sexta-feira, 17 de maio de 2024

PASSEIOS EM SERVIÇO

“Atravessou a ponte Scalzi e entrou no labirinto de ruelas que levavam ao apartamento. Mesmo àquela hora, cruzou com poucos transeuntes, pois quase todos iam de barco à estação ou ao terminal de ônibus da Piazzale Roma. Geralmente ficava de olho nas fachadas dos prédios, nas janelas altas, nas vielas, atento a qualquer coisa que porventura ainda não tivesse notado. Tal como boa parte dos seus conterrâneos, não se cansava de estudar a cidade, alegrando-se toda vez que topava com algo em que não havia reparado antes. Com o passar dos anos, criou um sistema que lhe permitia recompensar-se a cada descoberta: uma janela nova valia um café. A nova estátua de um santo, mesmo que pequeno, rendia um copo de vinho; e uma vez, anos antes, achara numa parede, pela qual passava cinco vezes por semana desde a infância, uma inscrição em pedra marcando a sede da editora Aldine, a mais antiga da Itália, fundada no século XIV. Na ocasião, simplesmente virou a esquina, entrou no primeiro bar do Campo San Luca e pediu um Brandy Alexander, embora fossem dez horas da manhã e o garçom o tivesse servido com cara de poucos amigos.”

Este andarilho é o comissário de polícia Guido Brunetti, um personagem criado pela escritora Donna Leon (1942), norte-americana radicada em Veneza – cenário de suas histórias policiais. Com Brunetti o leitor conhece um pouco dessa cidade situada sobre uma lagoa pantanosa, no caminho de casa ou de suas investigações. Gostei do sistema de recompensas... 

Veneza: "A Entrada ao Grande Canal", 1725. Tela de Canaletto (1697-1768).


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