domingo, 7 de dezembro de 2025

CASA DO TATUAPÉ

 

Rua Guabiju, 49. Tatuapé.

Minha incursão pela Zona Leste continuou com uma visita à Casa do Tatuapé, uma herança dos tempos coloniais. O imóvel construído em meados do século XVII, provavelmente entre 1668/1698 em taipa de pilão, é “o testemunho da primeira configuração urbana implementada naquela área da cidade”, de acordo com a Prefeitura de São Paulo. Ela está localizada na Rua Guabiju, 49 e, para quem não tem carro ou outro veículo, o passeio começa na Estação Tatuapé onde, no terminal de ônibus, embarca no ônibus da linha Jardim Brasil e pede ao motorista para descer entre a Rua Ulisses Cruz e Avenida Celso Garcia e caminhar uma quadra até a Guabiju, primeira travessa da Ulisses Cruz.

            O terreno pertenceu ao padre Matheus Nunes de Siqueira, como o religioso contava com Mathias Rodrigues da Silva para administrar seus bens, a construção da casa é creditada a ele. Na primeira metade do século XIX, começou a funcionar no sítio uma olaria que fabricava apenas telhas; em 1880, a proprietária do imóvel Antônia Maria Quartim casou-se com o imigrante italiano Basílio Pacini, que passou a produzir também tijolos. Em 1945 com a morte de Elias Quartim de Albuquerque, a propriedade foi vendida para a Tecelagem Textilia S/A e logo começou o loteamento da área, sobrando apenas a casa seiscentista. No mesmo ano, começou o processo de tombamento da Casa pelo IPHAN. Nos anos 1980, sob a responsabilidade do Departamento do Patrimônio Histórico, em conjunto com o Museu do Ipiranga (USP) foram realizadas pesquisas arqueológicas. Posteriormente, foi iniciado o restauro da casa – reconstituição de paredes que ameaçavam desabar, madeiramento e telhado, além de janelas, balaústres e portas almofadadas. O piso de um dos cômodos foi mantido em terra batida para realçar as características originais.

Muito bem conservada, a casa museu fica no meio de um jardim, tem seis cômodos, alpendre reentrante (corredor) e dois sótãos e tem telhado de duas águas. O visitante pode observar a técnica da construção de taipa de pilão em uma parede sem acabamento. O sistema ainda é adotado por causa da adequação térmica, custo e sustentabilidade.

Parede de taipa de pilão.


Sótão. O telhado e o chão de madeira corrida.


"Morador".




sábado, 6 de dezembro de 2025

NATAL ILUMINADO

   

Foto: divulgação SPTrans.

A Prefeitura paulistana criou uma linha noturna de ônibus para quem desejar ver a decoração das vias públicas para as festas de final de ano. O ônibus também é decorado, o que não só ajuda a identificá-lo como também ajuda a amenizar os congestionamentos que, ultimamente, se generalizam pela cidade. Eu já havia ido por minha conta ao Centro, mas não fiz o roteiro completo – caminhei apenas da Praça da República e Anhangabaú até a Sé (decoração muito bonita). Gostei da ideia do ônibus e ontem no início da noite fui para o Terminal Parque D. Pedro II.

Meses atrás, por falta de opção, peguei um ônibus que para o Terminal D. Pedro II e de lá fui para a Sé. Nem lembrava se alguma vez havia estado no Terminal, embora o veja sempre à distância. É imenso, com intenso movimento (nem era horário do rush) e tive que perguntar onde era a saída. Lá fora atravessei uma imensa feira – frutas, verduras, laticínios, roupa e que tais – para sair no início da Rua Vinte e Cinco de Março. Limpeza? Deixa para lá!  Decidi subir a Rua Bittencourt Rodrigues em direção à Praça da Sé.

Ontem, muito esperta, após seguir as indicações visuais, fiquei sabendo que teria de tomar um ônibus para o Terminal! Como assim? Pode-se ir a pé, como explicou o funcionário, ou fazer a conexão com o veículo do Expresso Tiradentes, direção Mercado. Chegaram três senhoras. Via-se claramente que viviam a experiência popular pela primeira vez. Eu já escolhera o Expresso Tiradentes, conhecido de um passeio pelo Sacomã, e quando aconselharam as senhoras a ir caminhando, intimamente, desejei-lhes boa sorte, pois o entorno não é agradável.

No Terminal, encontrei logo a plataforma e o local onde Papai Noel iria estacionar o ônibus para o embarque dos passageiros. Havia apenas uma senhora no ponto e esperava as amigas – mais três que chegam em seguida. Vários minutos depois chegaram as senhoras que encontrara no metrô. “Vieram a pé?” – perguntei. Tiveram bom senso e pegaram o Expresso.

O ônibus chegou pontualmente. Detalhe: Papai Noel, que era bem jovem e não tinha barba, dirigia o possante. O cobrador não se fantasiou e dormiu boa parte do percurso; porém, estava acordado quando, na Avenida Paulista, uma equipe de TV (provavelmente da Gazeta) fez uma rápida entrevista com Papai Noel – sim, ele estava apreciando a experiência; sim, o público estava se divertindo bastante etc. e tal. Quando Papai Noel prosseguiu a viagem, o cobrador se queixou por não ter sido entrevistado também. Uma senhora ao entrar dá parabéns ao Papai Noel, que agradece polidamente.

A viagem foi bem agradável. Do que eu gostei? De rever lugares por onde não passava havia anos – como Avenidas Brasil e Nove de Julho. Os lugares que achei mais bonitos: Largo de São Bento, Avenidas Paulista e Vinte e Três de Maio, e Ibirapuera.

PARQUE D. PEDRO: O ônibus
NATAL ILUMINADO sai da plataforma 6, nicho 60, de meia em meia hora a partir das 18 horas até as 23h30. O percurso dura cerca de duas horas. E o ideal é pegar o segundo horário, quando já está mais escuro. Passagem: R$ 5,00. Maiores de sessenta anos não pagam. É possível tomar o ônibus no percurso.

Prefeitura. 1/12/2025.

                                                            Shopping Light1/12/2025.




quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

GRINALDA-DE-NOIVA



Nunca se toma banho no mesmo rio, diz o provérbio. Não importa quantas vezes você passe pelo mesmo lugar porque ele nunca é igual ao dia anterior. Quantas vezes percorri a Rua Vergueiro, entre a Vila Mariana e o Paraíso, sem reparar na árvore que ontem me surpreendeu por sua beleza! Como a árvore fica ao lado de um restaurante onde às vezes almoço, entrei para perguntar aos proprietários, se eles sabiam o nome daquela maravilha. A dona lembrava apenas que era cássia alguma coisa. Prometi pesquisar e agradeci. Trata-se de uma Cassia leptophilla, mas em alguns lugares é conhecida como grinalda-de-noiva, um nome perfeito pois as flores, que exalam um perfume característico, formam pequenas coroas. Aqui no Sul, floresce na época de natal.

É conhecida também como barbatimão. 




terça-feira, 2 de dezembro de 2025

DESCOBRINDO O TATUAPÉ

 

O nome do bairro sempre me atraiu – em Tupi significa caminho dos tatus, mas há quem acredite que se refere a um hábito da população colonial de caçar tatu a pé; entretanto, quando descobri que o primeiro explorador da região foi o português Brás Cubas, fiquei muito mais interessada. O motivo é simples: Brás Cubas foi o fundador da cidade de Santos (SP) em 1534, principalmente porque notou as qualidades do porto abrigado para a exportação do açúcar produzido nos engenhos da Vila de São Vicente – o primeiro município do Brasil, instalado por Martim Afonso de Souza.

Mais interessante ainda é o fato de que Brás Cubas – um empreendedor incomum – deixou a vila de Santos com uma pequena expedição em busca de ouro no Planalto, seguiu até a foz de um riacho denominado Tatu-ape onde encontrou o Rio Grande, como era conhecido o rio Tietê. Brás Cubas gostou do que viu e ali o grupo se estabeleceu, iniciando a criação de animais e o plantio de diferentes cultivares, além da cana-de-açúcar. E a novidade foi a introdução da parreira. Mais uma vez Brás Cubas acertou: a uva produzia um bom vinho, que se tornou popular e, com o tempo, tanto a viticultura (produção de fruta) quanto vinicultura (produção de vinho) se desenvolveram e ganharam prestígio. Em tempos mais recentes o italiano Francesco Marengo (1875-1959), estabelecido em São Paulo, foi um grande produtor de uvas premiadas pela excelente qualidade.

A ocupação da região cresceu a partir do século XVII, quando os herdeiros venderam as terras para o padre Mateus Nunes de Siqueira que se tornou o proprietário da Fazenda Tatuapé. Daqueles tempos restou a casa de taipa de pilão do administrador da fazenda Mathias Rodrigues da Silva, que acabou servindo de pouso para os tropeiros de passagem por ali. Ela é a mais antiga casa bandeirantista paulistana.

O Tatuapé é um bairro em plena ascensão. Com quase cem mil habitantes, um Índice de Desenvolvimento Humano bastante elevado (0,936), vem atraindo grandes construtores que estão investindo em condomínios de alto padrão (não necessariamente bonitos). O chamariz são os edifícios Figueira Altos do Tatuapé e Platina 220, que estão entre os mais altos da cidade. 

Dezembro começa numa segunda-feira com jeito de verão e a Praça Silvio Romero tem bancos convidativos e o arvoredo oferece sombra para quem quer descansar ou aproveitar esse conforto singelo para fazer negócios. Caso dos dois homens indiferentes à paisagem: um perdido em pensamentos (acho) e o outro falando ao telefone. 

A praça ganhou árvore de natal e enfeites típicos da época. A Igreja Nossa Senhora da Conceição domina a praça. Ela foi construída no local da antiga capela do século XIX, erigida em terras do tenente Luís Americano que doou um terreno de 7.500 m² para a Igreja com a condição de que ali fosse construída uma igreja em louvor à santa de sua devoção. Em 1931 a Prefeitura mudou o nome do Largo da Conceição para Praça Sílvio Romero – uma homenagem ao escritor e político maranhense.

Os amantes de esporte contam com o Parque Municipal do Tatuapé Sampaio Moreira que tem quadra de futebol, quadra de basquete, academia ao ar livre e pistas para bicicleta, skate, correr ou caminhar. Rua Monte Serrat, 230. No Parque do Piqueri (97 mil m²) há 116 espécies de fauna – de peixes até aranhas, sapos-cururu e lagartos em meio à vegetação. Há uma alameda com sibipirunas, uma área reflorestada com eucaliptos e um bosque com árvores nativas. Além do contato com a natureza, os visitantes aproveitam vários equipamentos para prática de esportes. Rua Tuiuti, 515.

Essa região é servida pelo Metrô Tatuapé (Linha 3 Vermelha com transferência para a CPTM 11 e 12); e Carrão (Linha 3 Vermelha). O Complexo Comercial Tatuapé, formado pelos Shoppings Metrô Tatuapé e Boulevard Tatuapé – interligados pela passarela da estação do metrô –, têm quinhentas lojas, treze salas de cinema, duas praças de alimentação e três mil vagas de estacionamento. Cerca de 25 linhas de ônibus atendem o Terminal.

Umas gotinhas de chuva começam a cair. Esperança de que a chuva amenize o calor. Algumas pessoas correm. Acho que são precipitadas e decido caminhar até o metrô.

Praça Sílvio Romero.

GRANDES E FEIOSOS
                                             Ao fundo, o Platina 200, Rua Bom Sucesso



Edifício Figueiras Alto do Tatuapé. Rua Itapeti, 141.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

DEZEMBRO E A ALEGRIA


Friedrich Schiller (1789-1805) é o autor do poema “Ode à Alegria”, escrito em 1785, e que Ludwig van Beethoven incluiu no quarto movimento da  belíssima 9ª Sinfonia que ele compôs em 1824, quando o mundo vivia em turbulência, especialmente na Europa. O poema de Schiller é bonito, mas só os românticos acreditam que um dia a humanidade estará unida. Para chegar a esse nível de perfeição é necessário que todos tenham suas necessidades básicas atendidas e então viver a alegria será uma consequência por termos atingido esse estágio superior.

Mais realista foi o compositor inglês John Lennon (1940-1982). Em uma das suas mais bonitas composições, ele imagina um mundo em paz e em que todos estejam unidos, livres e sem preconceitos, mas reconhece que pode ser considerado um sonhador, embora não seja o único e tem esperança de que mais pessoas se juntem a eles ... “And the world will be as one”. Lennon compôs “Imagine” em 1971. Foi assassinado em 8 de dezembro de 1989 em Nova York.

Em 1972, Comunidade Europeia adotou a “Ode à Alegria” como hino oficial sem o poema.

        Não sou religiosa embora tenha crescido numa família católica, mas costumo ouvir pessoas animadas com a chegada de dezembro e têm várias explicações para essa sensação aflorar – a data santa, a conclusão de mais um ano, as festas e a possibilidade de reunir familiares, férias e viagens são as mais comuns. Alguns se lançam às compras, abonados com o 13º salário – ou do que sobrou da sexta-feira negra. Outros apreciam as decorações natalinas. Eu, particularmente, gosto mesmo da chegada do verão, de usufruir da calma da cidade após o dia 25, quando os mais corajosos se dirigem para os grandes congestionamentos nas estradas (especialmente as do Litoral) para tomar sol e à noite ver fogos de artifício na praia... Boa sorte. Muita alegria em 2026.

    


sábado, 29 de novembro de 2025

AMIGO DA ONÇA

 

Aviso no computador: Pesquisar Dia Internacional da Onça-Pintada. Como sou do contra, resolvi homenagear o Amigo da Onça, aquele personagem de língua ferina que sabia como arruinar um momento importante das pessoas com uma pergunta insidiosa e um olhar cínico estampado no rosto peculiar. Um personagem que destruiu psicologicamente seu criador, o cartunista pernambucano Péricles de Azevedo Maranhão (1924-1961) que se suicidou aos 37 anos no dia 31 de dezembro de 1961. Péricles desenhou o personagem, publicado pela revista semanal CRUZEIRO (Diários Associados, Assis Chateaubriand) por dezessete anos. Carlos Estevão (1921-1972) deu continuidade ao trabalho de Péricles.








Carlos Estevão (1921-1972) deu continuidade ao trabalho de Péricles.



quinta-feira, 27 de novembro de 2025

PAUL VALÉRY

 

Santos (SP) a partir do Monte Serrat.

“Já não sei e me pergunto, em meio a meus anéis de fumo, se irei esta tarde ao mar, através das árvores, ou até o monte carregado de rochas, ou então visitar alguns amigos em suas moradas; ou se deixarei puramente escorrer o bom tempo límpido, toda a massa do começo da tarde lento e tépido até a sua última luz? Oscilo, pinto-me o possível e apago. Digo-me sem querê-lo que os animais não o fazem nada mais que o útil. Até suas brincadeiras são justos dispêndios. Mas nós, o excesso de espírito turva e difere, com sua duração, todas as contas de nossa vida. Ganhamos, perdemos tempo, nosso saldo nunca é nulo. Sonho com essa moeda estranha. Ouço uma água que silva e segue não sei onde; um martelo não sei onde que martela não sei o quê...”

ALFABETO, do poeta e filósofo francês Paul Valéry (1871-1945). Tradução: Tomaz Tadeu.

“Je m’interroge au milieu de ma fumée si j’irai tantôt vers la mer à travers les arbres, ou sur le mont accablé de roches, ou bien visiter quelques amis dans leurs demeures; ou si je laisserai couler purement le beau temps limpide, toute la masse de l’après-midi lente et tiède jusqu’à sa dernière leur? Je varie, je me peins le possible et j’efface. Je me dis sans le vouloir que les bêtes ne font rien que d’utile. Même leurs jeux sont de justes dépenses. Mais nous, Le trop d’esprit trouble et differe tous les comptes de notre vie avec sa durée. Nous gagnons, nous perdons du temps, notre solde n’est jamais nul. Je rêve a cette monnaie étrange. J’entends une eau qui chuinte et se suit je ne sais où; un marteau je ne sais où qui martèle je ne sais quoi...”