“NÃO A VEREI RETORNAR”
Para aqueles que
não se importam com o que está acontecendo aos acervos artísticos e
arquitetônicos nacionais, um resumo do que ocorreu na Europa no início da II
Guerra Mundial. O relato detalhado está no livro de Lynn H. Nicholas sobre a
luta para a preservação da arte produzida pela humanidade contra a insanidade
nazista que se aproximava. Escolhi o trabalho dos franceses no dia 3 de
setembro de 1939, mas medidas semelhantes foram tomadas pelos países aliados. O
que chama atenção é a responsabilidade que as pessoas envolvidas com museus, mosteiros,
bibliotecas e galerias de arte tinham (e têm) e sentiram (e sentem) pelos
acervos sob sua guarda.
“Na tarde do dia 3 de setembro, a
notícia da declaração formal de guerra foi anunciada a vários funcionários do
Louvre agrupados no alto da grande escadaria em torno da enorme Vitória de Samotrácia. Ficaram sabendo
então que todas as obras mais importantes teriam que ser retiradas naquela
mesma noite. A Vitória precisaria descer imediatamente a longa escadaria e ser
levada para local seguro:
Monsieur Michon, na época
curador do departamento de antiguidades greco-romanas, [...] deu ordens para a
remoção da estátua. Ela foi inclinada numa rampa de madeira, sustentada por
dois grupos de homens que controlavam a sua descida por meio de cordas
estendidas de ambos os lados, como os barqueiros do Volga. Estávamos todos
aterrorizados e o silêncio era total enquanto a Vitória rolava lentamente para
baixo, suas asas de pedra tremendo ligeiramente. Monsieur Michon prostrou-se
nos degraus de pedras, murmurando: ‘Eu não a verei retornar’.
Caminhões de
cenários da Comédie-Française foram trazidos para transportar quadros maiores. Embora
alguns houvessem sido enrolados, a enorme A
Balsa de Medusa, de Géricault, era frágil demais para receber tal
tratamento. Os caminhões partiram às seis da tarde, com o sol se pondo. No
meticuloso planejamento, que incluíra tomar as medidas de todas as pontes entre
Paris e Chambord, as linhas de bondes de Versalhes haviam sido de algum modo negligenciadas,
e A Balsa ficou inextricavelmente presa nos fios crepitantes.
Magdaleine Hours, enviada na escuridão total da madrugada para acordar seus
colegas no Palácio de Versalhes,
descreve vividamente em suas memórias a incumbência aterrorizante de encontrar
a campainha, localizada em algum ponto do enorme portão de entrada.”
Reprodução do livro. Foto: Noel de Boyer. |
Durante toda a
noite, os preciosos comboios avançaram rumo a Chambord. [...] O êxodo continuou
em toda parte durante o mês de outubro, à medida que coleções menores seguiam
as obras-primas. No início de novembro, praticamente tudo já se encontrava onde
deveria estar: os equipamentos anti-incêndio (grifo meu) estavam
devidamente instalados, areia havia sido espalhada pelo chão, os higrômetros*
postos em funcionamento e os guardas e suas famílias iam se acomodando para viver
suas novas vidas no campo.”
"Ronda Noturna", de Rembrandt, protegida. |
Em praticamente
toda a Europa os museus se mobilizaram para resguardar dos nazistas as obras de
arte que são tesouros da Humanidade. Por aqui ninguém
parece muito preocupado. Falta verba, falta vontade política, falta interesse
pela educação e cultura nacionais. O desaparecimento do Museu Histórico
Nacional é um desastre irreparável. Vergonhoso.
*Higrômetros:
instrumentos que medem a umidade de gases ou do ar.
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