sábado, 25 de fevereiro de 2023
ROTEIRO DE IGREJAS HISTÓRICAS
terça-feira, 21 de fevereiro de 2023
CARNAVAL: RIO DE JANEIRO, 1955.
domingo, 19 de fevereiro de 2023
RIMBAUD, O POETA ANDARILHO
NO CABARÉ
VERDE
(às cinco da
tarde)
Oito dias de
estrada, as botas esfoladas
De tanto caminhar. Em Charleroi, desvio:
– Entro no Cabaré Verde: peço torradas
Na manteiga e presunto; que não seja frio.
Despreocupado estiro as pernas sobre a mesa
Verde e me esqueço a olhar os temas primitivos
Sobre a tapeçaria. – Adorável surpresa,
A garota de enormes tetas, olhos vivos,
– Essa, não há de ser um beijo que a afugente! -
Rindo, vem me trazer meu pedido numa
Bandeja multicor: pão com presunto quente,
Presunto rosa e branco aromado de um dente
De alho, e o chope bem gelado, boa espuma,
Que uma réstea de sol doura tardiamente.
Arthur Rimbaud
Outubro de 1870.
O poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891)
foi um enfant terrible. Viveu pouco, mas intensamente. E caminhou muito
pela vida afora. Fugiu de casa aos 15 anos com destino a Paris, depois de
vender os livros que ganhara como prêmio na escola para pagar o trem, mas como
a quantia não cobriu o itinerário todo foi preso ao desembarcar na estação de
Estrasburgo. Resgatado por um professor, passa uns tempos com a família do
protetor até que a mãe o chame. Rimbaud não fica muito tempo em casa. Foge
novamente – desta vez faz uma parte do percurso de trem e inicia suas caminhadas;
vai para em Bruxelas e, no retorno para casa, traz poesia como bagagem. Entre
idas e vindas, ele retorna a Paris em 1871, quando encontra o poeta Paul-Marie Verlaine
(1844-1896) com quem mantém por três anos uma relação amorosa tempestuosa.
Não li uma biografia de Rimbaud, mas deve ser bem interessante conhecer melhor esse jovem inquieto para o qual a falta de dinheiro não é um empecilho para viajar. Afinal sempre pode ir a pé. "Sou um pedestre, nada mais." Em 1875, por exemplo, na Suíça, sobe a pé o Monte São Gontardo para chegar a Milão, na Itália. Foram anos de andanças até que em 20 de fevereiro de 1891, na Etiópia, ele reconhece: “Vou mal agora”. Um dos joelhos estava muito inchado e com o passar do tempo piora consideravelmente até que em abril parte para Marselha numa viagem de dor e agonia. Ao ser internado no hospital, teve a perna amputada na altura do joelho. Ele não desiste. Encomenda uma perna de pau de dois quilos com a esperança de voltar a caminhar em breve. Volta para a família, a irmã cuida dele com dedicação.
Rimbaud não
desiste apesar de todo sofrimento e parte com a ajuda da irmã com destino a
Argel, mas em Marselha é internado em estado crítico. Em setembro ele ainda
aguarda a perna artificial. Em 20 outubro completa 37 anos e no dia 10 de
novembro morre, após um longo sofrimento. “Vejo em Rimbaud o sentido de
caminhar como sendo fugir. (...) Sabe-se sempre porque se está caminhando. Para
avançar, partir, atingir, tornar a partir.” Afirmação do filósofo Fredéric Gros.
Como poeta influenciou o
modernismo.
sábado, 18 de fevereiro de 2023
SEMANA DO CAMINHANTE
Nunca houve tantos idosos no mundo como nos tempos atuais: 1,1 bilhão de pessoas com mais de 60 anos em 2022 de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). A expectativa é de que até 2050 o número de pessoas com 60 anos ou mais duplique e mais do que triplique até o final do século XXI, alcançando os 3,1 mil milhões em 2100!
Se por um lado o fato é alvissareiro, por
outro, é bastante preocupante pelos impactos sociais que causará em vários
setores da sociedade. O mais urgente, do meu ponto de vista, diz respeito aos
preparativos para o envelhecimento, que devem começar bem cedo cuidando tanto
do “pé-de-meia” para os dias chuvosos como da saúde, adotando um estilo de vida
saudável para que possa usufruir no futuro sua merecida aposentadoria, colocar
em prática planos elaborados em dias de correria, quando costuma bater o
desânimo, dar aquela vontade de sair correndo para uma praia ou campo e
esquecer o chefe e as obrigações.
Com a carta de aposentado na bolsa, siga o conselho do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900): “Ficar ‘chumbado na cadeira’, repito-o, é o verdadeiro pecado contra o espírito”. Sempre é bom começar com um checkup para pôr em prática atividades físicas. Todo idoso vai ouvir do seu médico mais cedo ou mais tarde a ordem para praticar exercícios – coisa de que fujo desde os tempos da escola, quando Educação Física fazia parte do curriculum. Assim, por uns tempos optei pela dança (atividade aeróbica) e mais tarde por caminhadas e passeios pela cidade.
Para caminhar ou passear, além de disposição, basta um calçado confortável, roupa adequada ao clima, chapéu e água. Na sacola ou mochila, o mínimo indispensável: levo um anoraque, o celular para eventuais fotos, água, uma maçã verde e identificação. Na minha cidade, costumo caminhar duas ou três horas, mas quando viajo perco totalmente o sentido do tempo e costumo caminhar o dia todo sem cansaço. O professor francês de filosofia, Frédéric Gros (1965), é taxativo: “Caminhar não é um esporte”. Gros afirma que “quando se anda a pé, só há um desempenho que de fato conta: a intensidade do céu, o viço das paisagens”. Para mim há também as surpresas do caminho, acontecimentos inesperados que obrigam o caminhante a improvisar, enfrentar desafios... É fundamental prestar atenção aos obstáculos para não cair e se machucar.
O filósofo francês Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778) depois de uma existência bastante agitada, nos seus últimos anos resolveu
dedicar o tempo a caminhadas por Paris. “(...)
não vi maneira mais simples e mais segura de realizar essa empresa do que
manter um registro fiel de minhas caminhadas solitárias e dos devaneios que as
preenchem quando deixo minha mente livre por inteiro e minhas ideias seguirem
suas inclinações, sem resistência e sem dificuldade. Essas horas de solidão e
de meditação são as únicas do dia em que sou eu mesmo por inteiro e pertenço a mim
sem distração, sem obstáculo, e em que posso dizer de verdade que sou o que a
natureza quis.”
Na segunda
caminhada, realizada no dia 24 de outubro de 1776, o ilustre francês após o
jantar passava pela área que hoje pertence ao 20º arrondissement, quando
houve o incidente: viu as pessoas se afastarem para a lateral da rua e logo
avistou um enorme cão dinamarquês que corria à frente de uma carruagem. Nem o
cão nem Rousseau conseguiu se desviar. O filósofo, com 64 anos, achou que evitaria
a queda dando um grande e preciso salto, permitindo que o cão passasse por
baixo dele enquanto ele estivesse no ar. Na verdade, Rousseau não sentiu nem o
golpe nem a queda: desmaiou.
Jovens o acudiram e quando voltou a si, contaram-lhe que a queda fora violenta, caíra de cabeça. Rousseau não lembrava de nada: nem país, cidade ou bairro. Aos poucos foi se recuperando até chegar em casa. No dia seguinte, um exame minucioso mostrou o rosto inchado, lábios e nariz extremamente machucados, mãos feridas, braço esquerdo deslocado, joelho esquerdo inchado e muito contundido. “Mesmo com todas essas repercussões, nada de quebrado” – escreveu ele.
Todo cuidado é pouco...
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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023
DIA MUNDIAL DO RÁDIO
A minha infância e juventude foram embaladas pelas
ondas do rádio. Nas noites santistas, a família na sala ao pé do rádio ouvindo músicas
maravilhosas, programas inesquecíveis, novelas, notícias e, naturalmente, a voz
do governo – “A voz do Brasil” e seus alertas aos navegantes... Neste dia de ótimas
lembranças, a obra-prima de Woody Allen sobre esses tempos tão especiais: “A
Era do Rádio” (1987), que revi tantas vezes e sempre com o mesmo prazer. Contextos
sociais diferentes, experiências tão semelhantes... Adoro esse filme.
(O dia mundial do rádio foi criado pela UNESCO
em 2011 a partir de uma proposta inicial da Espanha e reporta-se à data de
criação da emissora das Nações Unidas, em 13 de fevereiro de 1943.)
domingo, 12 de fevereiro de 2023
A BUSCA DE UM LIVRO
Os
funcionários da livraria Martins Fontes não deixam o leitor a ver navios (o que
até seria difícil ali na Paulista). O jovem que me atendeu encontrou
rapidamente um dos livros que eu queria, mas os outros dois estavam esgotados
na editora. Quando soube do assunto do meu interesse, logo sugeriu um autor que
também tratou do tema e, como me interessei, ele procurou o nome do livro que,
infelizmente, também estava fora de catálogo. Anotou o título em um papel para
que eu procurasse em um sebo.
Ontem,
pesquisei na internet e achei o livro num sebo na Liberdade. Com a informação
de que a loja estaria aberta até as 18 horas, anotei o endereço e fui até lá. O
roteiro era simples: descer na altura da rua da Glória e descobrir a tal praça
de que nunca ouvira falar. A moça da banca de jornal era uma versão simpática e
em carne e osso do Guia 4 Rodas. Batia papo com uma senhora que devia estar
varrendo a calçada – pelo menos a vassoura que empunhava indicava essa
intenção. “Vire aqui à direita e na próxima também à direita, mas lá não tem
livraria nenhuma. Lá só tem um hospital. Deve ser na Praça da Liberdade” –
informou, cética. Expliquei que pegara o endereço na internet. A senhora da
vassoura já foi acrescentando que o lugar era muito perigoso. “Não vá lá, não.”
Falei que tomaria cuidado, agradeci e lá fui eu. Era ali pertinho. Há uma placa
indicando a praça que, na verdade, é uma rua de uma quadra só. Área em
decadência, vários moradores de rua instalados no lado ímpar. Numa oficina, o
mecânico também ignorava a existência de um sebo. Os seguranças do hospital
também, mas um deles consultou o Google e confirmou a existência do sebo. Outro
sugeriu que eu fosse ao Sebo do Messias. (O pessoal é bem informado.) Fui até o
final da quadra e... Nada! Olhando aquele casario decadente, deduzi que o sebo
deve ser virtual. A informação correta seria: em funcionamento e não aberto. Na
volta, agradeci aos seguranças e resolvi seguir o conselho deles e fui
caminhando até a Praça João Mendes.
O Sebo do Messias, que comemorou 50 anos em plena pandemia, está cheio. Peço ajuda a um funcionário. Ele consulta o terminal e não tem nenhum deles. “Devem ser livros raros” – comenta e me indica a seção onde posso encontrar outros do mesmo assunto. Apesar da preguiça, vou na direção indicada, mas vejo a prateleira dedicada à história de São Paulo e fico por ali bisbilhotando... e não é que acho um livro sobre o tema que procuro e que desconhecia? Ganhei o dia!
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023
ADEUS, SAURA...
Um dos meus cineastas preferidos se despediu hoje (10) aos 91 anos: o espanhol Carlos Saura. Creio que o primeiro filme dele a que assisti foi "Mamá cumple cien años" (1979). Filmes europeus eram difíceis de aparecer no circuito comercial de Santos e foi em São Paulo que o descobri. Sua trilogia flamenca – “Bodas de sangre”, “Amor Bruxo” e “Carmen” – é maravilhosa. Revi “Carmen” várias vezes e e nunca me canso... Para o jornal espanhol EL PAÍS, Saura foi o “último diretor clássico do cinema espanhol”.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023
AMIZADE
Fãs de
bom cinema certamente conhecem o cineasta alemão Werner Herzog (1942),
que entre outros filmes dirigiu “Fitzcarraldo” (1982) cujo elenco, encabeçado
por Klaus Kinski, seu ator preferido, conta com José Lewgoy, Grande Otelo e
Milton Nascimento. Herzog foi um grande amigo da escritora, crítica de cinema
franco-alemã e cofundadora da Cinémathèque
Française, Lotte Eisner (1896-1983), que vivia em Paris. No final de 1974,
ele soube que Lotte – Eisnerin, como a chamava, estava muito doente. A notícia
foi um choque. “Eisnerin não pode morrer, não vai morrer, não permitirei. Não
vai morrer, não vai. Não agora, não tem o direito.” Naquele momento, ele imaginou
que a amiga se salvaria, se ele fosse a Paris a pé para visitá-la. Herzog vive
em Munique. “Quando eu chegar a Paris, ela estará viva” – escreveu em seu
diário de viagem, que anos depois ele editou e publicou.
Assim, no dia 23 de novembro, iniciou
essa caminhada mágica para salvar a amiga. “Peguei um casaco, uma bússola e uma
sacola com o indispensável. Minhas botas estavam tão sólidas e novas que me
inspiravam confiança. Pus-me a caminho de Paris pela rota mais curta (...).” Final
de outono, mas nessa época o frio já é intenso na região, sujeita à muita neve.
A narrativa de Herzog é ágil, feita de belas imagens da natureza, de pequenos
fatos bizarros e das dificuldades que enfrentou no caminho. Quase como um filme
e o leitor vai montando as cenas como fotogramas.
“A
barriga da perna direita pode me causar problemas e também a bota esquerda, no
bico. Tanta coisa passa pela cabeça de quem caminha. O cérebro vira uma fera.”
“Arrasto-me
mais do que ando. As pernas doem tanto, que mal posso colocar uma na frente da
outra. Quanto medem um milhão de passos?”
“Andei,
andei, andei, andei. Um belo castelo com fortes muralhas recobertas de hera, se
erguia ao longe. As vacas nem se espantavam mais comigo, mas com o castelo.”
Herzog
caminhou quase mil quilômetros em 22 dias, enfrentando frio, chuva e neve,
dormindo em lugares estranhos e desconfortáveis, para encontrar a amiga viva.
Uma reação insólita a um choque emocional. A jornada terminou num sábado, 14 de
dezembro: “(...) fui ver Eisnerin que ainda estava cansada e marcada pela
doença. (...) Fiquei embaraçado e estiquei minhas pernas doloridas sobre uma
segunda cadeira que ela me empurrou. Naquele embaraço, uma palavra me
atravessou o espírito, e como a situação por si já era estranha, eu a disse.
Juntos, falei, vamos cozinhar um fogo e deter os peixes. Então ela me olhou com
um fino sorriso e, como sabia que eu era um homem a pé e, portanto, sem defesa,
me compreendeu. Por um instante fino e breve, algo suave atravessou meu corpo
exausto. Eu disse: abra a janela, há alguns dias aprendi a voar”.
Um belíssimo livro. Para mim a mais
bela história verdadeira sobre amizade. Lotte Eisner, que foi mentora de Herzog
e da nova geração de diretores alemães – entre os quais Winn Wenders e Volker
Schlöndorff –, morreu nove anos depois.