sábado, 30 de junho de 2018

MEMÓRIAS DO JORNAL CIDADE DE SANTOS


MEMÓRIAS DO JORNAL CIDADE DE SANTOS

“O passado não reconhece seu lugar: está sempre presente”, já dizia Mário Quintana. O tempo presente oferece sempre novas descobertas que aproveitamos bem ou mal conforme construímos nossas vidas ou fazemos nossas escolhas. Assim, escrever sobre o Jornal CIDADE DE SANTOS, que circulou pela primeira vez em 1º de julho de 1967, não é saudosismo. Folhear a coleção do jornal que fechou há 31 anos permite uma avaliação das mudanças que ocorreram nessas décadas e nos lembremos dos amigos que fizemos entre uma reportagem e outra, ao som do batuque das pretinhas, aspirando toneladas de fumaça de cigarro, charuto ou cachimbo, bebericando litros de café requentado, enquanto os telefones enlouquecidos contribuíam para a poluição sonora. Às chefias cabia se torturar com o fechamento da edição e cobrar as matérias dos repórteres – era o balanço das horas no início da noite.

Sem dúvida as mudanças no ambiente de trabalho foram para melhor. As máquinas de escrever desapareceram, substituídas pelos computadores silenciosos, rápidos, dotados de corretores de texto (que às vezes também fazem barbaridades); as laudas sumiram junto com o papel carbono. Latas de lixo cheias de laudas amassadas, denunciadoras da ânsia por um texto mais bem acabado, são coisa do passado. Imprime-se apenas o texto final, redondinho, se tanto... Ao silêncio das máquinas de escrever, some-se o fim das baforadas furiosas entre um parágrafo e outro. As novas gerações aspiram ar puro. Será? Fumar tornou-se um estigma. Creio que restou o cafezinho. Talvez descafeinado Quem sabe?

Há muitas especulações sobre o motivo que levou a Empresa Folha da Manhã (proprietária de Notícias Populares, Folha da Tarde e Folha de S. Paulo) fechar o jornal santista. Duas, entretanto, se destacam e se complementam: o projeto de fortalecer o principal título do grupo e o envolvimento de Carlos Caldeira Filho com política ao se tornar prefeito nomeado de Santos (1979-1980) por nove meses e alguns dias. O fato criou uma situação difícil para jornalistas tinham o patrão ocupando o Executivo.

Em 1979, o governador Paulo Maluf exonerou o prefeito Antonio Manoel de Carvalho antes de ter o nome do substituto aprovado pelo presidente João Batista Figueiredo (1918-1999). O deputado federal Athié Jorge Coury mostrava-se perplexo com a situação da cidade sem prefeito, como informou o jornal na ocasião. Carlos Caldeira Filho (Carlos Augusto Navarro de Andrade Caldeira Filho) foi o quinto e penúltimo prefeito nomeado de Santos no período da ditadura militar.

E o que vejo ao repassar páginas amareladas e ressecadas pelo tempo? O jornalismo mudou muito nas últimas décadas e não ousaria dizer que foi para melhor. Selecionei algumas notícias de 1986.



Quando se tratava do Santos F. C., o jornal não escondia seu favoritismo, embora não se eximisse de críticas, quando necessárias. Carlos Caldeira Filho era um ardente torcedor do “leão do mar”. Caldeira tornou-se sócio do clube em novembro em 23 de novembro de 1928, com a matrícula nº 1074 e adquiriu cadeira cativa (101ª) em 1948 e em 1969 tornou-se sócio benemérito. Cunhou a frase (nada original): “Eu passo, o Santos continua”. 




O vereador santista Gilberto Tayfour (1941-1996), por exemplo, foi ridicularizado quando teve a ideia de incluir cemitérios em roteiro turístico da cidade de Santos. Não entenderam que um cemitério pode ser um museu a céu aberto com obras tumulares belas, mas principalmente o lugar que reúne a historia da cidade por meio dos personagens importantes e interessantes que viveram em épocas diferentes. O Cemitério do Paquetá, com 26 mil metros quadrados, é o mais antigo da cidade: data de 1854. Lá se encontram os despojos do escritor Júlio Ribeiro, dos poetas Martins Fontes e Vicente de Carvalho, e do ex-governador do Estado de São Paulo Mário Covas entre muitos outros nomes de interesse. Em São Paulo, o Cemitério da Consolação há muitos anos tem visitas guiadas. Em Paris o cemitério Père Lachaise, fundado em 1804, tem filas na entrada e os visitantes disputam folhetos com roteiro dos túmulos de interesse.




Vicente Saldanha da Cunha (1933-2006) tinha um sonho: ser radialista. A vida, entretanto, não é justa e Vicente se contentou com uma lata de velha para entrevistar muita gente importante que desconhecia o personagem e falava bonito para os senhores ouvintes inexistentes. Era conhecido como Zé Macaco e, por obra de um gaiato que lançou a candidatura dele à Câmara Municipal, tornou-se o vereador mais votado daquela legislatura. Anos depois os funcionários do gabinete do Prefeito Oswaldo Justo se cotizaram para doar um carro de som novo (nome chique para um triciclo) para Zé Macaco fazer seu trabalho: propaganda de casas comerciais do Centro Histórico, seu reduto.

Athié Jorge Coury (1904-1992) foi jogador Santos Futebol Clube, soldado constitucionalista em 1932, um Romeu inveterado sempre, dirigente do Santos Football Club, político, e emérito loroteiro. A vaidade do cavalheiro em questão e a inexperiência do repórter acabaram causando um reboliço na redação no dia em que foi publicada a minibiografia dele na coluna A PESSOA, um espaço dominical em que figuras de destaque da Baixada Santista contavam um pouco da vida e das realizações. O editor fez as contas e constatou que Athié ainda seria criança quando defendeu o primeiro gol no clube santista. O repórter que o entrevistara conferiu as anotações, constatando que o ilustre deputado e ex-goleiro do Santos mentira descaradamente sobre a data de nascimento.


E por falar em Athié Jorge Coury vem à lembrança o fechamento do Salão Crystal, que funcionou por 72 anos no mesmo endereço da Rua do Comércio, 10. Era lá que Athié e todo o pessoal da velha-guarda – políticos como ele, corretores de café, tabeliães e profissionais liberais – da cidade ia cuidar da aparência – ou seja, além de fazer as unhas, tingiam cabelo, bigode e sobrancelhas. O estabelecimento de Antônio Lopes Pia havia sido fundado em 1914 e sempre manteve uma distinta clientela, atendida em ambiente elegante, decorado com móveis de madeira maciça e espelhos de cristal. Pia morreu em 1984 e os herdeiros venderam o imóvel com o mobiliário em 1986.
“Athié: Diga ao povo que eu fico”. Outra manchete bem-humorada envolveu o velho Athié Jorge Coury, presidente do Santos, que simulou a renúncia do cargo para camuflar a saída “sem glória” de um dirigente. (novembro de 1968)


  
A edição de 22 de maio de 1986 saiu com manchete divertida. Pelo menos para o leitor. Os protagonistas da notícia devem ter se arrependido amargamente da história que divulgaram. “Invasão de São Paulo por discos voadores mobiliza Força Aérea”. Na página interna, a reportagem conta como os pilotos da FAB perseguiram 21 objetos voadores não identificados e até Osíris Silva (1931), então presidente da Petrobrás, se manifestou dizendo que vira “algumas luzes”. 

No dia 24, dois pilotos participaram de uma coletiva e em vez de OVNIS falaram em “pontos luminosos persistentes, luzes intensas que se deslocavam, rapidamente, eco-radares ou sinais luminosos não identificados”. Na foto, observa-se a situação constrangedora em que os oficiais se envolveram. E para a Aeronáutica, caso encerrado. (Ufa!)





No dia 25 de maio, o jornal publicou uma entrevista de página inteira com o Sr. Paulo Maluf, candidato ao governo do Estado de São Paulo, que “promete obras e a moralização do governo”. UAU! 






sexta-feira, 29 de junho de 2018

HERANÇA PORTUGUESA




Festa portuguesa sem comida não existe. E os festejos juninos que se encerram hoje são uma herança portuguesa com certeza. Junho, mês dedicado aos santos do povo: Santo Antônio (13), São João (24) e São Pedro (29). As festas são ecos das antigas comemorações pagãs do solstício de verão no hemisfério Norte. No ambiente urbano dos tempos atuais, as comemorações foram transferidas do arraial para as escolas e igrejas e entidades afins. Sem balão nem fogueira, as mesas enchem-se com milho verde, caldo verde, sardinha na brasa, batata doce, pipoca, pé de moleque, canjica, bolo de fubá, maçãs do amor e outras guloseimas que o patrocinador da festança ache bom incluir.
Como dizem os portugueses “sardinha de são João já pinga no pão”. Não escapa nem o carneiro do santo: “O são João do convento/ tem aos pés um carneirinho;/ Vamos comê-lo assado,/ que S. João paga o vinho”. Enquanto a criançada fica com os sucos, os adultos se empapuçam de quentão ou vinho quente. Naturalmente, a música é componente importante e sanfoneiros e violeiros fazem parte do cenário tradicional, mas nos dias de hoje na falta dos artistas, um aparelho de som resolve o problema.
Lamartine Babo (1904-1963) é o autor da marchinha que reúne os três santos e que Carmem Miranda (1909-1955) e Mário Reis (1907-1981) gravaram em 1934.

ISTO É LÁ COM SANTO ANTÔNIO

Eu pedi numa oração
Ao querido são João
Que me desse um matrimônio
Matrimônio! Matrimônio!
Isto é lá com santo Antônio!

Implorei a são João
Desse ao menos um cartão
Que eu levava a santo Antônio
São João ficou zangado
São João só dá cartão
Com direito a batizado

São João não me atendendo
A são Pedro fui correndo
Nos portões do paraíso
Disse o velho, num sorriso:
- minha gente, eu sou chaveiro!
Nunca fui casamenteiro!

São João não me atendendo
A são Pedro fui correndo
Nos portões do paraíso
Matrimônio! Matrimônio!
Isto é lá com santo Antônio

Balões são bonitos, mas fazem parte do passado. 
Soltar balões é crime. Eles são também um sério risco para a aviação.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

GOSTEI MUITO, EMBORA SEJA OUTRA PESSOA.

Rua da Consolação. Depois de uma visita à Chácara Lane, que frequentei bastante, desci até o farol e, enquanto esperava o verde, eis o que encontrei! Amei, embora seja outra Hilda,naturalmente. Provavelmente, Hilda Hist (1930-2004), já que Hilda Maia Valentim (1930-2014) dedicava-se a outras escritas que a fizeram famosa como Hilda Furacão.


segunda-feira, 25 de junho de 2018

INVERNO FLORIDO
Praça da Liberdade


Não gosto de fotografar pessoas, mas quando saí da estação do metrô, os dois jovens conversavam sob esse buquê natural e deixei para fotografar a árvore na volta; entretanto, meia hora depois eles continuavam no mesmo lugar, talvez indiferentes ao belo cenário. Assim, resolvi incluí-los sem identificá-los. 

domingo, 24 de junho de 2018

SONHO DE PAPEL
Carlos Braga e Alberto Ribeiro

E o balão vai subindo, vem caindo a garoa
O céu é tão lindo e a noite é tão boa
São João, São João!
Acende a fogueira no meu coração!
E o balão vai subindo, vem caindo a garoa
O céu é tão lindo e a noite é tão boa
São João, São João!
Acende a fogueira no meu coração!

Sonho de papel a girar na imensidão
Soltei em seu louvor, um sonho multicor
Oh, meu São João!

Meu balão azul foi subindo devagar
O vento que soprou meu sonho carregou
Não vai mais voltar!
  
Festa de São João, óleo sobre tela de Heitor dos Prazeres (1898-1966).


Balões são bonitos, mas fazem parte do passado. Soltar balões é crime. Eles são também um sério risco para a aviação.

Lei de Crimes Ambientais
Lei nº 9.605/1998
Art. 42. Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano:
Pena - detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.


sábado, 23 de junho de 2018

Quando Está Frio no Tempo do Frio

QUANDO ESTÁ FRIO no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável, 
Porque para o meu ser adequado à existência das cousas 
O natural é o agradável só por ser natural. 

Aceito as dificuldades da vida porque são o destino, 
Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno — 
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita, 
E encontra uma alegria no fato de aceitar — 
No fato sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável. 

Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece 
Senão o Inverno da minha pessoa e da minha vida? 
O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço, 
Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime, 
Da mesma inevitável exterioridade a mim, 
Que o calor da terra no alto do Verão 
E o frio da terra no cimo do Inverno. 

Aceito por personalidade. 
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos, 
Mas nunca ao erro de querer compreender demais, 
Nunca ao erro de querer compreender só corri a inteligência, 
Nunca ao defeito de exigir do Mundo 
Que fosse qualquer cousa que não fosse o Mundo. 


Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos", heterônimo de Fernando Pessoa. 


"Le Boulevard de Clichy, par un temps de neige" (1876). de Norbert Goeneutte (1854-1894).

sexta-feira, 22 de junho de 2018

MATARAZZO, ANDRAUS E SCHAUMANN.

Na Avenida Paulista.
O segundo morador da Avenida Paulista foi Francesco Antônio Maria Matarazzo (1854-1937), imigrante italiano que se tornou o homem mais rico do Brasil, graças ao seu talento empreendedor. Manteve-se nesse patamar por várias décadas. Francisco Matarazzo comprou em 1896 o lote 83 na esquina com a Rua Pamplona, contratou o engenheiro Giulio Saltini e o mestre de obras Luigi Mancini, ambos italianos, para fazer o projeto da casa. Com o passar dos anos ele foi adquirindo lotes vizinhos para ampliar a propriedade. Quando Francesco, mais conhecido como Francisco Matarazzo morreu, assumiu o comando da família Francisco Matarazzo Jr. (1900-1977), que comandou a grande reforma da casa. 
Depois de avaliar vários trabalhos apresentados, Francisco Matarazzo Jr. (Chiquinho Matarazzo) aprovou o projeto do arquiteto italiano Tomaso Buzzi (1900-1981), que ele conheceu durante uma visita de Buzzi ao Brasil. A reforma se processou durante o período da II Guerra e a comunicação entre ambos ocorreu por cartas. Assim, em 1940 em pleno conflito mundial o novo palacete em estilo neoclássico ficou pronto: tinha 4.400 metros quadrados de área construída em terreno de doze mil metros quadrados. Eram dezenove quartos, dezessete salas, uma biblioteca – em que se destacavam livros raros –, refeitórios e três adegas (Evoé Baco!). Havia ainda piscina e adega. O acabamento e a pintura combinavam com o mármore travertino, que revestia alguns cômodos da mansão – parte dele, sobras do edifício Matarazzo do Anhangabaú. O mobiliário incluía móveis venezianos, mesas chinesas e todas as preciosidades que o dinheiro dos Matarazzo podia comprar.
        Em 1917 Francesco recebeu do rei Vitor Emanuel III o título de conde como agradecimento pela ajuda financeira à Itália durante a I Guerra (1914-1918). Chiquinho Matarazzo herdou o título. Assim, nada mais natural que a família tivesse um brasão. E a mansão da Avenida Paulista ostentava no pórtico de entrada o brasão esculpido em mármore de Carrara. Pesava 150 kg.
        Com as grandes transformações econômicas e sociais, a família deixou o palacete e o destino da propriedade gerou muita discussão na cidade, o que não impediu a demolição da Vila Matarazzo em 1996. Uma polêmica que, na verdade, se repetia: na década anterior a “Casa Mourisca” já fora demolida.
O campineiro Henrique Schaumann (1856-1922) formou-se em Farmácia na Alemanha, país de origem de sua família, fundadora da famosa Botica “Ao Veado d’Ouro” (Rua São Bento) que ele ao retornar assumiu e anos depois vendeu, dedicando-se especialmente à política. Em 1906 Henrique Schaumann foi morar perto do cunhado Von Büllow à Avenida Paulista, esquina com a Alameda Joaquim Eugênio de Lima. O projeto era dos engenheiros Augusto Fried e Carlos Ekman. Em 1934, o empresário Abraão Andraus, imigrante libanês e um dos sócios da Casa Três Irmãos, na Rua Direita, perto do Largo da Misericórdia, comprou o imóvel, contratou o construtor José Câmara para realizar o projeto de uma grande reforma que o transformou na famosa “Casa Mourisca”. O Oriente estava em todos os lugares do palacete: salas, quartos e banheiros. Uma visão europeizada do Oriente.
José Câmara já havia feito a reforma da casa 63a da Paulista, entre 1933 e 1934, introduzindo a moda do orientalismo na avenida. O cliente era o irmão de Abraão e sócio da Casa Três Irmãos: Amin Andraus. Amin foi mais comedido. O casarão tinha como destaque no interior um fumoir com pinturas ornamentais orientais e o mobiliário com incrustações de madrepérola, proveniente de Beirute, como narra Renato Brancaglionere Cristofi em sua dissertação de mestrado*, apresentada na FAU/USP em 2016.
Cristofi reuniu em seu trabalho várias fotos do interior da residência de Amin Andraus: “Nessas fotografias (...) percebemos como era novamente diversificado o conjunto de resultados criativos do que seria um palacete mourisco, concebido nessa tênue fronteira entre os elementos e sentidos da representação do Oriente e as expectativas  do viver à francesa’”. A “Casa Mourisca” encantava a todos, mas em 1982 os proprietários (família Lotaif) não se comoveram com a repercussão negativa da decisão de demolir a mansão antes que ela fosse tombada pelo patrimônio histórico como um marco da arquitetura paulistana. Na calada de uma noite de julho de 1982, foi posta abaixo.

* “O orientalismo arquitetônico em São Paulo – (1895-1937)”, disponível para leitura na Internet.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

A PAULISTA QUE DESAPARECEU


Von Bülow e a esposa Anna Luise Schaumann, 1905.
O primeiro morador da Avenida Paulista foi o cervejeiro dinamarquês Adam Ditrik Von Bülow (1840-1923). O cavalheiro em questão veio para o Brasil em 1865 e em 1867 mudou para São Paulo para dar aulas em uma escola alemã. Mais dois anos e Von Bülow foi para Santos trabalhar na importadora Budich & Co. e mais tarde tornou-se sócio da empresa. Os negócios progrediram e em 1876 ele fundou a Zerrenener, Bülow & Cia., especializada em importação de cevada, lúpulo e equipamentos para beneficiamento de cerveja. O principal cliente dele era a Cia. Antárctica Paulista, cervejaria fundada em 1891 por Joaquim Salles, Luiz Campos Salles, José A. Cerqueira, Luiz de Toledo Pizza, Antonio Penteado e José Penteado Nogueira. Quando a Antárctica começou a ter problemas financeiros, Von Bülow assumiu a presidência da empresa.

Bem sucedido, o dinamarquês encomendou o projeto da casa (nº 91) para a nova avenida (entre as Alamedas Campinas e Joaquim Eugênio de Lima) ao arquiteto alemão Augusto Fried em 1895. De linhas elegantes e sóbrias, o palacete tinha um torreão que foi muito útil para o fotógrafo suíço Guilherme Gaensly (1843-1928) tirar belas fotos da Paulista em franco crescimento. O palacete foi demolido em meados do século passado, sendo substituído pelo Edifício Pauliceia (1959).
Um dos vizinhos de Von Bülow foi o médico Nicolau Mendes Barros (1876). Ele era casado com dona Francisca Paulino Nogueira de Moraes Barros, filha do banqueiro José Paulino Nogueira, diretor da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Contratou o escritório de Ramos de Azevedo para execução do projeto em 1902. O terreno tinha frente para Paulista e fundos para a Rua São Carlos do Pinhal. A lateral dava para a Alameda Rio Claro.

A casa ficava em meio a um jardim, com um bosque ao lado. Havia dois alpendres e um deles dava acesso ao vestíbulo, seguindo-se uma saleta, o sala de visitas, sala de jantar e escritório. No vestíbulo também ficava a escada para o piso superior. Cozinha, copa, despensa e toilette separado do banheiro encontravam-se nos fundos atrás da sala de jantar. No andar de cima, o dormitório do casal, dois quartos de vestir, o quarto das moças com lavatório, o quarto dos moços. A governante dormia com as meninas. Havia um banheiro apenas. O mobiliário era importado de Londres e Paris ou feito pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. O enxoval da casa era francês. A edícula tinha dupla função: os quartos eram usados pelos empregados enquanto a sala de jantar foi transformada pelos rapazes em sala de ginástica. Interessante que o copeiro da família também era japonês. Quando os filhos casaram, Mendes Barros construiu uma casa para cada um na área dos jardins. A família permaneceu no mesmo endereço até 1972. 
Foto: fotógrafo desconhecido, Wikipedia. 

domingo, 17 de junho de 2018


O QUE NÃO SE VÊ MAIS NA PAULISTA
Os palacetes dos primórdios da Avenida Paulista garantiram o prestígio do endereço paulistano e, mesmo depois de vendidos e demolidos, continuam pairando por lá, acendendo a imaginação de várias gerações. A Vila de Horácio Belfort Sabino (1869-1950), por exemplo, no final da avenida, ocupava o quarteirão da Rua Augusta, Alameda Santos e Rua Padre João Manoel (Conjunto Nacional). Sabino contratou o arquiteto francês Victor Dubugras (1868-1933) para a realização do projeto de sua casa de campo, pois residia com a família na Rua General Jardim.
A casa em estilo art nouveau ficou pronta em 1904. As visitas entravam por uma varanda lateral com vitrais que dava acesso ao jardim de inverno e ao escritório. No térreo, ficavam as salas de jantar e de visitas – destaque para o piano de cauda Pleyel, a sala de almoço das crianças e de costura; um corredor conduzia à copa e à escada de serviço. A cozinha ficava separada, um anexo em que se encontravam também a despensa e o quarto de empregada. O porão abrigava adega, lavanderia, despensa, quarto de brinquedos e respiradouro. No piso superior, havia três quartos, três toilettes, um banheiro completo e dois terraços. A entrada de serviço era pela Alameda Santos, onde se achavam as edículas destinadas às famílias do copeiro japonês e do motorista, que conduzia um Mercedes-Benz. O luxo, naturalmente, estendia-se ao mobiliário, que era importado da França. Na sala de visitas, móveis dourados, mas no resto da casa imperava o estilo art nouveau. A tapeçaria era Aubusson. Sabino apreciava a natureza e gostava especialmente de carvalhos – havia plantado um na entrada principal (Avenida Paulista) e as folhas e frutos dessa árvore eram o principal ornamento dos lambris, escadas e móveis da propriedade. Sabino, antes de iniciar a construção do palacete, cuidara de formar o parque, a horta e um pomar, afinal, seria uma casa de campo.
A fortuna de Horacio Sabino, formado em Direito (Largo de São Francisco), foi consolidada por meio de transações imobiliárias – foi o primeiro a vender terrenos a prestações em São Paulo; herdou da sogra terras, que loteou formando o Jardim América em homenagem à esposa. A área foi negociada com a Cia. City da qual mais tarde tornou-se sócio. Ele era casado com América Milliet e o casal tinha quatro filhas – América, Marina, Helena e Sylvia.
O casarão foi o primeiro a ser demolido, dando início à nova avenida, no final da primeira metade do século passado.

AVENIDA PAULISTA E O VERDE



Nesse mostruário de arquitetura contemporânea, em que se transformou a Avenida Paulista, há muitas surpresas para apreciadores da natureza. Como o belo jardim do Hospital Santa Catarina que tem 3 925 metros quadrados, com uma pequena área aberta ao público entre a entrada do estacionamento e a capela; porém, com o agendamento de uma visita é possível conhecer a área principal. Nesse espaço cheio de tranquilidade, existem 100 tipos de plantas: além de rosas e orquídeas, há hortênsias, gardênias, jasmim, antúrios e camélias entre cerca de 180 árvores – ciprestes, cerejeiras e pinheiros –, e palmeiras. Uma delicada escultura de São Francisco de Assis se destaca em meio ao verde e mais adiante há um insólito grupo de anõezinhos. Nos fundos, encontram-se uma gruta e um lago com carpas coloridas. Sabiás, periquitos, bem-te-vis, beija-flores, rolas, pardais e papagaios se encarregam de alegrar o ambiente com seus gorjeios e cantorias. Inaugurado em 6 de fevereiro de 1906, como Sanatório, o Hospital Santa Catarina foi criado por iniciativa da Irmã Beata Heinrich, do médico austríaco Walter Seng e de Dom Miguel Kruse. A visita agendada inclui o acervo histórico da instituição, como fotos de época, mobiliário, objetos usados pelas equipes médicas e mesmo artigos pessoais. Avenida Paulista, 200. Telefone para agendamento: 11-3016-4155.  Metrô Brigadeiro.
Do outro lado da avenida, há o famoso jardim que se sobrepõe ao Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura mais conhecido como “Casa das Rosas”. O palacete de 1935, que leva assinatura de Ramos de Azevedo, está bem preservado e a iniciativa de tornar o jardim em passagem da Avenida Paulista para a Alameda Santos foi muito bem sucedida. Na edícula, funciona um café sempre cheio. Avenida Paulista, 37. Metrô Brigadeiro.
            Vale a pena observar o prédio da esquina da Avenida Paulista (altura do nº 1230) com a Rua Pamplona até a Rua São Carlos do Pinhal, onde a calçada se destaca pela beleza do ajardinamento simples. O pedestre pode caminhar pela calçada junto da pista de carros ou subir alguns degraus para desfrutar de tranquilidade, sentando-se em um dos bancos para uma pausa, uma leitura ou um sorvete amigo. Metrô Trianon-MASP.
         Mais adiante, do lado esquerdo da avenida, encontra-se o Parque Municipal Prefeito Mario Covas, criado em 2010.  Com 5.396 m², a área fazia parte da propriedade do advogado René Thiollier (1882-1968) – organizador da Semana de Arte Moderna e um dos fundadores do Teatro Brasileiro de Comédia – TBC. Ao vender o imóvel a família exigiu, em escritura pública, que toda a área verde fosse preservada. A cidade agradece. O visitante desfruta de um bosque agradável em que se destacam o pinheiro-do-paraná, figueira-da-índia, cafeeiro, cedro, mangueira, paineira etc.
Avenida Paulista, 1853. Metrô Trianon-MASP.  
Quem jura que o Trianon fica na Avenida Paulista, engana-se. O endereço é Rua Peixoto Gomide, 949. Mas não faz mal, porque ninguém escreve para o Fauno, escultura de Victor Brecheret que se encontra no Parque. A obra é de 1941/42. Trianon era a denominação do belvedere que existia na área que o MASP ocupa como escrevi antes; o bosque em frente ao belvedere já estava destinado por Joaquim Eugênio de Lima (pai da avenida) para ser um parque, que foi criado pelo paisagista Barry Parker e era uma complementação do Trianon. Em 1931 a área ganhou o nome de Parque Tenente Siqueira Campos, em homenagem ao militar, que participara a Revolta do Forte de Copacabana (1922) e acabara de morrer em acidente de avião. Ninguém ligou para o nome novo. Assim, o Trianon resistiu. E resistiu bravamente a todas as mudanças da Avenida Paulista. As autoridades desistiram.
Ele tem 48.600 m² de vegetação remanescente de Mata Atlântica (há algumas exóticas). Existem 135 espécies registradas – destas oito estão ameaçadas como a cabreúva e o chichá. Vale a pena conhecer o araribá-rosa, o cedro e o jequitibá entre várias outras árvores nativas. A fauna é pobre, afinal, bem mais difícil para os animais se adaptarem a um ambiente tão urbano quanto a Avenida Paulista. A Prefeitura registra principalmente a presença de “seres alados”: sete espécies de morcegos e duas de borboletas (só, felizmente) e 28 de aves – entre as quais alma-de-gato, pitiguari, quiri-quiri, saíra-amarela e tico-tico. Há também a rãzinha-piadeira, característica de Mata Atlântica. O parque ocupa duas quadras da Avenida Paulista à Alameda Jaú. Uma passarela sobre a Alameda Santos mantém a sua unidade.    

sexta-feira, 15 de junho de 2018

PIONEIRISMO PORTUGUÊS
Há 96 anos os militares portugueses Carlos Viegas Gago Coutinho (1869-1959) e Artur Sacadura Freire Cabral (1881-1924) concluíam com sucesso a primeira travessia aérea do Atlântico Sul ao amerissarem no Rio de Janeiro, procedentes de Lisboa, tornando-se heróis nos dois países. A viagem, que fazia parte das comemorações do centenário da independência do Brasil, não foi exatamente tranquila. A grande aventura começou, no dia 30 de março de 1922, às 7 horas da manhã, em Lisboa, onde eles embarcaram no “Lusitânia”, um hidroavião monomotor Fairey F III-D MKll, equipado com um motor Rolls-Royce. Sacadura Cabral pilotava enquanto Gago Coutinho se encarregava da navegação, com auxílio de um aparelho que ele inventara e denominara horizonte artificial. O invento revolucionou a navegação aérea que estava apenas no início.
Os aviadores e seu voo pioneiro. 
A dupla chegou no mesmo dia a Las Palmas (Ilhas Canárias); no dia 5 de abril partiu para a Ilha de São Vicente (Arquipélago de Cabo Verde), onde os dois ficaram para manutenção do hidroavião; os aviadores partiram para o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, já em águas brasileiras, onde chegaram no dia 18. O hidroavião sofreu danos durante a amerissagem e Gago Coutinho e Sacadura Cabral foram recolhidos por um cruzador português que os levou até Fernando de Noronha. A marinha portuguesa enviou o “Pátria”, outro hidroavião Fairey para conclusão da viagem, entretanto, quando voltavam ao Arquipélago de São Pedro e São Paulo no dia 11 de maio para reiniciar o voo a partir do trecho interrompido, houve uma pane no motor que os obrigou a amerissar. Os dois ficaram 9 horas no mar até serem resgatados por um cargueiro inglês e levados novamente para Fernando de Noronha. Novo hidroavião foi enviado para o arquipélago. Desta vez, o “Santa Cruz”, que funcionou adequadamente, permitindo que os portugueses chegassem em segurança a Recife e, após escalas em Salvador, Porto Seguro, Vitória e, finalmente, chegaram Rio de Janeiro no dia 17 de junho, amerissando na Guanabara.
        Gago Coutinho e Sacadura Cabral percorreram 8.383 quilômetros em sessenta e duas horas e vinte e seis minutos na travessia, descontado o tempo com os imprevistos. O povo brasileiro homenageou os dois com muitas festas, que continuaram em Portugal, quando os aviadores retornaram. Eles estiveram em Santos e, na Praça Rui Barbosa, participaram do lançamento da pedra fundamental do monumento, em homenagem a outro pioneiro, o padre santista Bartolomeu de Gusmão (1685-1724), inventor da passarola e responsável por diversas experiências com balões.  

quarta-feira, 13 de junho de 2018


SANTOS, CAPITAL DE SÃO PAULO.

Não errei. Uma vez por ano, exatamente, dia 13 de junho, Santos é a capital simbólica do Estado de São Paulo. Trata-se de uma homenagem ao Patriarca da Independência, o santista José Bonifácio de Andrade e Silva, nascido no dia 13 de junho de 1763. A homenagem foi instituída por pelo decreto nº 50.872, de 12 de junho de 2006, assinado pelo governador Cláudio Lembo.
Praça do Patriarca, Centro, São Paulo, 2009.
José Bonifácio foi o mentor da independência do Brasil, proclamada pelo príncipe D. Pedro em 1822: “é a figura central numa formulação que o Brasil teria de si mesmo como nação” (historiador Jorge Caldeira). Além de estadista, ele foi um renomado cientista (mineralogista) e pesquisador; ele demonstrou já no século XIX preocupações com o meio ambiente.
O santista é considerado fundador da Marinha do Brasil, que atribuiu o nome dele a três embarcações: Iate José Bonifácio (incorporado em 1915 e em ação até 1923); Cruzador José Bonifácio ou Cruzador Andrada (1894-1923) e Navio Hidrográfico/Auxiliar José Bonifácio, em operação de 1923 a 1963. Os restos mortais do Patriarca da Independência, que morreu em 1838, encontram-se no Panteão dos Andradas, em Santos (Praça Barão do Rio Branco, 16), junto com os irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco.




terça-feira, 12 de junho de 2018

DIA DOS NAMORADOS?

Com um pouco de humor.

“O amor é um não sei o quê, que vem de não sei onde e que acaba não sei como.” Mademoiselle (Madeleine) de Scudéry (1607-1701), escritora francesa.

 “Ama o teu próximo. Se ele for alto, moreno, bonitão, será mais fácil.” Atriz norte-americana Mae West (1893-1980).

“O amor é uma tragédia em dois atos: um civil e um religioso.” Barão de Itararé, pseudônimo de Apparicio Torelly (1895-1971).

“Eu te amarei para sempre – eu disse. Ela se virou para a parede e disse aoenas: Basta me amar todos os dias.” Escritor francês (nascido em Marrocos) Daniel Pennac (1943).

“Para ser amado seja amável.” Poeta romano Ovídio (43 a.C.-17/18 d.C.)

“Sabe o que é melhor que ser bandalho ou galinha? Amar. O amor é a verdadeira sacanagem.” Maestro Tom Jobim (192701994).


Terminando com a música de Dolores Duran (1930-1959) e Carlos Lyra (1939): “O negócio é amar”, na interpretação de Leny Andrade )1943). 

segunda-feira, 11 de junho de 2018


O AMOR ACABA
“O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão (...)” Paulo Mendes Campos, anos 1960.   


Vincent van Gogh:Agostina Segatori em Le Tambourin, 1887-1888.

sábado, 9 de junho de 2018


OS SONS DA AVENIDA PAULISTA

Há alguns anos num início de noite, ouvi a “Bachianas Brasileiras nº 5”, de Villa-Lobos, interpretada por uma soprano maravilhosa, acompanhada por um violinista, à porta do Conjunto Nacional. Que presente! Muita gente parou para ouvir. Aplausos gerais no final. Uma apresentação inesquecível. Assim, podem ser os sons da Avenida Paulista – do erudito ou popular, ótimos ou detestáveis, confundindo-se com o barulho do cotidiano.
Paulista, a partir do Instituto Moreira Salles.
O primeiro barulho pode ter sido o do machado abatendo a vegetação do Caaguassu, depois o da instalação dos trilhos do bonde, seguido do próprio bonde, muito embora os primeiros moradores usassem tílburis ou carruagens até que o primeiro automóvel aparecesse na cidade, dirigido por Henrique, irmão de Alberto Santos Dumont, em 1901. Atualmente, passam pela Avenida 90 mil carros por dia*. Ela recebe ainda no mesmo período mais de 250 ônibus por hora! Dados não atualizados mostram que 1.500.000 pessoas circulam por lá diariamente. Muito mais que o triplo da população de Santos! 
Os motoristas costumam se expressar por meio das buzinas - (raiva, pressa e avisos). A população também gosta de se manifestar nesse endereço nobre da cidade e marca comemorações e protestos por lá; e até vai ver marmanjos correrem (ou correr também) na S. Silvestre ou se torna criança diante de enfeites de Natal (cada vez mais raros). Pode-se, exagerando um pouco, dizer que na Paulista é carnaval todo dia.
Sirenes não faltam – das ambulâncias, da polícia e às vezes dos bombeiros – sempre um susto. No início da noite de 21 de maio de 2000, o prédio da CESP/Center 3 pegou fogo e o incêndio causou um morto e 300 feridos. A sirene mais agradável e pontual é a da Gazeta (Fundação Cásper Líbero), que soa ao meio dia avisando os mais distraídos que é hora da pausa de almoço – ou pelo menos está próxima. Sem sirene, porém, muito vistoso, é o relógio digital do Conjunto Nacional que foi colocado lá em 1962 e também já deu muito pano para manga...   
A ciclovia

A Paulista é uma obra por terminar, porque sempre se reinventa. Por exemplo: a construção da ciclovia, inaugurada em 28 de junho de 2015. Desde dia 25 de junho de 2016, ela passou, oficialmente, a fazer parte do Programa Ruas Abertas. Assim, aos domingos e feriados a avenida é fechada aos veículos e aberta aos pedestres. Claro que antes teve muita briga, mas faz parte de todo processo de mudança. E se paulistano não tem praia, tem a Avenida Paulista - “a mais paulista das avenidas”, segundo o bordão criado pelo jornalista Luiz Carlos Gertel (ex-Rádio Bandeirantes).












*O ESTADO DE S. PAULO, 25/11-2014.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

AVENIDA PAULISTA

Então, Todos Foram Embora...

A II Guerra Mundial terminou em 1945 e com ela o velho estilo de vida. O primeiro sinal veio mesmo em pleno conflito, quando em 1941 surgiu no final da Avenida Paulista o Edifício Anchieta que, provavelmente, não teria aprovação de José Eugênio de Lima, idealizador da Avenida. O prédio, encomendado pelo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI) ao escritório carioca de arquitetura MMM Roberto, tem apartamentos simples (60) e duplex (12). O objetivo do IAPI era alugar os apartamentos para os funcionários, mas... Isso é outra história. O segundo prédio da avenida Paulista também leva um jeito carioca e data do início dos anos 1950: o Nações Unidas, na esquina da Avenida Brigadeiro Luis Antônio (lado par). O projeto é do arquiteto Abelardo Riedy de Souza.
Inauguração da Avenida Paulista, aquarela de Jules-Victor-André Martin (1832-1906).

O primeiro casarão a vir abaixo foi o de Horácio Sabino (1869-1950), na esquina com a Rua Augusta, projetado por Victor Dubugras (1868-1933). O palacete foi vendido pelos herdeiros ao argentino José Tjurs, que construiu o Conjunto Nacional, inaugurado em 1956. O projeto tem assinatura do arquiteto David Libeskind (1928-2014).  
Em 1951 o belvedere do Trianon já fora abaixo para a implantação de um pavilhão para abrigar a I Bienal Internacional de São Paulo. O terreno havia sido doado por Joaquim Eugênio de Lima à Prefeitura sob a condição de que se mantivesse a vista para o vale onde um dia houvera o riacho Saracura. O empresário, jornalista e oportunista Assis Chateaubriand (1892-1968) conseguiu um acordo com a prefeitura paulistana (Ademar de Barros) e a arquiteta Lina Bo Bardi fez o projeto da sede do MASP de forma a atender os desejos de Joaquim Eugênio de Lima, criando o famoso vão livre de 74 metros, obra viabilizada pelo engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz (1918-1994). A construção arrastou-se por dez anos, sendo inaugurada em 1968.
A Avenida Paulista residencial de José Eugênio de Lima durou pouco mais de meio século e no lugar dela brotaram os arranha-céus estilosos, alguns residenciais, outros mistos, mas a maioria comercial.
Dos velhos tempos resta pouco. O palacete do coronel Joaquim Franco de Mello, bastante deteriorado, mas sem perder a majestade. Em estilo eclético (mistura de várias tendências arquitetônicas), a casa está situada em um terreno de 4720m e tem 35 cômodos. Ficou também a Casa das Uvaias (1905), com 11 cômodos,  e que pertenceu a Álvaro da Rocha Azevedo (1869-1942), advogado e ex-prefeito de São Paulo. Um presente do sogro, Joaquim Eugênio de Lima. O arquiteto foi João Gullo. Infelizmente, ainda não encontrei referências sobre o casarão em que funcionou a lanchonete Mc Donald.
Quem sabe, se tantos anos depois, o empresário Joaquim Eugênio de Lima aprovaria a Avenida Paulista...

CURIOSIDADE: uvaia é uma fruta cítrica nativa, rica em vitamina e utilizada para sucos.
Fotos: Hilda Prado Araújo, 2018.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

ERA UMA VEZ UMA AVENIDA....

Joaquim Eugênio de Lima (1845-1902) radicou-se em São Paulo em meados da década de 1860; era formado em agronomia na Alemanha e, na capital paulista dedicou-se ao ramo imobiliário. Como bom profissional, ele observou que a cidade crescia em direção ao morro do Caaguassu (mata virgem), subindo pelo Caminho de Carro de Santo Amaro (atual Rua da Liberdade) e pelo Caminho de Pinheiros ou Rua Nossa Senhora da Consolação. Joaquim Eugênio de Lima viu mais que mato, vislumbrou um ótimo negócio no topo do morro de 844 metros de altura, que além de tudo era largo e reto. Como ponto mais alto da região oferecia uma vista bonita e ainda atendia aos ideais do higienismo então em moda. Ele pensou grande: imaginou uma avenida reta com trinta metros de largura e 2.500 metros de comprimento, destinada aos muito ricos. 

A ideia começou a se concretizar: arranjou dois sócios e em 1890 iniciaram a compra dos terrenos para implantação do projeto, que tinha espaço reservado para um parque e um belvedere com vista para o vale do riacho Saracura (atual Avenida Nove de Julho). A nova avenida, que terminava na descida em direção ao riacho Pacaembu, foi inaugurada em 1891 já com uma linha de bondes, mas sem nenhuma casa. Para o jornalista Roberto Pompeu de Toledo[1], a Avenida Paulista foi uma das duas obras “que podem ser consideradas as mais marcantes e decisivas do período de transição entre a Monarquia e a República em São Paulo”. A outra foi o Viaduto do Chá.



[1] “A Capital da Solidão”, Roberto Pompeu de Toledo.

No início do século XX, os palacetes floresciam no antigo Caaguassu e começavam a chegar os moradores. Para surpresa geral, os cafeicultores não eram a maioria. Estavam chegando as famílias de imigrantes bem sucedidos na indústria e os sobrenomes italianos se destacavam entre árabes, espanhóis e alemães. A primeira família a marcar presença foi a do cervejeiro dinamarquês Von Bülow, que chegou em 1895. O segundo morador, ninguém menos que Francisco Matarazzo e logo depois todos os outros. Mais tarde chegaram os imigrantes árabes: Racy, Calil, Abadallah, Salem... 

O belvedere da Paulista, que recebeu o nome de Trianon, foi inaugurado pelo prefeito Washington Luís em 1916. O projeto do escritório de Ramos de Azevedo incluía um prédio de dois andares com bar, restaurante, salão de chá, salão de baile e até um observatório. Só que esse Trianon era no espaço onde hoje se encontra o MASP. Dali via-se o centro da cidade e a serra da Cantareira. 

A Estação do Metrô Trianon-MASP.

O parque do lado esquerdo da avenida só foi criado mais tarde, como uma continuação do Trianon. A tarefa coube ao arquiteto e urbanista inglês Berry Parker (1867-1947)[1]. Parker projetou uma pérgula combinando com o Trianon do outro lado da avenida, deu um jeito na vegetação, abrindo clareiras e podando árvores, mantendo, entretanto, aquele “pedaço de floresta primitiva em sua glória natural”. Foi assim que a Avenida Paulista manteve uma bela amostra da Mata Atlântica, vegetação hoje ameaçada de extinção. Em 1931 o Parque passou a ser chamado de “Siqueira Campos”, mas não funcionou. Os moradores continuaram a chamá-lo de Trianon. E quando o primeiro Trianon foi demolido em 1957 para dar lugar ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), a cidade já tinha o outro parque que, embora se chamasse “Siqueira Campos”, para a população continuava sendo Trianon.



[1] Roberto Pompeu de Toledo.


(Observação: Joaquim Eugênio de Lima nasceu no Uruguai, mas era brasileiro.)
Continua.


O MASP substituiu o Trianon original, mas o famoso vão livre manteve a vista para o vale.
Anhanguera, de Brizzolara, em frente ao Trianon.
* A Capital da Vertigem, de Roberto Pompeu de Toledo, Editora Objetiva.