nojentas) têm uma preferência na mostra, talvez porque haja 200 baratas por habitante na Grande São Paulo, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Biológicas. Felizmente a minha cota deve estar com outra pessoa. E, acreditem, cientistas americanos calcularam que, se a barata tivesse o tamanho de um homem (ninguém merece), deixaria Usain Bolt no chinelo, pois poderiam atingir uma velocidade de 320 km/h!!!
Quase saí correndo quando um monitor começou os preparativos para uma corrida de baratas, mas para não perder a dignidade apenas apressei o passo ainda a tempo de ouvir um senhor gaiato perguntar se havia alguma barata preferida (para medalha?). A criançada na faixa dos seis anos de idade mostrava-se animada.
As abelhas sem ferrão não se misturam. O apiário fica na parte externa, mas estavam todas fora trabalhando.
Eu detesto insetos em geral, embora reconheça que são essenciais para o equilíbrio da vida na Terra e fico bem satisfeita por saber que há quem se preocupe com eles.

“Planeta Inseto” é o tema da ótima exposição do Museu do Instituto Biológico, situado na Avenida Dr. Dante Pazzanese, 64 – Vila Mariana. Aberto de terça a domingo, das 9h às 16h. Telefone: 11-2613-9500. Entrada franca. 


 


sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A VALISE MEXICANA

Hoje é o Dia Mundial da Fotografia. Oportunidade para lembrar que a Caixa Cultural (Praça da Sé) está com uma exposição fotográfica imperdível. “A Valise Mexicana” reúne fotografias da Guerra Civil Espanhola (17/07/1936-01/04/1939) feitas por Robert Capa (húngaro), Gerda Taro (alemã) e David Seymour, o Chim (polonês). 
Uma ótima oportunidade para a geração da foto digital saber como funcionava o sistema de cópia por contato, que nos permite observar o processo de trabalho dos fotógrafos em campo.
Os três repórteres morreram no exercício da profissão. Gerda morreu atropelada por um tanque em 26 de julho de 1937; Capa foi morto por uma mina terrestre na Indochina em 1954 e Chim no Egito em 1956, metralhado enquanto cobria o armistício da Guerra de Suez. Capa e Chim, junto com o francês Henri Cartier-Bresson, foram os fundadores da famosa Agência Magnum de fotografia em 1947.



Robert Capa (1913-1954)

Gerda Taro (1910-1937)
Chim (1911-1956) 
         

HISTÓRIA DO MAUÁ

O navio Schnectady começou a ser construído em maio de 1918, no estaleiro de Hog Island, na Filadélfia, Pensilvânia (EUA), e fazia parte do programa experimental americano, iniciado no ano anterior, para padronizar a construção de navios, como parte do esforço de guerra (1914-1918). O estaleiro funcionou até 1922 e nesse período foram construídos 122 navios Classe EFC 1022 A – especialmente cargueiros e alguns para transporte de tropas – todos conhecidos como Hog Islanders.
         O Schnectady  foi registrado no porto de New York e entregue ao armador, Moore McCormack Lines. O navio (casco nº 511) tinha 121 m de comprimento, pesava 7.825 toneladas; possuía uma turbina a vapor e desenvolvia velocidade de 12 nós (22 km). Quando fazia a rota da costa leste para o Báltico e Escandinávia, o armador detectou uma crescente demanda de passageiros. Assim, o navio foi reformado e em 1932 ganhou onze cabines e um salão de jantar para passageiros com ar condicionado, algo inédito na época, e um novo nome Scanyork
No final da década de trinta, a forte pressão para atrair o Brasil para a área de influência dos Estados Unidos culminou com uma série de oportunidades de compras de bens americanos pelo governo brasileiro. Em novembro de 1939, já em plena II Guerra, o Lloyd Brasileiro comprou um lote de navios da Classe EFC 1022 – entre os quais se encontrava o Scanyork – pelo valor total de USD 3.5  milhões (valor da época). O Scanyork deixou o porto de Nova York sob comando brasileiro e, somente quando chegou ao Rio de Janeiro em dezembro, teve o nome alterado para MAUÁ em homenagem ao barão, ganhou prefixo PUAX e passou a ter bandeira brasileira.
            A rota do MAUÁ era longa. Ele partia do porto de Santos com destino ao Norte, parando nos principais portos para carga e descarga, embarque e desembarque de passageiros. Em 1943, um anúncio do Lloyd no jornal A TRIBUNA, de Santos, dá uma ideia do trajeto do navio a partir do porto santista: Rio, Vitória, Baia (sic), Maceió, Recife, Cabedelo, Natal, Areia Branca, Fortaleza, São Luís, Belém, Santarém, Óbidos, Itacoatiara e Manaus. Em 1950, o bom e velho navio fazia o mesmo percurso.
                Qual a importância do MAUÁ? Para mim e para meu amigo Cláudio muito grande. Em 1950 minha avó Maria Luiza, viúva, filhos criados e avó de três netos (sendo eu a mais recente), resolveu que era tempo de ir tratar de negócios inacabados da história pessoal dela em Manaus. Assim, ela arrumou a enorme mala marrom tipo baú e embarcou no MAUÁ com destino a Manaus.
         A viagem deve ter durado uma eternidade, mas ela aproveitou cada parada tanto na ida como na volta para conhecer as cidades da escala. Ficou alguns meses fora, fez grandes amizades e, principalmente, soube de coisas da política econômica do Brasil que muitos anos depois (quando eu já era adulta) a imprensa deu como novidade para minha grande surpresa.
         No retorno, minha avó conheceu um jovem casal que vinha começar a vida em Santos. Ali, começou a amizade que se consolidou ao longo dos anos. Alguns anos mais tarde nasceu o primeiro e único filho do casal, hoje um simpático senhor de 64 anos em plena atividade.
         Ah! O MAUÁ foi aposentado em  1967, quando o velho navio misto foi vendido para desmanche (sucata) para a Companhia Siderúrgica Nacional. Hog Island também não existe mais. Um aterro juntou a ilha ao continente e na área criada funciona o aeroporto municipal da Filadélfia. O Lloyd Brasileiro Patrimônio Nacional foi extinto em 1997 após quase 93 anos de atividade.  
MAUÁ: ainda uma embarcação a vapor.




Minha avó Maria a bordo do MAUÁ em 1950. 

terça-feira, 16 de agosto de 2016

VELHICE NO CINEMA
Idosos sempre renderam boas histórias no cinema. Um bom exemplo é a comédia “Este mundo é um manicômio”, com Cary Grant, dirigido por Frank Capra em 1944. Trata-se de um crítico teatral (Grant) que visita as velhas tias na véspera do casamento e descobre os estranhos hábitos dos parentes nada inofensivos. Em 1955, a atriz britânica Katie Jonhson (1878-1957) protagonizou uma velhinha ingênua, atenciosa e distraída que, sem ter menor noção do que ocorre ao redor, acaba com os planos de uma quadrilha para roubar um banco e ainda se dá bem. O filme é “Matadores de Velhinhas”, dirigido por Alexander Mackendrick e com Alec Guiness e Peter Lorre. Muito melhor que a refilmagem de 2004.

Quando a velhice chega e tudo parece sem esperança, Grace Quigley resolve apressar as coisas, contratando um assassino de aluguel, mas o contratado e a cliente acabam formando uma dupla de morte.  O filme de 1984 é “Grace Quigley – Um jogo de Vida e Morte”, dirigido por Anthony Harvey. No elenco estão Katharine Hepburn sempre elegante e Nick Nolte estressado como de costume. Quem não se lembra de “Conduzindo Miss Daisy” (1989), com Morgan Freeman e Jessica Tandy e direção de Bruce Beresford
Mais recentes e ótimos são “O Exótico Hotel Marigold” (2011, direção de John Madden) e “E se vivêssemos todos juntos?” (2012, direção de Stéphane Robelin). Gostei mais do filme de John Madden, que trata de pessoas que enfrentam a velhice com coragem e determinação e saem em busca de um recomeço. O filme de Stéphane Robelin, que tem Jane Fonda no elenco, mostra de forma muito delicada um grupo de amigos enfrentando juntos dois tipos de morte – a física e a mental. Nas duas histórias  os jovens têm um papel importante.  “O Quarteto” (2013, direção de Dustin Hoffman) vale pelas paisagens e pela música.
Há outros filmes muito bons como “Almoço em Agosto” (2009, direção de Gianni Di Gregorio). O argentino “Elza e Fred” (2005), dirigido por Marcos Carnevale. O cinema brasileiro tem Chuvas de Verão (1978), de Cacá Diegues, com inesquecível interpretação de Jofre Soares. Na linha de documentário, em 1999, Win Wenders fez um belíssimo trabalho com o seu “Buena Vista Social Club” sobre a história de um grupo de grandes artistas cubanos dos anos 1950, que viveram por muito tempo no ostracismo. É emocionante sob todos os aspectos. 
“Ginger e Fred” (1986), de Federico Fellini, é o meu preferido. Marcello Mastroianni (1924-1996) tem como sempre em interpretação maravilhosa. É de Fellini também “Entrevista” (1987), em que Mastroianni reencontra Anita Eckberg (1931-2015) vinte e sete anos depois de “La Dolce Vita”. Não é à toa que ela chora quando vê a projeção do filme. Na ocasião, ela já estava com 56 anos e ele com 63 e ainda muito bonitos.
         
Marcello Mastroianni e Giulietta Masina como Fred e Ginger.
 



domingo, 14 de agosto de 2016

OS AROS COLORIDOS

No final dos anos 1950, crianças e adultos do mundo se sacudiam loucamente para manter uma ou várias argolas girando em torno do corpo! O brinquedo, que se tornou uma febre, não tinha nada de novo. Os egípcios há mais de três mil anos já conheciam o bambolê, que faziam com fios secos de parreira. Os gregos na Antiguidade também adotavam o brinquedo visto em alguns desenhos em cerâmica.
A tradição não desapareceu, pois em meados do século passado estudantes australianos se divertiam girando na cintura os aros (agora de bambu). Os norte-americanos Arthur Melin e Richard Knerr viram a brincadeira e enxergaram uma oportunidade de fazer um bom negócio. Não se enganaram. Em 1958 produziram as argolas em plástico colorido, batizaram de hula hoop e puseram à venda. Em quatro meses venderam 25 milhões de unidades! No Brasil, o hula foi lançado pela Estrela que lhe deu o nome de bambolê (bambolear). Um sucesso total.
O jornalista Alberto Villas, nos seus tempos no Colégio Dom Silvério, participou de um concurso de twist com um bambolê vermelho: “Baixou alguma coisa em mim, que nao conseguia mais largar aquele bambolê.” Fez todos os malabarismos possíveis, rodando o bambolê na cintura, nos braços, nas pernas e até pescoço. Foi aplaudido de pé. Ele conta o feito em “O Mundo acabou!”(São Paulo: Globo, 2006)”, seu delicioso livro de memórias organizado a partir de produtos que fizeram parte de sua vida e de toda uma geração.
Quanto ao bambolê, atualmente, é indicado para adultos que querem perder peso e afinar cinturas. Parece até que existe o Dia Mundial do Bambolê.



sábado, 13 de agosto de 2016

DIGA, ESPELHO MEU...



Berthe Morisot (1841-1895)).



Richard E. Miller (1841-1895).


Thomas Anshutz (1851-1912). 

sexta-feira, 12 de agosto de 2016


BRINQUEDINHO DIVERTIDO

Os jogos eletrônicos são um sucesso. A tecnologia é fascinante. Especialmente, quando voltada para o bem-estar das populações. Há, entretanto, um viés de caráter duvidoso. Milhões de pessoas enfiam o nariz nos seus gadgets e nem percebem o mundo ao redor. Uma pena! A realidade é sempre mais emocionante do que o mundo digital.
O mundo gira, mas pouca coisa muda. Na era pré-digital a pauliceia desvairada parou para assistir à disputa da final de um Campeonato Paulista de Yo-Yô, promovido pelo jornal Folha da Manhã (avô da Folha de S. Paulo). A competição teve mais de cem inscritos e a organização teve que prolongar o evento, que terminou no dia 27 de agosto de 1933 na Praça da Sé. Uma multidão aplaudiu os finalistas que tiveram até torcida. O vencedor foi Jacy Lage – primeiro campeão da modalidade no país.
Pintura grega em cerâmica.

O ioiô havia desembarcado no Brasil em 1930, na bagagem dos filipinos Regal Concepción e Joe Radulan, campeões mundiais do jogo. Virou mania nacional. O ioiô é tão velho quanto o mundo – era praticado pelos chineses, gregos (500 a.C.) e chegaram à Europa no final da Idade Média. Por essa época era praticado nas Filipinas. Em 1920 foi introduzido nos Estados Unidos pelo filipino Pedro Flores e rapidamente se popularizou. O milionário norte-americano Donald Duncan comprou a patente (sic) e o ioiô tornou-se o brinquedo mais lucrativo da história, segundo o professor da UNICENTRO Hélvio Alexandre Mariano; entretanto o caso foi para os tribunais e o ioiô, felizmente, voltou para o domínio público.
No Brasil, voltou à moda nos anos 1980, quando um refrigerante que trocava tampinhas da marca por um ioiô. Daniel Borges é o atual campeão brasileiro da modalidade. E viva o ioiô!

 




(Fonte: Revista de História da Fundação Biblioteca Nacional, julho, 2007)



terça-feira, 9 de agosto de 2016

Doce pássaro da juventude. 


Rio 2016. Flavia Saraiva. Foto: AP: Rebecca Blackwell.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

UMA JOIA NA LIBERDADE
(Casas paulistanas)

Felisberto Ranzini (1881-1976) nasceu em San Benedetto Po, comuna italiana da Lombardia, província de Mântua. Era criança quando a família imigrou para o Brasil, estabelecendo-se em São Paulo. Ranzini estudou no Liceu Coração de Jesus e no Liceu de Artes e Ofícios. Quando se formou foi trabalhar no escritório de Ramos de Azevedo (1851-1928), onde permaneceu por quarenta anos.  A partir de 1920 tornou-se responsável pelas grandes obras do escritório como o Palácio da Justiça e o Mercado Municipal.
Em 1922, Ranzini comprou um terreno na Rua Santa Luzia por quinze contos, setecentos e cinquenta mil réis para construir a casa em estilo florentino que projetou para a família. O imóvel tem dois pavimentos e portão habitável. No térreo, encontram-se a sala de visitas e a sala de jantar, ligada por um corredor ao escritório do arquiteto, lavabo e à copa e à cozinha. Na copa, uma escadaria dá acesso ao porão onde se encontram o laboratório fotográfico, a adega, dois depósitos. O acesso ao primeiro andar é pelo hall. Uma antecâmera conduz ao terraço coberto, ao dormitório da frente e ao quarto do casal; outro corredor leva a um quarto, ao banheiro e a um terraço descoberto. A garagem foi construída posteriormente (1926).
Na casa de estilo florentino do bairro da Liberdade, viveram três gerações da família Ranzini. O imóvel em excelente estado de conservação foi vendido em 2006, passou por restauro em 2007 e abriga “uma associação informal de amigos, sem fins lucrativos, com a missão de preservar, estudar e divulgar o patrimônio histórico, artístico e arquitetônico da cidade de São Paulo”.  No último fim de semana de agosto, acontecerá o vento “Casa Ranzini na Jornada do Patrimônio”, com lançamento de livro, palestras e exposições. (Foto: H. Araújo, 2016)
Casa Ranzini: Rua Santa Luzia, 31 – Liberdade. 




domingo, 7 de agosto de 2016

VIVA A PETECA

A cidade do Rio de Janeiro se empetecou toda por causa da realização dos jogos olímpicos, mas infelizmente nenhuma disputa extraoficial de peteca está prevista na programação da cidade maravilhosa. Uma pena. O esporte genuinamente brasileiro, praticado pelos silvícolas quando os portugueses por aqui chegaram em 1500, tem importantes atletas não só no Brasil, mas na França e no Reino Unido.
O Houaiss ensina que a palavra Tupi significa “bater com a palma da mão”. E foi assim que a peteca chegou ao século XXI firme e forte sem perder as características originais. O Brasil participou pela primeira vez dos Jogos Olímpicos em 1920 e, quando a delegação brasileira desembarcou em Antuérpia (Bélgica) para a V Olimpíada levava na bagagem petecas para aquecimento dos atletas. O brinquedo despertou a curiosidade na vila Olímpica e o chefe da delegação nacional, José Maria Castelo Branco, se viu em apuros quando os finlandeses insistiram em saber as regras daquele jogo.
Demorou um pouco para se definirem regras e se estabelecer o formato da peteca, formalizando o jogo cuja prática descontraída era bastante popular no país, especialmente em Belo Horizonte (MG). Não é de estranhar que Minas Gerais seja responsável pela organização do jogo em 1973 e foi por lá que também surgiram as primeiras quadras e os primeiros campeonatos entre diversos clubes de Belo Horizonte. Em 1975 foi criada a Federação Mineira de Peteca e o esporte foi oficializado em 17 de agosto de 1985 pelo Plenário do Conselho Nacional de Desporto e o primeiro campeonato brasileiro de peteca aconteceu em 1987.
Aos poucos a peteca vai ganhando o mundo. Joga-se peteca em Portugal, Estados Unidos, Rússia, China, Japão Suíça, Holanda, França, Estônia, Lituânia, Paraguai, Chile, Bolívia e Argentina.

Se a peteca não está entre os esportes olímpicos, apesar de sua antiguidade, nem por isso vamos deixar a peteca cair.


Peteca oficial.



(Michaelis: empetecar – enfeitar exageradamente.)

sábado, 6 de agosto de 2016

sexta-feira, 5 de agosto de 2016









Rio de Janeiro, Praça Mauá. Fotos: H. Araújo, 2015.



Discóbolo, de Miron, Grécia, século V a.C.





O LEGADO DE EMA
(Casas paulistanas)

Não seria exagero dizer que a casa de Ema Klabin (1907-1994) é a joia do Jardim Europa. Ema Klabin era uma mulher rica, culta e de bom gosto como atestam os objetos artísticos que foi adquirindo ao longo da vida. Nos anos 50, ela decidiu partilhar a beleza com outras pessoas e mandou construir em um terreno de quatro mil metros quadrados na Rua Portugal, a casa projetada pelo arquiteto Alfredo Ernesto Becker para abrigar o seu acervo. O arquiteto inspirou-se no Palácio Sanssouci (Postdam, Alemanha). Coube ao paisagista Burle Marx (1909-1994) criar os jardins. A decoração do interior e a distribuição dos objetos foram trabalho do italiano Terri Della Stuffa. A casa, que tem 900m², ficou pronta em 1960 e Ema mudou-se para o novo endereço, onde ficou até morrer.
                Graças à criação da Fundação Ema Klabin em 1978, que transformou a residência em museu, é possível conhecer o mundo dessa mulher que, com a morte do pai em 1946, ingressou no mundo empresarial. 
               O vestíbulo é decorado com peças de várias procedências e épocas. Uma galeria semicircular permite que os visitantes tenham acesso aos espaços públicos da casa sem interferir na área privada, que fica isolada. Ela constituída por um quarto de hospedes (com banheiro  – o mais feio da casa –, um closet e um armário para malas) e pelo dormitório de Ema (uma sala, o quarto e um belo banheiro revestido de vidro leitoso com amplas janelas para o jardim).
                No quarto de hospedes, o mobiliário é de jacarandá, em uma das paredes uma tapeçaria persa, que pertenceu à família Klabin por muitos anos, e várias pinturas entre as quais se destaca uma paisagem do Rio de Janeiro, Tarsila do Amaral, datada de 1923. O sono de Ema, numa cama veneziana (século XVIII), era embalado por telas de Lasar Segall, Portinari e Di Cavalcanti e esculturas Brecheret e Bruno Giorgi, além de peças de marfim. Um destaque é uma máquina de costura entre a saleta e o dormitório. 
               A galeria semicircular dá acesso à sala de jantar – mesa posta para uma refeição sofisticada. Nas paredes, nada menos do que obras de Bruegel, Renoir, Vlaminck e Segall além de talhas de mestre Valentim da Fonseca e Silva, provenientes da Igreja de São Pedro dos Clérigos, no Rio de Janeiro, que Getúlio Vargas mandou demolir em 1943 para abrir a avenida que levou o nome do ditador.
               O salão, com vários ambientes, reúne as peças mais raras de Ema. No fundo, a sala de música, onde se destacam um belo piano de cauda (Erard, 1911) e telas de Chagall. Por fim, a pequena e aconchegante biblioteca (ou escritório) cuja janela se abre para o jardim.

Vista da galeria. Foto: site da Fundação.
               
 A Fundação Ema Gordon Klabin: Rua Portugal, 43 - Jardins. Tel.: 11-3062-5245. A entidade promove uma variada programação cultural.