domingo, 17 de novembro de 2024

CARONAS

 

Não sou pessoa sociável. Admiro todos aqueles desconhecidos que sentam ao meu lado em locais públicos e me contam a vida em cinco minutos ou seus problemas pessoais do momento. Como conseguem? Cresci ouvindo advertências sobre estranhos e, como era tímida, o conselho caiu como uma luva. Até hoje abordo desconhecidos apenas para pedir informações, mas às vezes as situações fogem do controle. A primeira empresa em que eu trabalhei em São Paulo editava a revista Panorama da General Motors do Brasil. Um dia surgiu uma reportagem de última hora em S. José dos Campos e, como o relações públicas tinha outro compromisso, me arranjaram carona com um funcionário que estava indo para a fábrica no Vale. Conversar sobre o quê? Nunca o tinha visto mais gordo e nem o veria de novo! Foi uma longa e entediante viagem.

Anos depois, em outra empresa, fui escalada para cobrir uma visita do secretário estadual do meio ambiente a Guarujá. Novamente, problema com veículos e desta vez fui de carona num carro da companhia, mas com uma colega de outro departamento. Na Baixada, passamos a manhã em reuniões com prefeito e vereadores. Após almoçar, durante o cafezinho o secretário teve a ideia de visitar o Lixão da Alemoa em Santos, que há anos empesteava a entrada da cidade – todo o lixo coletado no município era depositado numa área a céu aberto. E lá fomos nós para o lixão de Santos, vestidos adequadamente para cobrir reuniões de gabinetes. O secretário não deixou por menos: entrou no depósito e ao cortejo nada mais restou do que acompanhá-lo. Eu já conhecia o lugar dos tempos do jornal CS, mas nunca pisara lá onde o quadro era de horror, sem contar o cheiro insuportável. Para coroar o dia, minha colega informou que ficaria em Santos. Estava eu a pé, a mais de 70 km de casa e cheirando a lixo porque os sapatos estavam encharcados com o chorume. Depois de muita conversa, conseguiram um carro para me trazer de volta e ainda me deixar em casa, já que nenhum taxista me aceitaria naquelas condições. 

Não me lembro qual era a reportagem e mais uma vez fui de carona com um colega e amigo, que dirigia um carro importado. Saímos da empresa e em plena avenida Faria Lima (acho), ele recebeu uma chamada do nosso chefe que exigia a presença dele imediatamente. Como estávamos perto do local do evento, ele me deu a notícia de que ia a pé e que eu levasse o carro. Entrei em desespero porque nunca havia dirigido carro automático. Meu amigo não se comoveu e me deu a mais rápida aula de direção de que se tem notícia e sumiu. Eu me vi no meio do trânsito congestionado em um carro alheio (e caro) que mal sabia conduzir. Conseguimos chegar aos trancos e barrancos – eu e o veículo – inteiros. Ainda bem porque na ocasião nem lembrei que ele não me dera os documentos do carro.

ANOS 1990. Uma amiga muito querida me deu carona na saída do trabalho. Final de tarde, estávamos na Faria Lima (outra vez). Na época, não sei se ainda é assim, junto ao canteiro central havia um estacionamento. Ultrapassamos o cruzamento e o farol fechou. Quando abriu, o carro não se animou a continuar. Sufoco porque onde estávamos iria causar irritação e buzinadas dos motoristas apressados. Ela me disse com naturalidade para eu empurrar o carro enquanto ela tentava fazê-lo andar. Saí, pensando com meus botões que, sendo incapaz de tirar um estepe do porta-malas de um fusca, eu duvidava ter força para empurrar o carro grande. Felizmente, não precisei me esforçar porque o farol da rua transversal abriu e o primeiro a aparecer na pista em que estávamos foi um jipe do Exército com três recrutas. A ação foi muito rápida e eficiente (creio que faz parte de exercícios da tropa): dois desceram, correram para o carro, empurraram para o acostamento e voltaram acelerados para o jipe. Acenamos e agradecemos quando eles passaram por nós com todo trânsito atrás deles...

 

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

SAPOPEMBA

 


Foi uma viagem trepidante. Explico. Dia desses alguém mencionou que a avenida Sapopemba – 38,5 km – só perde em extensão para a avenida Brasil no Rio de Janeiro, que tem 58km. Olhei um mapa e vi que ela começa perto do Belém e se estende até Ribeirão Pires! Sempre gostei do nome Sapopemba, palavra indígena com três consoantes bilabiais e que ouvi pela primeira em São Paulo porque um colega de trabalho falava sempre do bairro em que morava. Significa em Tupi “raiz protuberante”.

Como o sol havia voltado, pensei em ir até lá para conhecer o Parque Zilda Arns que tem sete quilômetros de extensão. O melhor caminho é sempre o metrô: fui até a estação Vila Prudente e embarquei no monotrilho – Linha Prata com destino ao Sapopemba. Até aí nada demais porque em 2014, quando o metrô promoveu visitas do público às duas primeiras estações prontas fui conhecer a novidade.

Parece que esta é a única linha de monotrilho operando no Brasil e a primeira no mundo destinada ao transporte público com alta capacidade.  Ao contrário do sistema tradicional em que os trens correm sobre dois trilhos, neste caso é usado um único trilho. Como as estações são elevadas – a altura varia entre doze e quinze metros, e os vagões têm janelas mais amplas, é possível ter uma visão panorâmica da região. O trem trepida de vez em quando. A surpresa foi a quantidade de conjuntos habitacionais ao longo do percurso, mas escapam da vista as calçadas. Foi apenas quando vi do lado oposto o trem sobre as pilastras em direção à Vila Prudente, dando a impressão de que está solto, que me lembrei de que estava bem longe do solo. Uma bonita imagem.

No terminal da estação Sapopemba, ninguém conhece o Parque Zilda Arns. Insisto no número que peguei na internet. Indicam um ônibus que vai para o Belém. Belém? “A senhora senta ali na frente e vai olhando a numeração” – aconselha o motorista gentilmente. São Paulo consegue ser sempre surpreendente. Por ser imensa, ignoramos muito sobre ela. O trabalho paisagístico dado à avenida no trecho por onde passa o monotrilho diminui o impacto da obra no ambiente: arborização ladeia a ferrovia suspensa e sob ela há uma ótima ciclovia. Do parque nem sinal. O monotrilho segue por um lado e o ônibus pela avenida famosa. Resolvo continuar até o Belém, onde pegarei o metrô. Enquanto observava o comércio, as pessoas em suas rotinas para lá e para cá, lembrei-me de uma palavrinha que, por preguiça, não anotei: linear, e da informação de que o parque tem sete quilômetros de ‘extensão’. Claro que eu havia passado pelo parque – já que um parque linear acompanha rios, canais e até uma via expressa! A questão é que um dia terei que voltar para conhecer melhor as outras atrações, além da ciclovia, que ele oferece.

Imagem: Wikipédia.


terça-feira, 12 de novembro de 2024

A POESIA DE OLGA SAVARY

 


ÁBACO

"Lembro-me como se fosse hoje:
no mato sem cachorro,
mesmo sem cão, não caço com gato
mas tiro meu cavalinho da chuva,
Tarde aprendi que mais vale
um pássaro na mão do que dois voando
e que uma andorinha só não faz verão.
Apanhando como boi ladrão,
o homem é o lobo do homem.
Ah! King Kong,
cada macaco no seu galho.
Sem jeito mandou lembranças.
Boa romaria faz
que em sua casa fica em paz.
Esperarei sentada.
Vivaldi, vida vida,
Noves fora: nada. "
Olga Savary (1933-2020), poeta, jornalista e escritora paraense. "Eden Hades", Massao Ohno Editor,1994.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

CHOVE

 


Eu insisto em não carregar guarda-chuva. Estava na Vila Madalena, quando a chuva começou. Consegui uma carona de guarda-chuva até o ponto de ônibus mais próximo: Barra Funda, onde desci e peguei o ônibus para Ana Rosa... Há muito tempo não enfrentava os problemas de trânsito em dia chuvoso em Sampa. Lá fora a chuva continua animada. E aqui dentro também. Já troquei de banco duas vezes. A vedação de algumas janelas é precária. No primeiro ônibus, uma senhora reclama porque tiraram o guarda-chuva da bolsa dela, mas bastou uma ligação para descobrir que foi a filha. A menina e os passageiros ouviram toda a indignação da mãe, que estava indo trabalhar. O segundo ônibus rendeu uma enxurrada de palavrões de dois estudantes atrasados para uma prova – se for teste de bom comportamento, zero para a dupla. Vejo lá fora a Casa das Rosas entre os pingos de chuva pendurados nas janelas. Logo estarei em casa.


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

O PARCEIRO IDEAL

 No baile, é simples assim: o parceiro ideal é aquele com quem você gosta de dançar ou aquele com quem você sente segurança ao deslizar pelo salão. E – surpresa! – pode nem ser uma pessoa que dance bem.

Naturalmente, há algumas coisas essenciais que podem ajudar muito os dançarinos a se tornarem parceiros mais agradáveis, tanto nas academias como nos salões: as boas maneiras. Ou seja, aquelas normas de comportamento, que tornam a vida de todo mundo melhor, a velha etiqueta.

Eis alguns lembretes:

  1. Se por qualquer razão a dama não quiser dançar com um cavalheiro que a tenha escolhido, ela não deve aceitar logo em seguida, o convite de outra pessoa para dançar aquela música. Estar esperando por alguém é uma boa desculpa.
  2. O cavalheiro nunca deverá usar a dama como suporte e evitar todo tipo de falha que o torne antipático.
  3. O cavalheiro, após dançar com uma dama, nunca deve abandoná-la no meio do salão. Deve levá-la de volta à mesa, aos amigos ou apresentá-la a outro parceiro, sempre com os devidos agradecimentos.
  4. A dama deve reservar a primeira e a última dança para dançar com quem a acompanhou ao baile.

5.     É de bom tom que o cavalheiro se aproxime de uma dama para dançar por meio de uma apresentação. Mas se não houver um intermediário, ao abordar a dama, deve pedir licença para depois fazer o convite.

6.     Não ponha as mãos nos bolsos da calça. É um hábito feio e deselegante.

7.     Dance de acordo com as normas. Discrição é uma qualidade. Evite atitudes íntimas e exibicionistas com o parceiro.

8.     Cabe ao cavalheiro dirigir a dama, evitando aborrecimentos com esbarrões nos demais. A direção a seguir deve ser sempre a dos outros: a da direita ou sentindo anti-horário.

9.     Evitar pisadas e joelhadas, pois se isto acontece, a dama por instinto de defesa, torna-se esquiva, fugindo aos pisões e encontrões, resultando daí, desinteligência no dançar.

10.    Nunca se esqueça de que você não está sozinho no salão.

11.    Enfim, um bom hálito é essencial.

  

                        Le Moulin de la Galette, Auguste Renoir (1841-1919). Musée d'Orsay, Paris. 



domingo, 3 de novembro de 2024

UMA SEMANA PARA DANÇAR


"Ela é Dançarina"

Chico Buarque

"O nosso amor é tão bom
O horário é que nunca combina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando pego o ponto
Ela termina

Ou: quando abro o guichê
É quando ela abaixa a cortina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Abro o meu armário
Salta serpentina

Nas questões de casal
Não se fala mal da rotina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando caio morto
Ela empina
Ou quando eu tchum no colchão
É quando ela tchan no cenário
Ela é dançarina
Eu sou funcionário
O seu planetário
Minha lamparina

No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim

Ela é dançarina
Eu sou funcionário
Quando eu não salário
Ela, sim, propina

No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço a Deus do céu uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim

Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando esquento a sopa
Ela cantina
Ou quando eu Lexotan
É quando ela Reativina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Viro o calendário
Voa purpurina


No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim,
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim


Ela é dançarina
Eu sou funcionário
Quando eu não salário
Ela, sim, propina


No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim."

Fred Astaire era um dançarino maravilhoso. E Rita era ótima.

Filme "Ao compasso do amor" (1941): direção de Sidney Lanfield, com Rita Hayworth e Fred Astaire.

https://www.youtube.com/watch?v=qyYiO51peVc




sábado, 2 de novembro de 2024

ARTE E MORTE

LITERATURA

 “Uma pá e uma enxada,

Uma enxada e um lençol;

Um buraco cavado em terra

A tal hóspede bem convém.”

ShakespeareHamlet,  (Ato V). Tradução: Oscar Mendes




A bela tapeçaria de Bayeux de 69 metros de comprimento e 60 cm de largura, bordada em linho, narra a conquista normanda da Inglaterra e esta é a penúltima cena em que um cavaleiro normando golpeia  Harold II, rei da Inglaterra (1066), na batalha de Hastings. O trabalho está exposto no Musée de la Tapisserie, em Bayeux, França. O trabalho, que foi elaborado entre 1070-1080, está detalhado no site do professor Dr. Ricardo Costa:

https://www.ricardocosta.com/tapecaria-de-bayeux-c-1070-1080

PINTURA


"O enterro do Conde Orgaz" (1586), tela do espanhol El Greco (1541-1614). Igreja de S. Tomé, Toledo (Espanha).


"A morte de Marrat" (1793) é uma tela de Jacques-Louis David (1748-1825), exposta no Musée Royaux des Beaux Arts, em Bruxelas. O jornalista foi assassinado por Charlotte Corday durante a Revolução Francesa por motivos políticos. David era amigo pessoal de Marat. 



FOTOGRAFIA



"A Harvest of Death", fotografia de Timothy H. O’Sullivan feita entre 4 e 7 de julho de 1863, Batalha de Gettysburg, durante a Guerra Civil americana.  Foto: Google Art Project – Wikipedia. 


“A morte de um soldado” (193), foto do correspondente de guerra Robert Capa (1913-1954), durante a Guerra Civil espanhola. 


ESCULTURA

Sé de Lisboa, foto: 2023.

MÚSICA

REQUIEM, Mozart.

https://www.youtube.com/watch?v=MafAZeag1_0