domingo, 11 de maio de 2025

“A XÍCARA DA HUMANIDADE"

 


“O chá era a princípio um remédio e se transformou em uma bebida. Na China do século VIII, entrou para o campo da poesia como um entretenimento refinado. O século XV viu o Japão elevá-lo à categoria de religião estética, ou seja, à de ‘chaísmo’. O ‘chaísmo’ é um culto que se fundamenta na veneração da beleza em meio à sordidez dos acontecimentos diários. Incute a pureza e a harmonia, o mistério da caridade mútua, o romantismo da ordem social. É essencialmente a veneração do imperfeito, uma tentativa singela de conquistar o possível em meio a esta coisa impossível que conhecemos como vida.” O LIVRO DO CHÁ – tradução Leiko Gotoda.


quinta-feira, 8 de maio de 2025

VOCÊ SABE DE ONDE EU VENHO?

Há 80 anos terminava a II Guerra Mundial (1939-1945). As retaliações da Alemanha contra o Brasil começaram em 1942, quando o governo brasileiro rompeu relações com Itália e Alemanha.  Como consequência, o Brasil teve 34 navios torpedeados e desse total apenas uma embarcação era de guerra – o “Vital de Oliveira”, abatido em 19 de julho de 1944. Todos os demais eram da marinha mercante. Esses ataques causaram a morte de 1.081 pessoas.

A COBRA VAI FUMAR – A mobilização fora decretada em 1942, mas a convocação só aconteceu em 1943, com a criação da Força Expedicionária Brasileira – FEB.  A demora para a decisão de embarque da força expedicionária para a Europa por uma série de problemas políticos e de treinamento dos pracinhas tornou-se motivo de ironia e dizia-se que era “mais fácil uma cobra fuma do que a FEB lutar”. A chacota virou desafio e o bordão depreciativo virou grito de Guerra e um símbolo da FEB. Dos 25.334 homens embarcados morreram 451.

O poeta Guilherme de Almeida e o maestro Spartaco Rossi são os autores da Canção do Expedicionário, gravada por Francisco Alves, em 1944. Em 1960, quando foi inaugurado o Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial no Rio de Janeiro, Guilherme de Almeida contou que: "Era já a madrugada de 8 de março de 1944 quando escrevi a última sextilha da 'Canção do Expedicionário'. (...) Apenas uma rapsódia. Mapa lírico do Brasil: fragmentos de canções do povo, com que o 'pracinha' – o novo, desconhecido soldado dos Exércitos Aliados – havia de apresentar-se a gentes outras, terras de outrem, dizendo: Você sabe de onde eu venho?” O poeta usou referências musicais, poesias populares e fragmentos literários que tornam o poema comovente, o que certamente contribuiu para o grande sucesso da música.

Você sabe de onde eu venho?
Venho do morro, do engenho
Das selvas, dos cafezais
Da boa terra do coco
Da choupana, onde um é pouco
Dois é bom, três é demais.

Venho das praias sedosas
Das montanhas alterosas
Dos pampas, do seringal
Das margens crespas dos rios
Dos verdes mares bravios
Da minha terra natal

Por mais terras que eu percorra
Não permita, Deus, que eu morra
Sem que volte para lá
Sem que leve por divisa
Esse V que simboliza
A vitória que virá.

(...)





Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial no Rio de Janeiro.




Cemitério Militar Brasileiro de Pistoia, Itália, onde até 1960 ficaram os despojos dos pracinhas. Foto: 2011.


 

Porreta Terme, Itália: monumento em homenagem aos soldados da FEB.

(Infelizmente, o sol não ajudou na hora da foto.) 2011.


Homenagem aos ex-combatentes da FEB no Ibirapuera. 2018.


https://www.facebook.com/groups/MONTECASTELOHISTORIA 

segunda-feira, 5 de maio de 2025

TACNOLOGIA FACILITANDO A VIDA

Ouço pessoas reclamarem das tarefas domésticas cotidianas e penso que elas se queixam sem saber do que escaparam, pois ainda em meados do século passado não dispúnhamos de tantas facilidades como nos dias atuais. Houve uma grande evolução tecnológica que nos livrou de coisas que para as novas gerações parecem absurdas, mas chegaram a ser consideradas “muito práticas”.

Gosto demais da avó das geladeiras elétricas, a chamada “caixa de gelo” porque funcionava com uma pedra de gelo que era entregue diariamente em casa pela Fábrica de Gelo que em Santos era na Vila Matias. Em casa tínhamos uma grande, que só foi substituída por uma geladeira elétrica Frigidaire em 1950. Já escrevi sobre a enceradeira de casa, igualzinha à da foto. Cresci ouvindo rádio que funcionava com válvulas e ficava em um lugar especial na sala de visitas ao lado do qual minha avó fazia crochê escutando a programação; tínhamos também um telefone de parede na copa, bem mais moderninho do que o exibido no museu. Nos anos sessenta ganhei uma vitrola portátil e um rádio Spica de pilha, que me acompanhou por muitos anos.

Os museus guardam essas preciosidades – sim, preciosidades, inclusive muita coisa com que a minha geração ainda conviveu já faz parte dos acervos. Um exemplo: a máquina do cartão de crédito. O funcionamento era simples: o lojista colocava um impresso do cartão devidamente preenchido com o valor da compra, imprimia manualmente e o cliente assinava, ficando com uma via. Isso ainda no final do século XX. 


Museu da Energia, São Paulo, Campos Elíseos. São Paulo.

O secador de cabelos ao lado do ventilador. 


Máquina de lavar roupas. Após a lavagem, a roupa era passada pelo rolo na parte de cima (área vermelha) para tirar o excesso de água.😆

Telefone de parede.


Fogão a gás e a "caixa de gelo".

Gramofone, Museu do Tribunal de Justiça. São Paulo.


Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, 2015.

Imagem, Internet.



Museu da Energia:  Alameda Cleveland, 601 - Campos Elísios. 

Museu Histórico Nacional: Praça Marechal Âncora, Rio de Janeiro.

Museu Tribunal de Justiça de São Paulo: R. Conde de Sarzedas.

domingo, 4 de maio de 2025

LEMBRANÇAS

 

Mercado Trajano (113 D.C.), no Monte Quirinal, Roma, 2006.

Hoje estou me desfazendo das lembranças físicas das viagens que fiz pelo exterior – ou seja, mapas de cidades e dos sistemas de transportes, folhetos – alguns com anotações – dos locais que visitei: museus, igrejas, monumentos, galerias, pinacotecas etc. Há vários que peguei na rua e nunca fui. Guardarei apenas alguns catálogos que são muito bonitos. A caixa organizadora ainda se mantém cheia e não me considero acumuladora...

Precisava de um critério para a “limpeza”. Pensei no assunto e achei que o melhor seria começar por aqueles lugares a que não voltarei. Logo me lembro da Bélgica e da Áustria. A primeira, porque Bruxelas não me interessava, mas a velha e boa VASP, já nos estertores da existência, oferecia a passagem mais barata para a Europa. A segunda porque, apesar de linda, nela não me senti bem-vinda em Viena e me restou a impressão de que o vienense carece de polidez.

Difícil mesmo foi mexer nos guardados da Grã-Bretanha, França e Itália, países de que gosto muito e tive a oportunidade de visitar várias vezes. Beleza, cultura, acolhimento excepcionais. A primeira vez que vi Paris foi no outono, tempo encoberto e frio. Achei a cidade cinza, mas aproveitei cada momento peregrinando por museus e lugares que a História, a música e a literatura me haviam revelado. Até estendi a visita por mais três dias. De Paris embarquei num trem noturno para Roma (isso antes dos trens de alta velocidade). E Roma foi um deslumbramento – sol, calor, gente maravilhosa e me descobri num museu a céu aberto. Na verdade, a Itália foi uma paixão à primeira vista. Paris me conquistou mesmo na segunda visita. Como não sabia se haveria outra chance de voltar à Europa, escolhi cuidadosamente os lugares que eram essenciais para mim. Na Itália, fui a Pompeia, Veneza e Florença. Beleza de tirar o fôlego. Próxima parada: Grécia – Atenas e algumas ilhas. Descobri a Grécia ainda na infância com a turma de Monteiro Lobato, que vivia no Sítio do Pica-pau Amarelo. Valeu cada minuto!

Como acumulei tanta papelada? Quando pude, voltei à França, Itália e Grã-Bretanha – meus roteiros sempre foram baseados principalmente em História e minha curiosidade por conhecer os principais museus do mundo (faltou o Hermitage). E a papelada foi aumentando... Sem contar os caderninhos, diários de viagem, com anotações sobre coisas que não lembro. Idade? Não, as coisas anotadas não deviam ser relevantes; entretanto, recordo-me de coisas banais, pessoas e lugares que deixaram impressão forte.

Aprendi muito observando, mas também com pessoas que ajudaram a achar um endereço, indicaram um caminho melhor e até me pediram ajuda. Viajar sozinha foi um desafio que me impus – como eu reagiria em situações difíceis, sem conhecer idiomas, lugares e sem a proximidade de amigos (à distância tive muito apoio). Para minha surpresa acho que me saí muito bem. Me perdi, me achei, briguei, bati boca com um espertalhão que me seguiu em Atenas e, muito antes da invenção da Internet, quantas vezes cheguei a cidades sem reserva de hotel confiando nos escritórios municipais de apoio ao viajante que faziam booking na hora, forneciam mapas e ainda desejavam uma feliz estadia (nem todos).

Passei o sábado viajando... Viajando no tempo.

Paris moderna, La Défense, 2011.



quarta-feira, 30 de abril de 2025

TRABALHO CAPRICHOSO

Ele cuida da limpeza do vidro e para que as pessoas possam admirar o cenário e fazer fotos. Fica de plantão observando o movimento e, faz-se então uma pausa, para ele limpar as digitais deixadas pelos visitantes mais entusiasmados com essa visão de uma parte do Centro Histórico de São Paulo...   À esquerda do Vale do Anhangabaú, vê-se o Edifício Martinelli e o Edifício Matarazzo, sede da prefeitura, com seu jardim suspenso. No centro, o edifício o prédio CBI Esplanada, que deixa apenas uma nesga do Teatro Municipal à vista. À direita o centenário prédio dos Correios. Sampa Sky, 24 de julho de 2023. Foto: Hilda Araújo.







segunda-feira, 28 de abril de 2025

O CALCETEIRO

 

Há alguns anos eu atravessava a Praça Ramos de Azevedo quando o vi trabalhando na calçada. Um calceteiro! Lembrei-me dos tempos de Santos, onde vi pela primeira vez o trabalho minucioso desses homens que revestem calçadas com pedras portuguesas – pedrinha por pedrinha, formando desenhos que admiramos sem lembrar quem os executou. Uma profissão em extinção pelo que observo atualmente no Centro Histórico de São Paulo, onde placas de concreto cinzentas cobrem os calçadões reformados – seguras para os pés apressados do paulistano, porém, monótonas para os olhos que passeiam pela paisagem.

As calçadas portuguesas estão desaparecendo silenciosamente. O chão calcetado é usado desde a Antiguidade, mas a calçada portuguesa data do século XIX e é uma arte genuinamente lusitana e que faz parte do patrimônio cultural de Portugal. A Praça do Rossio foi a segunda área de Lisboa ganhar uma calçada portuguesa, iniciativa que se espalhou pela cidade, pelo país e pelas colônias.

A Câmara de Lisboa criou em 1986 a Escola de Jardinagem e Calceteiros para renovar o efetivo de profissionais municipais e preservar e divulgar o calcetamento. Na escola, homens e mulheres aprendem a “arte de calcetar ao quadrado, o desdobrar da pedra e o malhetar”, expressões comuns entre os mestres calceteiros. As pedras usadas são geralmente de calcário branco e preto ou basalto; encontram-se também o vermelho e o verde. As cores tradicionais são o preto e o branco.

            Anotei o nome do calceteiro que trabalhava na Praça Ramos, mas infelizmente o papelzinho perdeu-se.

A Escola de Calceteiros funciona na Avenida Dr. Francisco Luís Gomes 1800, no Arroios, Lisboa. 

O calceteiro na Praça Ramos de Azevedo.

Lisboa, Praça do Rossio e a calçada portuguesa, 2023.

Praça João Mendes: calçada portuguesa com as cores paulistas, 2025.

As ondas de Copacabana (RJ), 2015.


A calçada portuguesa da Praia do José Menino, Santos (SP), 2019.




domingo, 27 de abril de 2025

O JARDINEIRO

Os jardineiros em São Paulo têm um trabalho inglório: nas praças e nos parques lineares, plantam flores e plantas ornamentais com muito cuidado. Deixam a cidade bonita, com muito colorido; porém, infelizmente, uma parte da população ignora esse trabalho e insiste em fazer dos jardins da cidade sua lata de lixo. Mas, como dizem os poetas

"SEGUE o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

(...)."

Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa).

Praça Marechal Deodoro, na Barra Funda: a escultura de Murilo Vaz Toledo faz parte de um conjunto em homenagem aos trabalhadores terceirizados de São Paulo.



"Quelquefois dans un beau jardin
Où je traînais mon atonie,
J'ai senti, comme une ironie,
Le soleil déchirer mon sein,

Et le printemps et la verdure
Ont tant humilié mon coeur,
Que j'ai puni sur une fleur
L'insolence de la Nature."

À CELLE QUI EST TROP GAIE  Baudelaire.

O GARI

Quase ninguém sabe quem ele é, entretanto, milhões de pessoas falam seu nome diariamente pelo Brasil. Era francês; na década de 1870, ainda bem jovem veio para o Brasil, estabelecendo-se no Rio de Janeiro onde criou uma empresa de limpeza – aliás, como bom observador, percebera que limpeza não era exatamente uma qualidade da cidade. Quando o lixo se tornou um sério problema de saúde pública, o Ministério do Império instituiu a limpeza sistemática das ruas Rio e no dia 10 de outubro de 1876 foram contratados os serviços de Aleixo Gary para cuidar da limpeza pública do Rio de Janeiro e transportar todo o lixo para a ilha de Sapucaia, na baía da Guanabara. Os trabalhadores da limpeza eram populares na cidade e os cariocas referiam-se a eles como os “os meninos de Gary” e com o tempo eles passaram a ser chamados apenas de “Garys”. O nome se popularizou. Essa é a origem da palavra gari – um ótimo exemplo de metonímia para as aulas de Português da garotada. 

O contrato de Aleixo Gary durou até 1891 – já no período republicano, mas o pessoal da limpeza pública continua firme e forte até hoje levando, sem saber, o nome dele pelas cidades brasileiras num trabalho sem fim, já que as pessoas continuam ignorando as boas maneiras e jogando o lixo onde não deve. No Dia do Trabalho, uma homenagem a esses trabalhadores anônimos que participam de nossas vidas e que a maioria da população nem um bom dia lhes deseja. A escultura faz parte de um conjunto em homenagem aos trabalhadores terceirizados de São Paulo, na Praça Marechal Deodoro, obra de Murilo de Sá Toledo.

        Em tempo: as ilhas de Sapucaia, dos Pinheiros, de Bom Jesus e do Fundão foram aterradas na década de 1940 para a construção da Cidade Universitária.

Foto: Otávio Ástor Vaz Costa.