segunda-feira, 3 de março de 2025

MÁRIO DESCOBRE O CARNAVAL CARIOCA

 

CARTA DE MÁRIO DE ANDRADE AO AMIGO MANUEL BANDEIRA, desculpando-se por não ter ido visitá-lo, conforme prometera.

“Querido Manuel. Depois perdoarás. Foi assim. Desde que cheguei ao Rio disse aos amigos: Dois dias de carnaval serão meus. Quero estar livre e só. Para gozar e observar. Na segunda- -feira, passarei o dia com Manuel, em Petrópolis. Voltarei à noite para ver os afamados cordões. Meu Manuel...Carnaval! Perdi o trem, perdi a vergonha, perdi a energia... Perdi tudo. Menos minha faculdade de gozar, de delirar...Fui ordinaríssimo. Além do mais: uma aventura curiosíssima. Desculpa contar-te toda esta pornografia. Mas... Que delicia, Manuel, o carnaval do Rio! Que delícia, principalmente, meu carnaval! Se estivesse aqui, a meu lado, vendo-me o sorriso camarada, meio envergonhado, meio safado com que te escrevo: ririas. Ririas cheio de amizade e perdão. (...) Meu cérebro acanhado, brumoso de paulista, por mais que se iluminasse em desvarios, em prodigalidades de sons, luzes, cores, perfumes, pândegas, alegria que sei! Nunca seria capaz de imaginar um carnaval carioca, antes de vê-lo. Foi o que se deu. Imaginei-o paulistanamente. Havia um que de neblina, de ordem, de aristocracia nesse delírio imaginado por mim. Eis que sábado, às 13 horas, desemboco na Avenida. Santo Deus! Será possível!... Sabes: fiquei enjoado. Foi um choque terrível. Tanta vulgaridade. Tanta gritaria. Tanto, tantíssimo ridículo. Acreditei não suportar um dia funçanata chula, bunda e tupinambá. Cafraria vilissima, dissaborida. Última análise: “Estupidez”! Assim julguei depois de dez minutos que não ficaria meia hora na cidade. Mas, por isso talvez que tanto tenho sofrido dos julgamentos levianos, jurei para mim olhar sempre as coisas com amor e procurar compreendê-las antes de as julgar. Comecei a observar. Comecei a compreender. Uma conversa iluminava-me agora sobre uma ridícula baiana que há pouco vira. A pobreza de uns explicava-me a brincadeira. Admirei repentinamente o legitimo carnavalesco, o carnavalesco carioca, o que é só carnavalesco, pula, canta e dança quatro dias sem parar. Vi que era um puro! Isso me entontece e me extasiou. O carnavalesco legítimo, Manuel, é um puro. Nem lascivo, nem sensual. Nada disso. Canta e dança. Segui um deles uma hora talvez. Um samba num café. Entrei. Outra hora se gastou. Manuel: sem comprar um lança-perfume, uma rodela de confeti, um rolo de serpentina, diverti-me 4 noites inteiras e o que dos dias me sobrou do sono merecido. E aí está porque não fui visitar-te.”

"Carnaval" (1965), Di Cavalcanti. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira.




CARNAVAL DE J. CARLOS

José Carlos de Brito e Cunha nasceu no Rio de Janeiro em 1884, mas tornou-se conhecido como J. Carlos, ilustrador, chargista e autor de histórias em quadrinhos. Colaborou em grandes revistas – Fon-Fon, Careta, O Malho entre muitas outras. Em 1941, recusou o convite de Walter Disney, que visitava o Brasil, para trabalhar em Hollywood, mas o presenteou o norte-americano com o desenho de um papagaio, que teria inspirado a criação do Zé Carioca. J. Carlos faleceu em 1950. No Carnaval de 2009 foi homenageado pela escola de Samba Acadêmicos da Rocinha com o enredo “Tem francesinha no Salão... O Rio no meu coração”. 




domingo, 2 de março de 2025

CARNAVAL DAS GAROTAS

 

“Garotas” (1938-1964), criação do mineiro Alceu Penna (1915-1980), era uma das minhas páginas preferidas da revista CRUZEIRO (1928-1975). As garotas eram graciosas e tinham roupas elegantes, coloridas e bem modernas.  










sábado, 1 de março de 2025

SÁBADO DE CARNAVAL

 

Calor intenso. Chuvas torrenciais – felizmente passageiras. Estes são dois dos principais motivos para ter reduzido meus passeios. Na hora do almoço consultei a meteorologia local: espiei pela janela e vi céu de brigadeiro ao Norte e ao Sul, mais não consegui ver. A sibipiruna florida nem se mexia. Com certeza a temperatura está bem acima dos 30 graus. Notei que a rua estava fechada ao trânsito e o casalzinho, na esquina, que deveria estar orientando os motoristas, namorava tranquilamente. Lembrei que nossa rua tem um bloco. Resolvi ir ao supermercado e quando passei pelos namorados perguntei qual o nome do bloco e fiquei sabendo que é “Siga la pelota”. Para participar basta usar traje de banho e levar um coco gelado como adereço. A banda promete “hits marítimos e surreais” (oh! Céus!) e um “repertório de brasilidades que vão de Mutantes a Tchakabum, de Tim Maia a Olodum”. Segui pelo lado oposto.

Em frente a um prédio modernoso, um rapaz escovava a pelagem negra do cão terra-nova, que estava sobre o banco preferido dos idosos do bairro. Gosto demais desse cão enorme, com um jeitão de urso e se move como um príncipe das ruas, sem pressa nenhuma. Mais adiante encontrei Formiga, o oposto do terra-nova. Acho que é um pinscher, amigo inseparável de um senhor que vive de pequenos serviços. Formiga aproveitava uma sombrinha para um cochilo.

Resolvi parar na padaria para um cafezinho. De um lado seu João saboreia uma cerveja (que ele deixará pela metade) e do outro o Alfredo, freguês remanescente de uma antiga padaria do bairro. Acho que é mais jovem do que eu, mas está bem abatido. Ele certamente não se lembra de mim. Eu era a observadora do grupo que se reunia todo final de tarde na “Dengosa”, que fechou há mais de 20 anos. “Bom dia, seu Alfredo.” Seu Alfredo toma café com pão de queijo, me olha e me deseja bom dia, um feliz ano novo com muita saúde e prosperidade! Retribuo os votos. Logo ele se despede, reiterando os votos. Saboreio o café. O tempo passou para todos nós.

Na saída, o calor escaldante me recepcionou e me fez lembrar que ontem deixei meu chapéu na Biblioteca Sérgio Milliet, avisei que irei busca-lo depois do Carnaval. Como esqueci de pegar o reserva, o jeito foi voltar para casa.