Os dois
nordestinos conheceram-se no Rio de Janeiro em setembro de 1918 em um jantar: Belarmino,
20 anos, recém-chegado à cidade, e Francisco com 26 anos, advogado e jornalista
em ascensão por seus artigos na imprensa carioca. O primeiro pernambucano de
Caruaru e o segundo, paraibano de Cruzeiro. Belarmino, ex-seminarista, foi
levado ao jantar pelo tio que apoiava na vida nova. A Grande Guerra (1914/1918)
estava terminando e Francisco alinhava-se com os alemães, posição com a qual
Belarmino não concordava e não se sentiu nem um pouco intimidado em rebater o
discurso germanófilo do jornalista. Aliás, eles divergiram em religião,
política, economia e literatura, o que não impediu que a conversa durante o
jantar se desenrolasse “solta, animada, entre risadas e frases de espírito”.
Na despedida, Francisco fez o convite: “Caboclo, se vosmecê é tão bom
atleta quanto polemista, venha remar comigo no Clube Guanabara”. Nascia ali a amizade
entre Francisco de Assis Chateaubriand e Belarmino Maria Austregésilo Augusto
de Athayde. Amizade (e o apelido) que durou mais de quarenta anos. Iam à praia
todas as manhãs, nadavam, remavam e tomavam sol. Um dia Chateaubriand sumiu,
Athayde preocupou-se, mas quando finalmente achou o salva-vidas, o amigo
apareceu: “Já estava ensaiando o discurso que teria que fazer à beira de sua
cova”. Chateaubriand propôs um pacto: o que sobrevivesse seria o encarregado do
elogio fúnebre do outro. Algumas semanas depois Chateaubriand pensou que teria
de escrever o epitáfio do amigo: Austregésilo de Athayde pegou a gripe
espanhola, que chegara ao Rio com tripulantes do navio inglês Demerara.
Athayde recuperou-se e foi ao JORNAL DO BRASIL, onde Chateaubriand
trabalhava, contar vantagens, pois segundo ele, “quem escapa da praga que mata
até presidente da República está fadado a viver para sempre. Pode rasgar seu
discurso porque na minha sepultura você não vai falar”.
Ter um jornal era o sonho da vida de Assis Chateaubriand, que tinha até um
funcionário contratado: Athayde. Chateaubriand era jornalista, mas vivia
principalmente da advocacia. “Caboclo, quando eu comprar um jornal você vem
trabalhar comigo.” Ao longo de seis anos, Assis Chateaubriand trabalhou, enredou,
comprou grandes brigas políticas e pessoais e provocou muita confusão. Fez
amigos e inimigos de todos os portes. Enfim, aos 32 anos conseguiu comprar “O
Jornal”, propriedade do jornalista Renato Toledo Lopes, fundado havia cinco
anos. Detalhe: não tinha um tostão, mas correu atrás de amigos e fechou o
negócio. Na manhã dia 30 de outubro de 1924, ele passou pela casa de Austregésilo
de Athayde: “Caboclo, venha comigo que nós vamos tomar posse de “O Jornal”.
Acabei de comprar aquele diário e quero você como testemunha na hora de
sacramentar o negócio”.
Uma das grandes demonstrações dessa sólida amizade ocorreu em 1926,
quando Chateaubriand lançou o livro sobre o falecido presidente Artur
Bernardes, com quem teve sérios confrontos para dizer o mínimo. Em “Terra
desumana” o “esquartejamento (de Bernardes) é lento”, nas palavras de Fernando
Morais (CHATÔ, o rei do Brasil). A primeira crítica foi publicada em “O Jornal”.
Nada favorável apesar de ter a assinatura do amigo Austregésilo de Athayde. Chateaubriand,
para surpresa geral, não gritou nem demitiu o Caboclo. Apenas comentou: ”Queres
ver as coisas sempre pelo lado do bom moço” e depois escreveu um artigo
simpático ao Caboclo.
Uma amizade que se baseava em lealdade e confiança mútua “e resistiu a
discussões acaloradas, pois Chateaubriand dava-lhe total liberdade de expressão,
jamais concedida a qualquer outro jornalista seu empregado”, de acordo com
Laura Sandroni, filha de Austregésilo de Athayde.
Austregésilo de Athayde (esquerda) nasceu em 25 de setembro de 1898, em Caruaru (PE)
e faleceu em 1993. Assis Chateaubriand (direita) morreu em 1969.