segunda-feira, 14 de setembro de 2020

VÍTIMAS DO CORONAVÍRUS

Duas pessoas que conheço há muitos anos foram atingidas drasticamente pelo vírus. Felizmente, não morreram, mas tiveram que desistir de seus sonhos para tentar sobreviver à difícil situação econômica provocada pela pandemia ao redor do mundo. Conheço Francisco há cerca de 30 anos. Era um garoto, trabalhava numa das bancas de jornal da rua. Fazia parte do que eu chamava república de Nova Russas, porque havia uns doze cidadãos dessa cidade cearense numa única quadra do bairro e que ao longo dos anos debandaram. Ele também esteve ausente da região por alguns anos, mas retornou para trabalhar em outra banca junto a um ponto de ônibus. Com o tempo conseguiu comprá-la. Educado, atencioso, a banca tornou-se um ponto de encontro de idosos e os mais frágeis tinham um banco para se acomodarem. Um dos habitués é cadeirante e Francisco sempre o ajuda a atravessar a rua. Pessoa exemplar. Ele é muito bem informado sobre as publicações e principalmente sobre política nacional. O problema é que as vendas de jornais e revistas foram caindo. Com a pandemia, a crise o abateu violentamente. Semana passada ele anunciou a venda da banca. Retornará ao Ceará para visitar a mãe e pensar no que fazer da vida. Está com 51 anos. Sentirei a falta do sorriso, da gentileza e do bordão com que me cumprimentava todos os dias: “Olha o passeio!”.

A outra pessoa é uma jovem mineira batalhadora, que vivia sozinha em São Paulo. Há uns dez anos ela teve um filho e resolveu, romanticamente, abandonar o emprego para se dedicar à maternidade. Vou chamá-la de Augusta, embora este não seja o nome dela. Para viver dedicou-se a fazer doces para fora, mas como não era suficiente, passou a fazer pequenos trabalhos para as pessoas do prédio e da vizinhança. Nunca a vi mal-humorada ou se lamentando. O garoto cresceu muito bem cuidado, foi para a escola, descobriu as belezas de um piano e seu entusiasmo conquistou uma professora que se ofereceu para ensiná-lo. O apartamento dela estava sempre cheio de crianças que, no final da tarde, iam brincar. Vê-la de bicicleta com o filho pelo bairro era sempre uma imagem muito agradável. Entretanto, com a pandemia, Augusta teve que desistir de São Paulo e voltar para a casa da mãe em Minas, porque não tinha mais trabalho... Embora estivesse animada, foi muito triste vê-la organizando a mudança numa tarde de setembro.

Aos dois só pude desejar boa sorte... A vizinhança ficará mais pobre sem eles.

Um comentário:

Nilton Tuna disse...

belo texto. como sempre, aliás. bjs.