Verão chegando daqui a pouco e já providenciei um novo chapéu para as próximas caminhadas.
Temas culturais.
“Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc. E depois de uma Missa do Galo bem mal rezada, se deu o nosso mais maravilhoso Natal. Fora engraçado: assim que me lembrara de que finalmente ia fazer mamãe comer peru, não fizera outra coisa aqueles dias que pensar nela, sentir ternura por ela, amar minha velhinha adorada. E meus manos também, estavam no mesmo ritmo violento de amor, todos dominados pela felicidade nova que o peru vinha imprimindo na família. De modo que, ainda disfarçando as coisas, deixei muito sossegado que mamãe cortasse todo o peito do peru.”
Conto de Mário de Andrade: "O peru de Natal" (1947).
A sobremesa pode ser o Bolo Divino: ½ quilo de açúcar, 24 ovos (sendo 12 sem claras), 120 g de manteiga. Bate-se como para pão de ló; junta-se um coco ralado e continua-se a bater; engrossa-se com farinha de trigo. Vai ao forno em forma untada com manteiga.”
“AÇÚCAR: uma sociologia do doce com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil.” Gilberto Freyre.
Hoje pela
manhã fui fazer hora na Padaria Santa Teresa, na Praça João Mendes, pois
pretendia retornar à Avenida Liberdade. Eu já havia passado pela Livraria da UNESP,
na Sé, escolhido um livro e batido um longo papo com a senhora que fica no
caixa. Em direção à Liberdade, passei
pela Padaria Romana, espiei as delícias na vitrine e não resisti quando vi os quadradinhos.
Halawi em um santuário romano? Às vezes minha avó comprava em lata. Entrei e comprei
um que fui saboreando até a João Mendes. Sem planejar passei pelas duas mais
antigas padarias paulistanas. A Santa Tereza funciona há 153 anos e a Romana já
comemorou 113 anos.
Enquanto
tomava um suco, observei o entorno do salão térreo (no piso superior funciona o
restaurante). Gostei das prateleiras que reúnem alguns utensílios antigos como
balanças e uma máquina de escrever. Do outro lado uma série de reproduções de
fotos que nos permitem acompanhar as mudanças que ocorreram na praça e
redondezas. Antes de passar pelo caixa, passei em revista um a um os quadros. E
me demorei muito no painel de azulejo, que reproduz uma foto do primeiro
viaduto Anhangabaú no início do século passado, pois tentei identificar um prédio,
que acabei relacionando a um dos palacetes gêmeos demolidos para a construção
do prédio Matarazzo. Pena que não deu para ver a data, pois um móvel encobria o
ano e a assinatura do artista.
Na saída passei pelo abrigo de bondes, transformado em floricultura e numa extensão do Sebo do Messias. Um bom exemplo de reaproveitar o antigo em vez de destruí-lo.
Não
sei como atualmente as crianças aprendem aritmética e matemática, quando as
calculadoras são tão populares. Lembro como era importante aprendermos tabuada
– e quando aprendíamos a do nove, nos sentíamos muito importantes. Essas eram
conquistas com um significado que nos escapava na época – esses exercícios nos
acompanhariam para o resto da vida. As recordações me ocorreram por causa do
livro sobre a história do pensamento matemático da Antiguidade aos nossos dias,
que descobri na biblioteca.
Na Antiguidade, as pessoas usavam os
dedos para contar, pedrinhas e o ábaco, antigo instrumento de cálculo,
provavelmente, com origem na Mesopotâmia há mais 5.500 anos! Gregos e egípcios,
o usaram; chineses e romanos o aperfeiçoaram.
Nossa
educação restringe-se praticamente ao mundo greco-romano, como se não tivesse
existido a cultura mesopotâmica chinesa, egípcia, indiana e árabe entre outras,
onde há muito mais tempo se estudavam matemática, geometria e astronomia para
descobrir o funcionamento do Universo. Imagino como teria sido gostoso ter uma
matéria só sobre a História da Matemática, o que nos ajudaria a confiar mais na
inteligência humana e não superestimar hoje a artificial.
Na
Antiguidade, se o professor grego pedisse a um aluno que contasse até dez, o
menino começaria: dois, três, quatro, cinco... E estava certo porque para os
pensadores gregos o um trata de existência, não de quantidade. “A
multiplicidade é domínio dos números.” Esse conceito mudou com a inclusão do
número Um por Arquitas de Tarento (428 a.C-345 a. C.), filósofo
(pitagórico), matemático, astrônomo, estratego (general do exército na Grécia
Antiga) e estadista.
Com
as facilidades do século XXI, difícil imaginar que no princípio para fazer
contas se usassem pedrinhas, que iam se amontoando, conforme o número e por
causa disso até hoje fazemos cálculos, pois em Latim pedrinha é calc̬ŭlus,
i (pedra = calx, calcis). Na Medicina, a palavra continua em uso –
os urologistas que o digam: “o senhor/a tem cálculos nos rins”. (E tome água!)
Metafísico,
filósofo, matemático e astrônomo, Pitágoras (560 a.C.– 500 a.C.) foi quem
concluiu que “tudo são números”, algo com que os cientistas atuais até
concordam, mas a questão é que a afirmação de Pitágoras tinha um lado místico,
que a afasta da Ciência.
Os
romanos usavam letras para escrever os números (I, II, III, IV, V, VI, VII,
VIII, IX e X, L, C e M), o que dificultava qualquer operação. Um engano comum (pelo
menos na minha geração) é a denominação “arábicos” para os algarismos que
usamos correntemente, que na verdade têm origem indiana. Entre os anos 250 a.
C. e 500 a. C., os hindus desenvolveram os dez símbolos (0-9) e o sistema
decimal. O zero que era um símbolo acabou se tornando um número fundamental. Os
árabes foram os grandes divulgadores do sistema hindu que haviam adotado com
algumas adaptações. A forma atual consolidou-se no Ocidente no século XV e
generalizou-se. Em Português, a origem da palavra zero é o francês – zéro,
pelo vêneto zero. Em árabe, zero significa vazio.
E para terminar que tal o =, + e –? X e ÷? Os sinais de mais e menos: Johannes Widmann (1460-1498), um matemático alemão, usou pela primeira vez os dois sinais em seu livro Aritmética Comercial, publicado em 1489, em Leipzig. Coube ao inglês William Oughtred criar o sinal de multiplicação (x) em 1631. Quanto ao símbolo de divisão, há controvérsias: ele foi introduzido pelo suíço Johann Rahn em seu livro sobre álgebra em 1659, mas para outros teria sido o editor inglês John Pell. Oughtred também usou dois pontos (:).
Ábaco romano reconstruído. Foto: Mike Cow, Wilipedia. - esquerda.
Ábaco
chinês. Foto: Enciclopédia Britânica. 6.302.715.408) - à direita.
Avenida Paulista. Noite fria para a época. Céu
encoberto. Nada disso desanimou o pessoal que foi fazer o footing, como
se dizia antigamente, para ver a decoração da avenida.
Papai Noel, vítima de acidente do trabalho na semana passada, já recuperado,
reassumiu o posto na avenida Paulista.
A Coca-Cola deita e rola com seus painéis ao lado
dos pontos de ônibus. As pessoas tocam na tela, fazem uma pose e a imagem
é reproduzida na tela.
As Janelinhas do Vinho, tradição italiana do século
XVI e XVII que surgiu para manter o comércio do vinho em épocas de pandemias que
assolavam a Europa periodicamente. Funcionamento: o cliente batia na janelinha,
fazia o pedido e recebia o vinho e fazia o pagamento. Agora, na Avenida
Paulista, uma versão moderninha.
“Não plantes a árvore da tristeza em teu coração.
Relê toda manhã o livro da alegria,
podes tomar vinho e satisfazer tuas vontades.
De nosso tempo, de nossa vida, o céu nos dá a medida.”
Autor: Omar Caiam (1048-1131), matemático e poeta persa, autor de
“Rubayat”, livro de quadras) e de um tratado sobre álgebra.
OBSERVAÇÃO: Omar Khayyam é como está grafado na citação da quadra que li num adorável livro de matemática, mas a Wikipedia remete para Caiam.
Você olha o cometa, acha bonito e, quem sabe, pensa que no próximo mês já estará esquecido por todos. Não é verdade. Cena rápida. Mãe e filha saíram do Shopping Light. A mãe parou, pediu para a filha ir para a frente da “estrela”, afastou-se e orientou a menina para fotografá-la. Examinou o celular, aprovou o resultado e as duas de mãos dadas caminharam pelo Anhangabaú. Daqui há muitos anos uma moça ou uma senhora olhará a foto e lembrará os bons momentos de uma noite que passaram juntas. 1º de dezembro de 2025.
Difícil
percorrer São Paulo sem esbarrar em algum legado de Francesco Antonio Matarazzo
(1854-1937), o empresário e industrial ítalo-brasileiro que foi um dos homens
mais ricos do mundo: ao morrer tinha uma fortuna estimada em vinte bilhões de
dólares, que correspondem nos dias atuais a mais de 440 bilhões de dólares. Em
1927 Francesco ou Francisco Matarazzo comprou um terreno de 250 mil m² no
Tatuapé, então zona rural de São Paulo, para construir uma casa de campo. Nos
tempos coloniais, aquela região junto ao rio Tietê, era habitada pelos índios
Piqueri, nome que a população manteve ao longo dos séculos. Piqueri em Tupi
significa “rio de peixes miúdos”.
A Chácara do Tatuapé, como Matarazzo
a denominou, tinha o estilo do conde (nessa altura ele já recebera o título do
rei da Itália): uma bela casa, criação de cavalos argentinos, búfalos
americanos e gado bovino. Como na época o Tietê ainda seguia o curso natural,
uma de suas curvas adentrava a propriedade, o que proporcionava passeios de
barco – dessa época restam apenas os vestígios de um ancoradouro. Em 1934
quando Matarazzo completou oitenta anos o jornalista Assis Chateaubriand
(1892-1968), proprietário dos Diários Associados, visitou a Chácara e publicou
uma reportagem na revista CRUZEIRO bem ao seu estilo, ou seja, parecia uma
homenagem ao octogenário, mas era mais uma de suas investidas cheias de más
intenções. O lado bom é que as fotos registraram a beleza do lugar. Na década
de 1950, a família decidiu desfazer-se da propriedade e em 1971 após várias
negociações a área foi declarada de utilidade pública e em 1976, desapropriada.
Com a justificativa de que o Tatuapé tinha pouca área verde, em 16 de abril de
1978 a prefeitura criou o Parque Municipal do Piqueri.
Dos
tempos de Matarazzo restou apenas a casa do administrador da Chácara, o
italiano Saulo
Carpinelli, onde foi instalada a administração do parque. O imóvel é tombado. O
parque tem muitas atrações. O frequentador dispõe de múltiplas escolhas: pista
do cooper, bicicletário, campo de futebol, quadras poliesportivas, playground
e até cancha de bocha entre outros equipamentos de lazer. Para o público mais contemplativo, a flora é
bastante diversificada e os destaques são o bosque de sibipirunas, bambuzais,
jacarandá-mimoso, paineira, cedro e pau-brasil entre outros. A fauna também é
bem variada. Há oitenta espécies – desde pica-pau, sabiá até gavião-carijó. Já
viu um ouriço-cacheiro? Uma boa oportunidade para conhecer esse mamífero que
vive no parque.
PARQUE MUNICIPAL DO PIQUERI: Rua Tuiuti, 515. Foto: site da Prefeitura de São Paulo.
Metrô: Linha 3 – Vermelha, Estação Tatuapé. No Terminal de Ônibus consultar linha mais adequada.
Minha
incursão pela Zona Leste continuou com uma visita à Casa do Tatuapé, uma
herança dos tempos coloniais. O imóvel construído em meados do século XVII,
provavelmente entre 1668/1698 em taipa de pilão, é “o testemunho da primeira
configuração urbana implementada naquela área da cidade”, de acordo com a
Prefeitura de São Paulo.
O
terreno pertenceu ao padre Matheus Nunes de Siqueira, como o religioso contava
com Mathias Rodrigues da Silva para administrar seus bens, a construção da casa
é creditada a ele. Na primeira metade do século XIX, começou a funcionar no
sítio uma olaria que fabricava apenas telhas; em 1880, a proprietária do imóvel
Antônia Maria Quartim casou-se com o imigrante italiano Basílio Pacini, que
passou a produzir também tijolos. Em 1945 com a morte de Elias Quartim de
Albuquerque, a propriedade foi vendida para a Tecelagem Textilia S/A e logo
começou o loteamento da área, sobrando apenas a casa seiscentista. No mesmo
ano, começou o processo de tombamento da Casa pelo IPHAN. Nos anos 1980, sob a
responsabilidade do Departamento do Patrimônio Histórico, em conjunto com o
Museu do Ipiranga (USP) foram realizadas pesquisas arqueológicas. Posteriormente,
foi iniciado o restauro da casa – reconstituição de paredes que ameaçavam
desabar, madeiramento e telhado, além de janelas, balaústres e portas
almofadadas. O piso de um dos cômodos foi mantido em terra batida para realçar
as características originais.
Muito
bem conservada, a Casa Museu fica no meio de um jardim, tem seis cômodos,
alpendre reentrante e dois sótãos; tem telhado de duas águas. O visitante pode
observar a técnica da construção de taipa de pilão em uma parede sem
acabamento. O sistema ainda é adotado por causa da adequação térmica, baixo custo
e sustentabilidade.
A
Casa Museu está localizada na Rua Guabiju, 49 e, para quem não tem carro ou
outro veículo, o passeio começa na Estação do metrô Tatuapé. Ali, no Terminal
de ônibus procura a linha Jardim Brasil e pede ao motorista para descer entre a
Rua Ulisses Cruz e Avenida Celso Garcia e caminhar uma quadra até a Guabiju, primeira travessa da Ulisses
Cruz.
Rua
Guabiju, 49. Tatuapé.