domingo, 30 de setembro de 2018

VELHINHOS NO CINEMA


O cinema ao longo dos anos tem tratado os idosos com seriedade e bom humor. A atriz Shirley MacLaine (1934) fez ótimos papéis como idosa mal humorada – “Flores de Aço”, 1989; “O guarda-costas e a primeira dama”, 1994; e “A Última palavra”, 2017. Às vezes pode ser romântica: “Elza e Fred”, 2014.
  
Morgan Freeman (1937) navega em sentido contrário interpretando velhinhos transgressores como “Despedida em grande estilo”, 2017 (com Michael Cane e Alan Arkin); e “Última Viagem a Vegas”, 2013 (com Michael Douglas e Robert de Niro).

Ginger e Fred, de 1986 (Federico Fellini), é o meu preferido. Marcello Mastroianni (1924-1996) como sempre em interpretação maravilhosa. É de Fellini também Entrevista (1987), em que Mastroianni reencontra Anita Eckberg (1931-2015) vinte e sete anos depois de “La Dolce Vita”. Não é à toa que ela chora quando vê a projeção do filme. Na ocasião, ela já estava com 56 anos e Marcello com 63 e ainda muito bonitos.
Um dos meus filmes preferidos sobre o tema é “O Exótico Hotel Marigold”, de 2011 (direção de John Madden). Uma história que mostra a velhice como oportunidade para um recomeço até mesmo radical. No elenco duas ótimas atrizes – Judi Dench e Maggie Smith.
Gostei demais de “Almoço em Agosto”, de 2009 (direção de Gianni Di Gregorio) – uma história delicada sobre o relacionamento de mãe e filho tendo como pano de fundo Roma. Outro filme delicioso é “Minhas tardes com Marguerite”, 2010 (direção de Jean Becker). A dupla Gérard Depardieu e Gisèlle Casadesus é perfeita.
 

“E se vivêssemos todos juntos?”, 2012 (direção de Stéphane Robelin) é sobre um grupo de amigos que resolvem viver juntos para enfrentar os dissabores da idade e um jovem aproveita para fazer uma pesquisa sobre a experiência deles. Encabeçam o elenco Jane Fonda e Geraldine Chaplin. (Particularmente, acho que não dá muito certo.)
Dustin Hoffman dirigiu em 2013 “O Quarteto”. A história se passa em um lar para músicos aposentados que anualmente promove um concerto para arrecadação de fundos para a instituição. Então chega uma velhinha encrenqueira (Maggie Smith).
O cinema brasileiro tem Chuvas de Verão (1978), de Cacá Diegues (1940), com inesquecível interpretação de Jofre Soares (1918-1996).
"Quinteto da Morte", 1955.



Duas comédias clássicas: “Este mundo é um manicômio”, 1944 (Frank Capra), com Cary Grant, e “Quinteto da Morte”, de 1955, dirigido por Alexander Mackendrick, com Alec Guiness, Peter Sellers e Kattie Jonhson. Há uma versão recente. 

PASSADO E PRESENTE



 “Supondo que você seja um adolescente abençoado pela beleza, não deixe de documentar essa condição tirando uma fotografia. É a única maneira de fazer com que, no futuro, acreditem em você.” Frank Lebowitz (1950), jornalista americano, naturalmente, na era anterior aos celulares. Clint Eastwood está em plena atividade aos 88 anos e continua a trabalhar.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

VESTIDA PARA ARRASAR





Só porque é sexta-feira que tal o retrato de “Madame X” (Mme. Pierre Gaatreau), de 1884? Óleo sobre tela do pintor italiano John Singer Sargeant* (1856-1925). Madame X é a americana Virginie Amélie-Avegno Gautreau, esposa de um banqueiro francês. Na pintura original, uma das alças do vestido negro, que realça a alvura da pele dela, estava caída. Um escândalo! O artista tratou de colocar a alça no lugar, mas o mal estava feito. Sargeant mudou para Londres e continuou a pintar. Ah! Madame X ganhou lugar de destaque no ateliê do pintor e, quando Virginie-Amélie morreu, ele vendeu o quadro para o Metropolitan Museum of Art de New York em 1916.




*John Singer Sargeant nasceu em Florença, filho de imigrantes americanos.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A HISTÓRIA É UMA HISTÓRIA...

Strahov - A Sala Teológica, Praga, República Checa. Biblioteca do século XVII.
A minha leitura do momento é sobre livros. Um passeio muito bom sobre o desenvolvimento da escrita, os meios que o homem usou para registrar suas experiências e seus pensamentos até que se chegasse ao livro como o conhecemos nos dias atuais. A escrita nasceu da necessidade de contabilizar a produção agropastoril, assim, ao contrário do que dizem as más línguas, as duas profissões mais velhas do mundo são a do pastor e a do agricultor. A terceira, provavelmente, a do contador. E fazer onde essa contabilidade básica? Usou-se de tudo. Em pedra onde segundo a tradição hebraica foram gravados os dez mandamentos; os romanos usavam bronze para redigir seus documentos, como a Lei das Doze Tábuas. Os egípcios usavam papiro, um vegetal. É provável que os mais antigos papiros remontem a 3.500 anos.
Os gregos também escreviam em tábuas de madeira, que depois aproveitavam para usar como lenha na cozinha (segundo um autor, eles cozinhavam seus legumes com as leis de Sólon e de Drácon). Os chineses, inventores do papel e da prensa, começaram escrevendo em trapos e seda. Na Ásia, muito antes da era cristã já se usava o pergaminho, feito de pele de carneiro. Coube aos chineses a invenção do papel e, possivelmente, por volta de 213 a. C., mas a maravilha só chegou à Europa em 1144 via Espanha.
Todos os povos iam absorvendo as novidades à medida que delas tomavam conhecimento. Assim, surgiram as bibliotecas que eram bem diferentes do conceito contemporâneo: funcionavam como depósitos dos registros comerciais, legais e religiosos. A mais importante biblioteca da Antiguidade foi a de Alexandria – que era dividida em duas seções em bairros diferentes. Consta que tinha mais de setecentos mil volumes, mas os historiadores alertam para o fato de que “volume”, nesse caso, refere-se às divisões de uma mesma obra: “assim, o poema da Ilíada, em 24 cantos ou livros, formava 24 volumes”.  
Há duas versões sobre o incêndio da biblioteca de Alexandria. A versão de que ela teria sido destruída pelos muçulmanos é desmentida por um bibliógrafo francês que atribui aos cristãos o crime. Realmente, houve um incêndio acidental em 47 a. C. quando Julio César entrou em Alexandria, mas a seção de Serápio “foi destruída pelo bispo Teófilo, quatrocentos anos depois”.
Os gregos que cultivaram a filosofia e as ciências preferiam bibliotecas privadas, portanto, pequenas; entretanto, os romanos que se dedicaram à conquista do mundo, possuíam as melhores bibliotecas e foram os primeiros a criar bibliotecas públicas. Aliás, quem teve a ideia da biblioteca pública foi Júlio César, mas só implantada após sua morte no átrio do templo da Liberdade. Mas naquela época como hoje as coisas podem ser um pouco diferentes, como Wilson Martins transcreve Ovídio:

“Meu guia me conduziu, através de degraus magníficos ao templo de degraus de mármore branco consagrado ao deus cuja cabeleira está sempre intacta [Apolo]... Aí todas as criações dos gênios antigos e modernos são postas à disposição dos leitores... O guarda desses lugares sagrados expulsou-me. Dirijo-me para um outro templo, situado perto de um teatro vizinho; também me proibiram a entrada. Desse primeiro asilo das belas-letras, a Liberdade, que aí pontifica, não me permitiu atravessar o vestíbulo...”.

No século IV havia 28 bibliotecas públicas em Roma, com o serviço de empréstimo organizado e em funcionamento.




sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Quando Vier a Primavera

Praça João Mendes, São Paulo.
Quando Vier a Primavera
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterônimo de Fernando Pessoa. 



DIA DA ÁRVORE
Rua Topázio, Aclimação, SP.
Namorados na Praça da Liberdade, SP.











domingo, 16 de setembro de 2018

LEMBRANÇAS DOMINGUEIRAS


Não importa onde se esteja, "centre ville" sempre se tem uma bela vista. Maio de 2012. 
PARIS

Paris me encanta. Esse rumor constante
Das sirenas, de carros e de gente,
Enche meus olhos turvos de viajante
De uma grande volúpia surpreendente.

Passa a turba em farândola envolvente,
Num doido bruaá febricitante...
Paris! Dás-me aos sentidos, de repente,
Um gozo forte, acídulo, excitante.

E tudo freme!... Em meio à populaça
Há conflitos de amores  em tumulto.
“Mimi Pinson”... Musette... E a turba passa...

E no velho Montmartre, em noite feia,
Em cada esquina obscura e em cada vulto
A sombra de Verlaine cambaleia...


Porque hoje é domingo Paris pode ser um bom tema, especialmente com esse soneto de Olegário Mariano (1889-1958). Quando li, fiquei imaginando como seria o tráfego de veículos e o nível de ruído da capital francesa em 1912, ano em que o poeta escreveu o soneto. O tempo passa e os problemas (trânsito e barulho) continuam de formas e proporções diferentes. 

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

E POR FALAR EM LIVROS

“Quando penso em todos os livros que ainda posso ler,
tenho a certeza de ainda ser feliz.” 
Jules Renard (1864-1910).

Dizem que o fim do livro está próximo. Não sei se entenderia a vida sem um livro. Desde muito pequena eles fazem parte do meu cotidiano. No princípio, claro, liam para mim. A imagem é nítida: minha tia sentada à beira da cama com o livro no colo, lendo coisas que ele contava para ela e ela repetia para mim. Era quase um objeto mágico, que podia ser manuseado quantas vezes ela quisesse e sempre repetia a mesma história sem se cansar, embora a tia se cansasse. Na minha cabeça os personagens se juntavam, se separavam e voltavam a se juntar; pulavam para aqui e para ali em histórias da carochinha... 
         Os primeiros livros que li foram contos de fadas. Era uma coleção com os mais belos contos de fadas de Perrault, Grimm e Andersen. Capas duras e coloridas, mas dentro apenas um desenho a traço introduzindo as histórias. Então um dia outra tia, Odete, trouxe da biblioteca “O Minotauro”, de Monteiro Lobato, que mudou minha vida.
       Saltei da literatura infantil para a romântica nacional na escola e então numa pequena estante, comprada por minha avó para ajudar uma amiga que trocava a casa por um apartamento, vieram os livros de aventuras – “Os três mosqueteiros”, “O Conde de Monte Cristo” de Alexandre Dumas, “E o vento levou”, de Margareth Mitchell, dezenas de livros da Biblioteca das Moças, obras da sensível Sra. Leandro Dupré e entre tudo isso “Os Sertões” de Euclides da Cunha. Aos poucos o gosto foi se apurando e os autores clássicos (teatro e literatura) se impuseram.
       Aprendi cedo a usar o dicionário que me proporciona sempre uma surpreendente viagem pelo idioma a ponto de muitas vezes esquecer o motivo pelo qual o procurei. E as enciclopédias? Elas me ajudaram (e ajudam) a desvendar as coisas que não entendia (e não entendo). E os atlas sempre estão à disposição para achar lugares encantados e outros nem tanto.
Com o desenvolvimento da tecnologia fala-se no fim do livro, que será substituído pelo e-book. A ideia pode causar susto em uns, tristeza em outros. Levanta várias questões, com certeza. 
O importante é ler, preservar, divulgar e ensinar os conteúdos dos livros; afinal, desde que inventou a escrita, o homem tratou de registrar suas experiências vividas ou inventadas, na forma de história da sua trajetória ou de literatura; propaga os conhecimentos acumulados e lança as dúvidas que persistem para as futuras gerações desvendarem. Não importa que tudo isso seja em e-books – (uma plataforma cara, porém, cada vez mais popular), argila, papiro, seda, papel de arroz, pergaminho... Queremos ler.                                                                                     
 Ilustração: Émile Zola (1840-1902), tela de Édouard Manet.

terça-feira, 11 de setembro de 2018

TERÇA POÉTICA

"Ai, minha sina está lida,
Meu destino está traçado
Amar, amar toda vida,
Morrer de não ser amado."
Cantigas Praianas, II. Vicente de Carvalho (1866-1924.

Obra do ilustrador norte-americano Norman Rockwell (1894-1978).

domingo, 9 de setembro de 2018


A CASA DO MAESTRO ITALIANO

A casa amarela não tem identificação, mas foi nela que residiu o maestro italiano Furio Franceschini (1880-1976). Ele veio para o Brasil em 1904 como mestre de coro de ópera. Ficou dois anos no Rio de Janeiro e mudou para Espírito Santo do Pinhal, em São Paulo, onde morou algum tempo até se radicar na Capital; logo assumiu o posto de organista titular e mestre de capela da Sé. Franceschini foi professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e membro da Academia Brasileira de Música, ocupando a cadeira 28 cujo patrono é Ernesto de Nazareh. Compôs mais de 600 obras, a maioria música sacra, e publicou obras teóricas como “Breve Curso de Análise Musical” (1931) e “Compêndio de Canto Gregoriano”, (1938). Mário de Andrade (1893-1945) era um grande admirador do maestro que ele considerava “incontestavelmente um dos homens que mais conhecem música no Brasil”. O acervo particular do maestro Franceschini encontra-se dividido entre as bibliotecas da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita – UNESP. Avenida Nazaré, 366, Ipiranga.




sábado, 8 de setembro de 2018

UM BAIRRO VERDE E AMARELO

Metrô: estação Alto do Ipiranga.
A Semana da Pátria foi um bom motivo para visitar o bairro do Ipiranga. Na estação do metrô Alto do Ipiranga (toda em verde, amarelo, azul e branco) perguntei a um jovem funcionário se havia algum ônibus que passasse próximo do riacho do Ipiranga. Ele me orienta ir até a próxima estação, pegar o trem e descer no Ipiranga, pois o rio passa do lado. Não me lembrava de um trem próximo ao Parque da Independência. Vivendo e aprendendo, assim, lá fui eu. 

Estação Ipiranga: destino Brás.

Estação CPTM Ipiranga. 
Ao descer no Ipiranga, olho a paisagem em torno e não vejo ao redor nada parecido com as imediações do Parque. Peço informação a um funcionário e ele me diz para seguir pela Rua dos Patriotas. Uns quinze minutos de caminhada. Agradeço. Quando saio da estação, realmente há um rio horripilante bem em frente. Cheira mal. Estou na Avenida do Estado. O jovem do metrô nem desconfia que aquele é o rio Tamanduateí e estou em busca do Ipiranga... Oh! Céus.
Rio Tamanduateí: panorama desolador.
Começo a caminhada por uma paisagem urbana árida, que aos poucos melhora. Finalmente, chego ao Parque da Independência, atravesso os jardins franceses até o Monumento e, enfim, localizo o riacho do Ipiranga. Na verdade, eu já conhecia o trecho do riacho que passa junto à Avenida Ricardo Jafet, junto ao metrô Santos-Imigrantes.  

Riacho do Ipiranga. 

O Monumento à Independência, a bandeira e o riacho.
Nessa caminhada, descubro que a Prefeitura de São Paulo ignora o nome correto do museu, que sempre foi Museu Paulista.  


PARQUE DA INDEPENDÊNCIA/MUSEU PAULISTA: METRÔ ALTO DO IPIRANGA, TRÓLEBUS PRAÇA DA REPÚBLICA. DESCER NA RUA PADRE MARCHETTI. 

sexta-feira, 7 de setembro de 2018


SETE DE SETEMBRO
196 ANOS DA INDEPENDÊNCIA

Quase duzentos anos depois da Independência, a Mata Atlântica é tratada mais ou menos como peça de museu e os rios da cidade (inclusive o córrego histórico) estão mortos e cheiram muito mal; entretanto, o caminho para o mar, que começa no Ipiranga, continua movimentado e desde 1947 chama-se Via Anchieta.
A construção do segundo monumento à Independência foi outra novela que se arrastou por alguns anos e gerou muitas discussões. Houve um concurso público para a escolha da obra e quem venceu foi o italiano Ettore Ximenes, que apresentou um projeto feito para czar da Rússia, mas que não fora entregue por causa da Revolução. Obra semelhante seria colocada na Bélgica, segundo jornais londrinos. Ximenes fez algumas adaptações para entrar no concurso brasileiro. Rodrigues Alves lançou o concurso em 1912, a concorrência foi aberta em 1917 e em 1920 as maquetes dos projetos foram expostas no Palácio das Indústrias. Quando foi anunciado o vencedor, Monteiro Lobato não deixou pedra sobre pedra: “Victoria da mediocridade patoleira” – escreveu no jornal O Parafuso (21/04/1920). Mário de Andrade não ficou atrás: “o ilustre sr. Ximenes, que de longe veio, infiltrará a colina do Ipiranga com seu colossal centro-de-mesa de porcelana de Sèvres”.
Enfim, a obra inacabada foi inaugurada em 1922. Ximenes queria mais dinheiro para concluí-la e governo cedeu e em 1926 o monumento foi concluído. A obra teve a colaboração de outro italiano, Manfredo Manfredi (1889-1927).
Tudo isso é história. Cento e noventa e seis anos depois não importam muito as discussões de estilo. O conjunto faz parte do imaginário do brasileiro e o Monumento à Independência paira solene entre o Museu Paulista da Universidade de São Paulo no alto da colina e o triste riacho do Ipiranga, de cujas margens plácidas reverberaram as palavras do príncipe Dom Pedro – Independência ou Morte. (Fotos: Hilda Prado Araújo, agosto, 2018.)

São Paulo, 31 de agosto, 2018. 



Fonte:IPIRANGA. Série: história dos bairros de São Paulo. Volume 14. Prefeitura do Município de São Paulo/ Secretaria de Cultura. 1979. 

quarta-feira, 5 de setembro de 2018


UM MONUMENTO. UMA NOVELA.
Museu Paulista da Universidade de São Paulo, no Ipiranga. Foto: HPPA.
A vida pouco mudou no entorno do riacho do Ipiranga após a proclamação da Independência até a inauguração da estrada de ferro São Paulo Railway, ligando São Paulo a Santos, e o loteamento da área compreendida entre Glória, Lavapés e o Morro do Ipiranga. Foi provavelmente por essa época que se construiu a casa às margens do córrego. No final do século XIX, os principais proprietários de terras eram o conde José Vicente de Azevedo (1859-1944) e os herdeiros de Antônio de Moraes.
Contam os historiadores que a ideia de construir um monumento às margens do Ipiranga surgiu após o grande evento histórico, mas... Adivinhem. Não havia verba. Capitaneados por Antonio da Silva Prado moradores se mobilizaram para fazer uma subscrição pública para “se erigir no lugar, denominado Piranga hum munumento”.  Isso mesmo: Piranga. Em 26 de fevereiro de 1823 José Bonifácio dá a concessão para a construção do marco. Em setembro de 1824 ainda se discutia o caso, pois os edis queriam que o monumento fosse erguido na cidade porque o Ipiranga ficava muito longe. A Coroa determinou que fosse “aquela memória inaugurada no próprio sítio do Piranga em que foi proclamada a Independência Política do Império”.  A verdade é que a Câmara marcou o local e nada mais fez. A Câmara do Rio resolveu abrir uma subscrição nacional para o monumento; entretanto, em 1829 a obra já estava parada por falta de dinheiro. Os paulistas não puseram a mão no bolso para a obra, sem contar que “a estética que a inspirara era a mais deplorável”, segundo o historiador Afonso D’Escragnolle Taunay. Por traz de todo esse descaso havia uma longa história com a Maçonaria. Com a abdicação de D. Pedro em 1831, a obra é abandonada.
Vinte e quatro anos depois D. Pedro II em visita a São Paulo quis conhecer o local onde o pai proclamara a Independência. Bem amargurado deve ter ficado ao ver “apenas uma torrezinha de madeira carcomida pela intempérie como marco comemorativo”.
O descaso não era total. Todos os anos em 7 de setembro os estudantes do Largo de São Francisco organizavam uma visita ao Ipiranga. Nova mobilização e governo cria uma loteria para arrecadar fundos. Houve muitos desentendimentos entre o arquiteto italiano Thomaz Gaudêncio Bezzi contratado em 1885, que insistiu no projeto de um palácio enquanto os contratantes queriam um prédio de utilização prática, como um estabelecimento de educação.
Foi assim que o Império caiu. A República nasceu sem que houvesse um marco da independência, que foi inaugurado em 7 de setembro de 1895. Inacabado, diga-se de passagem, por falta de recursos para a execução das alas laterais. Graças à teimosia de Bezzi temos hoje no alto da colina do Ipiranga o prédio em estilo eclético, que abriga o Museu Paulista da Universidade de São Paulo. A obra teve a supervisão do italiano Luiz Pucci, autor do projeto da Avenida D. Pedro I.
O Museu Paulista encontra-se fechado há cinco anos para obras de restauro e recuperação e deverá reabrir em 1922 para as comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil. Parte do acervo pode ser visitado no Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, das 10 às 16 horas, de terça a domingo. Endereço: Avenida Morumbi, 4.500, Morumbi. Informações: (11) 2193-8282/8623.


terça-feira, 4 de setembro de 2018

MUSEU NACIONAL

Museu Nacional: que ironia! À saída, o visitante era incluído na história. Agora, tudo é cinza. 
Quando visitei o Museu Nacional em novembro de 2015, gostei muito dessa passagem que, ao refletir a imagem do visitante no vidro, o conscientizava de que ele faz a história. Eu faço história, tu fazes história, ele faz história; nós fazemos história, vós fazeis história e, infelizmente, os que deveriam ser responsáveis pela guarda do acervo histórico nacional, destroem a História. 

segunda-feira, 3 de setembro de 2018


“NÃO A VEREI RETORNAR”

Para aqueles que não se importam com o que está acontecendo aos acervos artísticos e arquitetônicos nacionais, um resumo do que ocorreu na Europa no início da II Guerra Mundial. O relato detalhado está no livro de Lynn H. Nicholas sobre a luta para a preservação da arte produzida pela humanidade contra a insanidade nazista que se aproximava. Escolhi o trabalho dos franceses no dia 3 de setembro de 1939, mas medidas semelhantes foram tomadas pelos países aliados. O que chama atenção é a responsabilidade que as pessoas envolvidas com museus, mosteiros, bibliotecas e galerias de arte tinham (e têm) e sentiram (e sentem) pelos acervos sob sua guarda.

Na tarde do dia 3 de setembro, a notícia da declaração formal de guerra foi anunciada a vários funcionários do Louvre agrupados no alto da grande escadaria em torno da enorme Vitória de Samotrácia. Ficaram sabendo então que todas as obras mais importantes teriam que ser retiradas naquela mesma noite. A Vitória precisaria descer imediatamente a longa escadaria e ser levada para local seguro:
Monsieur Michon, na época curador do departamento de antiguidades greco-romanas, [...] deu ordens para a remoção da estátua. Ela foi inclinada numa rampa de madeira, sustentada por dois grupos de homens que controlavam a sua descida por meio de cordas estendidas de ambos os lados, como os barqueiros do Volga. Estávamos todos aterrorizados e o silêncio era total enquanto a Vitória rolava lentamente para baixo, suas asas de pedra tremendo ligeiramente. Monsieur Michon prostrou-se nos degraus de pedras, murmurando: ‘Eu não a verei retornar’.
Caminhões de cenários da Comédie-Française foram trazidos para transportar quadros maiores. Embora alguns houvessem sido enrolados, a enorme A Balsa de Medusa, de Géricault, era frágil demais para receber tal tratamento. Os caminhões partiram às seis da tarde, com o sol se pondo. No meticuloso planejamento, que incluíra tomar as medidas de todas as pontes entre Paris e Chambord, as linhas de bondes de Versalhes haviam sido de algum modo negligenciadas, e A Balsa ficou inextricavelmente presa nos fios crepitantes. Magdaleine Hours, enviada na escuridão total da madrugada para acordar seus colegas no Palácio  de Versalhes, descreve vividamente em suas memórias a incumbência aterrorizante de encontrar a campainha, localizada em algum ponto do enorme portão de entrada.”
Reprodução do livro. Foto: Noel de Boyer.
Durante toda a noite, os preciosos comboios avançaram rumo a Chambord. [...] O êxodo continuou em toda parte durante o mês de outubro, à medida que coleções menores seguiam as obras-primas. No início de novembro, praticamente tudo já se encontrava onde deveria estar: os equipamentos anti-incêndio (grifo meu) estavam devidamente instalados, areia havia sido espalhada pelo chão, os higrômetros* postos em funcionamento e os guardas e suas famílias iam se acomodando para viver suas novas vidas no campo.”   

"Ronda Noturna", de Rembrandt, protegida.

Em praticamente toda a Europa os museus se mobilizaram para resguardar dos nazistas as obras de arte que são tesouros da Humanidade. Por aqui ninguém parece muito preocupado. Falta verba, falta vontade política, falta interesse pela educação e cultura nacionais. O desaparecimento do Museu Histórico Nacional é um desastre irreparável. Vergonhoso.

 
Voltaire abrigado entre santos.
*Higrômetros: instrumentos que medem a umidade de gases ou do ar.


Lamentável 
o descaso 
com nossa História, 
nosso patrimônio.

IPIRANGA
No início do século XIX o viajante que chegava ao Planalto de Piratininga, procedente de Santos, via-se cercado pela Mata Atlântica, por onde corriam o rio Tamanduateí e seu afluente da margem esquerda, o córrego do Ipiranga. O trajeto era o mesmo que o silvícola usava muito antes da chegada dos portugueses às terras Tupiniquins e que mais tarde foi chamado também de Caminho do Padre José em decorrência das idas e vindas do padre José de Anchieta entre a praia e São Paulo.
Mais famoso que o rio ficou o córrego, graças às artes de um príncipe rebelde que o fez conhecido pela vastidão de 8.516.000 km² do Brasil a que ele deu à luz. Com a inclusão do riacho à história pátria, os linguistas começaram uma briga para traduzir ou interpretar o significado de Ipiranga. Assim, uns dizem que quer dizer “terra roxa ou vermelha” (Azevedo Marques) e outros juram que é “leito desigual e empinado” (João Mendes). A Prefeitura de São Paulo parece que prefere a primeira versão, como se pode constatar em seu site.

No princípio a região era ocupada por pequenos proprietários. Chácaras e sítios e algumas fazendas pequenas. Em 1621, Catarina de Pontes, por exemplo, tinha “sítio e casa, roças, 50 cabeças de gado e três cavalos avaliados em 134 mil réis”. Entre os primeiros moradores destaca-se a figura de Antônio Proença. O filho dele, Francisco de Proença, e quatro filhas formaram o clã dos Taques, Laras, Almeidas, Toledos e Morais. A região viveu em pé de guerra no século XVII por questões de terras e envolveu os descendentes de Proenças com Pires e Camargos por duas gerações, “numa versão barroca da Verona medieval”, no dizer de Barro & Bacelli.

Poucos habitantes. Uma vida simples. Um pequeno comércio à beira do caminho para atender aos viajantes. Nada mais que isso existia no entorno do riacho do Ipiranga, quando no final da tarde de sábado, 7 de setembro de 1822, a comitiva do príncipe Dom Pedro, procedente de Santos, encontrou-se com o correio Paulo Bregaro que trazia cartas importantes de José Bonifácio de Andrade e Silva e de Dona Leopoldina. Cartas que mudariam o rumo da história do Brasil e o destino do príncipe.  


A famosa “Casa do Grito” não existia em 1822. A documentação mais antiga do imóvel remonta a 1884, mas quando Pedro Américo (1843-1902) pintou o quadro “Independência ou Morte” em 1888 incluiu a casa na cena.  


domingo, 2 de setembro de 2018


DONA LEOPOLDINA, A REGENTE.
No dia 2 de setembro de 1822, a princesa Leopoldina era chefe do Conselho de Estado e regente do Brasil. No dia 15 de agosto, ela fora nomeada por D. Pedro que estava de partida para São Paulo em uma viagem de cunho político. Nesse dia, ela recebeu correspondência de Portugal informando que em Portugal articulava-se a volta do Brasil à condição de mera colônia lusitana. A regente reúne o Conselho de Estado para discutir a situação e aconselhada por José Bonifácio de Andrade e Silva, assina o decreto de independência do Brasil. Ela e o ministro escrevem a D. Pedro informando a urgência da ação contra as medidas das cortes portuguesas, aconselhando-o a agir imediatamente. José Bonifácio convoca Paulo Bregaro para levar a correspondência ao príncipe em Santos, onde ele deverá estar. O resto é história: D. Pedro deixa Santos mais cedo e Bregaro o encontra com a comitiva às margens do Ipiranga no planalto.  
  
“Sessão do Conselho de Estado” – obra vencedora do concurso da  Exposição do Centenário da Independência. Quadro da paulista Georgina Moura Andrade de Albuquerque (1885-1962), acervo do Museu Histórico Nacional no Rio de Janeiro e destruída no incêndio de ontem (2). A artista valoriza a figura de Dona Leopoldina, que dialoga com José Bonifácio de Andrade e Silva de pé em primeiro plano. Os demais membros do Conselho são Martim Francisco Ribeiro (sentado), Joaquim Gonçalves Ledo (mãos sobre a mesa); em segundo plano veem-seCaetano Pinto de Miranda Montenegro, Manoel Antônio Farinha, Lucas José Obes e Luiz Pereira da Nóbrega. Georgina de Albuquerque, natural de Taubaté, foi a primeira mulher a se dedicar à pintura histórica no Brasil.