“O passado não reconhece
seu lugar: está sempre presente”, já dizia Mário Quintana. O tempo presente
oferece sempre novas descobertas que aproveitamos bem ou mal conforme
construímos nossas vidas ou fazemos nossas escolhas. Assim, escrever sobre o
Jornal CIDADE DE SANTOS, que circulou pela primeira vez em 1º de julho de 1967,
não é saudosismo. Folhear a coleção do jornal que fechou há 31 anos permite uma
avaliação das mudanças que ocorreram nessas décadas e nos lembremos dos amigos
que fizemos entre uma reportagem e outra, ao som do batuque das pretinhas,
aspirando toneladas de fumaça de cigarro, charuto ou cachimbo, bebericando
litros de café requentado, enquanto os telefones enlouquecidos contribuíam para
a poluição sonora. Às chefias cabia se torturar com o fechamento da edição e
cobrar as matérias dos repórteres – era o balanço das horas no início da noite.
Sem dúvida as mudanças no
ambiente de trabalho foram para melhor. As máquinas de escrever desapareceram,
substituídas pelos computadores silenciosos, rápidos, dotados de corretores de
texto (que às vezes também fazem barbaridades); as laudas sumiram junto com o
papel carbono. Latas de lixo cheias de laudas amassadas, denunciadoras da ânsia
por um texto mais bem acabado, são coisa do passado. Imprime-se apenas o texto
final, redondinho, se tanto... Ao silêncio das máquinas de escrever, some-se o
fim das baforadas furiosas entre um parágrafo e outro. As novas gerações
aspiram ar puro. Será? Fumar tornou-se um estigma. Creio que restou o
cafezinho. Talvez descafeinado Quem sabe?
Há muitas especulações
sobre o motivo que levou a Empresa Folha da Manhã (proprietária de Notícias
Populares, Folha da Tarde e Folha de S. Paulo) fechar o jornal santista. Duas,
entretanto, se destacam e se complementam: o projeto de fortalecer o principal
título do grupo e o envolvimento de Carlos Caldeira Filho com política ao se
tornar prefeito nomeado de Santos (1979-1980) por nove meses e alguns dias. O
fato criou uma situação difícil para jornalistas tinham o patrão ocupando o
Executivo.
Em 1979, o governador
Paulo Maluf exonerou o prefeito Antonio Manoel de Carvalho antes de ter o nome
do substituto aprovado pelo presidente João Batista Figueiredo (1918-1999). O
deputado federal Athié Jorge Coury mostrava-se perplexo com a situação da
cidade sem prefeito, como informou o jornal na ocasião. Carlos Caldeira Filho (Carlos Augusto Navarro de Andrade Caldeira Filho) foi o quinto e penúltimo prefeito nomeado
de Santos no período da ditadura militar.
E o que vejo ao repassar
páginas amareladas e ressecadas pelo tempo? O jornalismo mudou muito nas
últimas décadas e não ousaria dizer que foi para melhor. Selecionei algumas
notícias de 1986.
Quando se tratava do Santos F. C., o
jornal não escondia seu favoritismo, embora não se eximisse de críticas, quando
necessárias. Carlos Caldeira Filho era um ardente torcedor do “leão do mar”.
Caldeira tornou-se sócio do clube em novembro em 23 de novembro de 1928, com a
matrícula nº 1074 e adquiriu cadeira cativa (101ª) em 1948 e em 1969 tornou-se
sócio benemérito. Cunhou a frase (nada original): “Eu passo, o Santos
continua”.
O vereador santista Gilberto Tayfour (1941-1996), por
exemplo, foi ridicularizado quando teve a ideia de incluir cemitérios em
roteiro turístico da cidade de Santos. Não entenderam que um cemitério pode ser
um museu a céu aberto com obras tumulares belas, mas principalmente o lugar que
reúne a historia da cidade por meio dos personagens importantes e interessantes
que viveram em épocas diferentes. O Cemitério do Paquetá, com 26 mil metros
quadrados, é o mais antigo da cidade: data de 1854. Lá se encontram os despojos
do escritor Júlio Ribeiro, dos poetas Martins Fontes e Vicente de Carvalho, e
do ex-governador do Estado de São Paulo Mário Covas entre muitos outros nomes
de interesse. Em São Paulo, o Cemitério da Consolação há muitos anos tem
visitas guiadas. Em Paris o cemitério Père
Lachaise, fundado em 1804, tem
filas na entrada e os visitantes disputam folhetos com roteiro dos túmulos de
interesse.
Vicente Saldanha da Cunha (1933-2006) tinha um sonho: ser radialista. A vida, entretanto,
não é justa e Vicente se contentou com uma lata de velha para entrevistar muita
gente importante que desconhecia o personagem e falava bonito para os senhores
ouvintes inexistentes. Era conhecido como Zé Macaco e, por obra de um gaiato
que lançou a candidatura dele à Câmara Municipal, tornou-se o vereador mais
votado daquela legislatura. Anos depois os funcionários do gabinete do Prefeito
Oswaldo Justo se cotizaram para doar um carro de som novo (nome chique para um
triciclo) para Zé Macaco fazer seu trabalho: propaganda de casas comerciais do
Centro Histórico, seu reduto.
Athié Jorge Coury (1904-1992) foi
jogador Santos Futebol Clube, soldado constitucionalista em 1932, um Romeu
inveterado sempre, dirigente do Santos Football Club, político, e emérito
loroteiro. A vaidade do cavalheiro em questão e a inexperiência do repórter acabaram
causando um reboliço na redação no dia em que foi publicada a minibiografia
dele na coluna A PESSOA, um espaço dominical em que figuras de destaque da
Baixada Santista contavam um pouco da vida e das realizações. O editor fez as
contas e constatou que Athié ainda seria criança quando defendeu o primeiro gol
no clube santista. O repórter que o entrevistara conferiu as anotações,
constatando que o ilustre deputado e ex-goleiro do Santos mentira
descaradamente sobre a data de nascimento.
E por falar em Athié Jorge Coury vem
à lembrança o fechamento do Salão Crystal, que funcionou por 72 anos no mesmo
endereço da Rua do Comércio, 10. Era lá que Athié e todo o pessoal da velha-guarda
– políticos como ele, corretores de café, tabeliães e profissionais liberais – da
cidade ia cuidar da aparência – ou seja, além de fazer as unhas, tingiam cabelo,
bigode e sobrancelhas. O estabelecimento de Antônio Lopes Pia havia sido fundado
em 1914 e sempre manteve uma distinta clientela, atendida em ambiente elegante,
decorado com móveis de madeira maciça e espelhos de cristal. Pia morreu em 1984
e os herdeiros venderam o imóvel com o mobiliário em 1986.
“Athié: Diga ao povo que eu fico”.
Outra manchete bem-humorada envolveu o velho Athié Jorge Coury, presidente do
Santos, que simulou a renúncia do cargo para camuflar a saída “sem glória” de
um dirigente. (novembro de 1968)
A edição de 22 de maio de 1986 saiu com manchete divertida. Pelo menos para o leitor. Os protagonistas da notícia devem ter se arrependido amargamente da história que divulgaram. “Invasão de São Paulo por discos voadores mobiliza Força Aérea”. Na página interna, a reportagem conta como os pilotos da FAB perseguiram 21 objetos voadores não identificados e até Osíris Silva (1931), então presidente da Petrobrás, se manifestou dizendo que vira “algumas luzes”.
A edição de 22 de maio de 1986 saiu com manchete divertida. Pelo menos para o leitor. Os protagonistas da notícia devem ter se arrependido amargamente da história que divulgaram. “Invasão de São Paulo por discos voadores mobiliza Força Aérea”. Na página interna, a reportagem conta como os pilotos da FAB perseguiram 21 objetos voadores não identificados e até Osíris Silva (1931), então presidente da Petrobrás, se manifestou dizendo que vira “algumas luzes”.
No dia 24, dois pilotos participaram de uma coletiva e em vez de OVNIS falaram em “pontos luminosos persistentes, luzes intensas que se deslocavam, rapidamente, eco-radares ou sinais luminosos não identificados”. Na foto, observa-se a situação constrangedora em que os oficiais se envolveram. E para a Aeronáutica, caso encerrado. (Ufa!)
No dia 25 de maio, o jornal publicou
uma entrevista de página inteira com o Sr. Paulo Maluf, candidato ao governo do
Estado de São Paulo, que “promete obras e a moralização do governo”. UAU!
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