Fãs de
bom cinema certamente conhecem o cineasta alemão Werner Herzog (1942),
que entre outros filmes dirigiu “Fitzcarraldo” (1982) cujo elenco, encabeçado
por Klaus Kinski, seu ator preferido, conta com José Lewgoy, Grande Otelo e
Milton Nascimento. Herzog foi um grande amigo da escritora, crítica de cinema
franco-alemã e cofundadora da Cinémathèque
Française, Lotte Eisner (1896-1983), que vivia em Paris. No final de 1974,
ele soube que Lotte – Eisnerin, como a chamava, estava muito doente. A notícia
foi um choque. “Eisnerin não pode morrer, não vai morrer, não permitirei. Não
vai morrer, não vai. Não agora, não tem o direito.” Naquele momento, ele imaginou
que a amiga se salvaria, se ele fosse a Paris a pé para visitá-la. Herzog vive
em Munique. “Quando eu chegar a Paris, ela estará viva” – escreveu em seu
diário de viagem, que anos depois ele editou e publicou.
Assim, no dia 23 de novembro, iniciou
essa caminhada mágica para salvar a amiga. “Peguei um casaco, uma bússola e uma
sacola com o indispensável. Minhas botas estavam tão sólidas e novas que me
inspiravam confiança. Pus-me a caminho de Paris pela rota mais curta (...).” Final
de outono, mas nessa época o frio já é intenso na região, sujeita à muita neve.
A narrativa de Herzog é ágil, feita de belas imagens da natureza, de pequenos
fatos bizarros e das dificuldades que enfrentou no caminho. Quase como um filme
e o leitor vai montando as cenas como fotogramas.
“A
barriga da perna direita pode me causar problemas e também a bota esquerda, no
bico. Tanta coisa passa pela cabeça de quem caminha. O cérebro vira uma fera.”
“Arrasto-me
mais do que ando. As pernas doem tanto, que mal posso colocar uma na frente da
outra. Quanto medem um milhão de passos?”
“Andei,
andei, andei, andei. Um belo castelo com fortes muralhas recobertas de hera, se
erguia ao longe. As vacas nem se espantavam mais comigo, mas com o castelo.”
Herzog
caminhou quase mil quilômetros em 22 dias, enfrentando frio, chuva e neve,
dormindo em lugares estranhos e desconfortáveis, para encontrar a amiga viva.
Uma reação insólita a um choque emocional. A jornada terminou num sábado, 14 de
dezembro: “(...) fui ver Eisnerin que ainda estava cansada e marcada pela
doença. (...) Fiquei embaraçado e estiquei minhas pernas doloridas sobre uma
segunda cadeira que ela me empurrou. Naquele embaraço, uma palavra me
atravessou o espírito, e como a situação por si já era estranha, eu a disse.
Juntos, falei, vamos cozinhar um fogo e deter os peixes. Então ela me olhou com
um fino sorriso e, como sabia que eu era um homem a pé e, portanto, sem defesa,
me compreendeu. Por um instante fino e breve, algo suave atravessou meu corpo
exausto. Eu disse: abra a janela, há alguns dias aprendi a voar”.
Um belíssimo livro. Para mim a mais
bela história verdadeira sobre amizade. Lotte Eisner, que foi mentora de Herzog
e da nova geração de diretores alemães – entre os quais Winn Wenders e Volker
Schlöndorff –, morreu nove anos depois.
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