quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

PERCURSOS DIFERENTES

 

Ontem, fiz caminhos diferentes. Fui à rua Lavapés – uma das mais antigas de São Paulo, nome herdado de um riacho onde os viajantes entre a vila de Piratininga e o litoral costumavam lavar os pés, removendo a lama do Caminho do Mar. Motivo da incursão pelo Cambuci, bairro vizinho da Aclimação: uma loja de móveis de escritório. Nesses tempos em que o amigo do alheio impera, as portas de vidro da loja permanecem fechadas com estantes, que deveriam estar numa vitrine, servindo de calço para impedir visitas desagradáveis. Como não tem campainha e ninguém à vista, é preciso chamar à moda antiga: “ó de casa!”. E lá vem a dona da loja, que empurra uma estante o suficiente para eu passar. É uma senhora simpática, conversamos sobre o bairro, problemas e a cidade; faço a compra e nos despedimos. A mesma operação para eu sair.

Sem programa resolvi ir ao Mercado da Cantareira. Vou olhando à esquerda as lojinhas coloridas ao longo da Ladeira General Carneiro e à direita as tendas azuis que onde se vendem tênis. Haja tênis! No final, a praça Ragheb Chohfi, onde fica o belo monumento à Amizade Sírio Libanesa, do escultor Ettore Ximenes – vândalos decapitaram um dos elementos do conjunto escultórico. Do outro lado fica uma das lojas mais bonitas da região – trabalha com decoração, especialmente temática. Paro para uma espiada. Agora só tem coelhos e ovos à vista. Um casal de coelhos se destaca. O macho tem um relógio de corrente, saindo do bolso. Acho que deve ser uma referência ao Coelho Branco que inicia as aventuras de Alice no País das Maravilhas; há uma árvore de coelhos (muita imaginação para meu gosto) e saio logo que vejo as borboletas gigantes.

Passo por uma tapeçaria, entro e peço informações sobre linóleo; o funcionário até que já ouviu falar no produto (o que me espanta), mas me oferece algo mais moderno. Hum! Não sei... Peço um cartão e agradeço.

O Mercado da Cantareira ganhou pintura nova e por dentro fizeram várias alterações no espaço de alimentação, enchendo o piso térreo de mesinhas para comer e beber. Não gostei especialmente da introdução daquelas mesas em que de um lado tem um tipo de sofá e do outro cadeiras (booth em inglês). Vou procurar azeitonas. Acho um box simpático, enquanto o rapaz pesa as azeitonas, ouço a dona recomendando pimenta baiana num petisco que um funcionário está preparando. Comento que deve ser muito picante a iguaria. “Não é, não. Essa é pimenta baiana argentina” – responde dando risada. Na rua, olho para o céu que está azul, sem nuvens ameaçadoras. Subo a ladeira de volta e, na Praça da Sé, sempre movimentada, evito a rua Barão de Paranapiacaba onde há um batalhão de homens e mulheres passam o dia assediando pedestres para que comprem ou vendam ouro e prata. Ela é conhecida como “a rua do ouro”, com várias joalherias de rua e, pelo que ouço dizer, nos prédios. Acho uma péssima ideia alguém ir fazer negócios ali.

 Na volta em vez de metrô, pego o trólebus, onde viaja um senhor que insiste em fazer comentários sobre a paisagem. Aponta o Tribunal de Justiça e diz que é obra italiana, informo que é de Ramos Azevedo; ele diz que o prédio da Faculdade de Direito é muito mais bonito; digo que o do tribunal é supera o do Largo de São Francisco e o incentivo a ir visitar. Como não dei muita atenção, ele passa a conversar com o cobrador. Felizmente, chegou ao meu destino, me despeço e desço rapidamente.


O prédio do Mercado tem 91 anos. Projeto: arquiteto Felisberto Ranzini, do escritório Ramos de Azevedo. Estilo eclético. 



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