sexta-feira, 22 de setembro de 2023

CACARECO, A VEREADORA.

 

Corria o ano da graça de 1958. Ela vivia feliz no Rio de Janeiro e nunca desconfiou que fosse envolvida em uma grande trama política. Embora tivesse um nome muito feio, que na verdade correspondia ao seu aspecto físico que não a ajudava em nada. O endereço era na Quinta da Boa Vista, bairro digno da realeza. Certamente, não era supersticiosa, mas seu destino começou a mudar (ela também) no dia 13 de fevereiro. Mal sabia que logo se tornaria uma celebridade internacional. Ela era um rinoceronte e seu nome era Cacareco.

  Quando o Zoológico do Rio de Janeiro concordou em enviar temporariamente Cacareco para o Zoo paulistano, que ia ser inaugurado em 16 de março, reacendeu-se a velha rixa entre cariocas e paulistas. Aqueles descobriram que amavam Cacareco (que eles nem sabiam que era uma fêmea) e estes caíram de amores pelos encantos do “animalzinho” cuja permanência na pauliceia foi se estendendo com o apoio da imprensa.


No ano seguinte, Cacareco acabou envolvida em uma trama política sem precedentes, durante as eleições para a renovação da Câmara de São Paulo.  As eleições caíram como luva para a vingança dos descontentes moradores de um bairro que teve negado pelo Supremo Tribunal o pedido de emancipação política do município de São Paulo. Os paulistanos, em geral, também não gostaram do perfil de nenhum dos 540 candidatos. Um grupo de jornalistas liderado por Itaboraí Martins resolveu lançar a candidatura do rinoceronte para vereador. O jornalista Neil Ferreira (O Cruzeiro, de 24.10.1959) contou em uma reportagem quCacareco – conseguiu empolgar, de maneira espetacularmente inédita o eleitorado paulistano. Sem prometer nada (ele não pode prometer: não sabe nem falar); sem partido político definido – sua legenda poderia ser objeto de confusões: PC (Partido Cacareco); e alguém ainda acabaria sem visto de saída para países da banda de cá do mundo – enfim, com sua candidatura lançada somente alguns dias antes do pleito, sua eleição está garantida”.

Cacareco era filha de Britador e Terezinha. Não há registro da data de nascimento, que foi provavelmente final da década de 1940, no Rio de Janeiro. Ela teve uma irmã mais nova, a Pata Choca. A jovem pesava 900 kg e, na época, era solteira – uma coisa não estava relacionada à outra, necessariamente.

O currículo ressalta seu estilo playboy (playgirl seria mais correto) de vida e conta que ela esperava encontrar o seu príncipe encantado – um rinoceronte africano negro macho. O material preparado pelo cabo eleitoral de Cacareco era bem atual: hobby: comer e dormir; lazer e esporte: não fazer nada; qualidades: carisma e simpatia. Defeitos? Mudez e pouca visão. (Aqui, se esqueceram de dizer que era analfabeta.) Sonho: a África.

O slogan da campanha era simplesmente Cacareco para Vereador. O bicho mobilizou São Paulo (para alegria dos cariocas) de tal forma que mereceu até editorial de O Estado de S. Paulo. Às vésperas das eleições, os dirigentes políticos acharam melhor devolvê-la para o Zoológico do Rio para evitar comoções maiores.  Assim, Cacareco partiu às pressas para a Capital Federal, no dia 1.10.1959 e uma multidão foi se despedir do rinoceronte. (Sábio De Gaulle.)

Apesar da ausência, no dia 4 de outubro, a população mostrou sua desilusão com os políticos, votando em peso (hum!) em Cacareco. O rinoceronte recebeu quase 100 mil votos, que na época seriam suficientes para eleger pelo menos seis vereadores, segundo Antônio Costella, autor do livro Cacareco, o Vereador (Editora Mantiqueira). Cacareco, que teve uma carreira política sensacional e fugaz, morreu pouco tempo depois com dez anos, quando a idade média de vida de um animal livre é de meio século. Provavelmente, desgosto com o cenário político nacional.

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