terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

DESCOBRINDO SÃO PAULO A PÉ

Que tal uma caminhada por São Paulo de Sul (Engenheiro Marsilac) a Norte (Tremembé), para conhecer melhor a cidade, considerada uma das mais globalizadas do mundo, com uma área de 1 521,110 km², onde vivem 12 396 372 pessoas? O fotógrafo Roberto Linsker (1964) deu a ideia ao editor da revista National Geographic, que gostou e convidou o escritor de Reinaldo Moraes (1950) para fazer a reportagem da caminhada. Um detalhe: eles teriam que fazer o percurso – cerca de 90 km – em sete dias!  Alguns trechos do percurso, por questões logísticas, foram feitos de van, ônibus, metrô e táxi.

A dupla partiu de táxi no domingo, 2 de novembro de 2003, com destino a Engenheiro Marsilac. Dia chuvoso. Moraes aproveita a “viagem” para perguntar a Linsker detalhes da tarefa: “Minha ideia é andar e ver o que rola, as pessoas, os lugares, os caminhos, os contrastes. Não é uma pesquisa sociológica ou urbanística. Nem uma reportagem denúncia ou turística. Não sei, na verdade, o que é que vamos fazer. Vamos ver São Paulo, numa linha mais ou menos reta, do sul ao norte”.

O táxi os deixou num bar “no centrinho com ar interiorano de Marsilac, cercado de mata Atlântica por todos os lados e cortado pela ferrovia que liga São Paulo a Santos”, onde tomaram café. Ali começam a conversar com pessoas, a buscar informações e, enfim, se pôr a caminho para tecer essa história diferente de São Paulo. O roteiro é meio assustador para mim, que estou acostumada a andar a pé: Marsilac, Embura,  aldeia Guarani, Parelheiros, Grajaú, Cidade Dutra, Guarapiranga, Interlagos, Santo Amaro, Largo Treze, Socorro, Aeroporto, Moema, Parque Ibirapuera, Paraíso, Liberdade, Sé, Santana, Mandaqui, Tucuruvi, Tremembé... e o ponto final na Rodovia Fernão Dias.

Como eles se saíram? Muito bem, apesar de Moraes logo no primeiro dia ter despertado a ira do nervo ciático nas lombadas que o taxista atropelou a caminho de Marsilac. O ciático rouba muitas cenas da narrativa leve e muito agradável do trajeto. Calouro na arte de caminhar, Moraes levou uma mochila com várias coisas dispensáveis embora importantes – como xampu e creme para os cabelos e dois livros literário para ler ou consultar no caminho de peso não só, o que não aconteceu, naturalmente. Não demorou para ele concluir que “(...) qualquer trekker logo aprende que 100 gramas de manhã pesarão um quilo à noite, depois de um dia de caminhada.” Linsker foi com uma bolsa dorsal (?) onde carregou o básico.

 Nem vou detalhar essa viagem a pé por uma São Paulo em vias de completar 450 anos. Moraes fez um belo relato, mostrando-nos um pouco das pessoas anônimas que constroem a cidade, cidade em que vivem à margem, locomovendo-se quilômetros para trabalhar e ganhar mal ou se reinventar para conseguir sobreviver. Ora, dirá o leitor desavisado, isso é na periferia – norte ou sul; mas engana-se. Elas estão bem pertinho da classe alta e média, nos balcões de padarias, em bares, fazendo faxina, serviços de pedreiro, pintores. São camelôs, mecânicos, vendedores ambulantes, feirantes...Como Geralda que mora no Grajaú e tem uma barraquinha de café, bolo e refrigerantes na avenida Washington Luís, bem pertinho da pista de pouso do aeroporto de Congonhas e nunca viajou de avião. Ou como Cleuza, 38 anos, mãe de cinco filhos e avó de um netinho. Ela mora em São Miguel Paulista, vende cafezinho na Rua Vinte de Março na feirinha da madrugada. Conta que durante a semana dorme numa quitinete alugada com mais quinze ambulantes (cada um tem seu colchonete e seu próprio fogareiro). As fotos de Linsker são belas e expressivas.

            A dupla andarilha terminou a jornada no sábado, quando retornou a Parelheiros para visitar a aldeia guarani Tenondê Porá, pois no primeiro dia não encontraram o cacique Timóteo. Vale a pena ler “Estrangeiros em casa – uma caminhada pela selva urbana de São Paulo”, de Reinaldo Moraes e Roberto Linsker. São Paulo: Editora Abril, 2003. 

“Estrangeiros em casa – uma caminhada pela selva urbana de São Paulo” de Reinaldo Moraes e Roberto Linsker. São Paulo: Editora Abril, 2003.



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