Que
tal uma caminhada por São Paulo de Sul (Engenheiro Marsilac) a Norte
(Tremembé), para conhecer melhor a cidade, considerada uma das mais
globalizadas do mundo, com uma área de 1 521,110 km²,
onde vivem 12 396 372 pessoas? O fotógrafo Roberto Linsker (1964) deu
a ideia ao editor da revista National Geographic, que gostou e convidou o
escritor de Reinaldo Moraes (1950) para fazer a reportagem da caminhada.
Um detalhe: eles teriam que fazer o percurso – cerca de 90 km – em sete
dias! Alguns trechos do percurso, por
questões logísticas, foram feitos de van, ônibus, metrô e táxi.
A dupla partiu de táxi no domingo, 2 de novembro de 2003, com
destino a Engenheiro Marsilac. Dia chuvoso. Moraes aproveita a “viagem” para
perguntar a Linsker detalhes da tarefa: “Minha ideia é andar e ver o que rola,
as pessoas, os lugares, os caminhos, os contrastes. Não é uma pesquisa
sociológica ou urbanística. Nem uma reportagem denúncia ou turística. Não sei,
na verdade, o que é que vamos fazer. Vamos ver São Paulo, numa linha mais ou
menos reta, do sul ao norte”.
O táxi os deixou num bar “no centrinho com ar interiorano de
Marsilac, cercado de mata Atlântica por todos os lados e cortado pela ferrovia
que liga São Paulo a Santos”, onde tomaram café. Ali começam a conversar com
pessoas, a buscar informações e, enfim, se pôr a caminho para tecer essa história
diferente de São Paulo. O roteiro é meio assustador para mim, que estou
acostumada a andar a pé: Marsilac, Embura, aldeia Guarani, Parelheiros, Grajaú, Cidade
Dutra, Guarapiranga, Interlagos, Santo Amaro, Largo Treze, Socorro, Aeroporto,
Moema, Parque Ibirapuera, Paraíso, Liberdade, Sé, Santana, Mandaqui, Tucuruvi, Tremembé...
e o ponto final na Rodovia Fernão Dias.
Como eles se saíram? Muito bem, apesar de Moraes logo no primeiro
dia ter despertado a ira do nervo ciático nas lombadas que o taxista atropelou
a caminho de Marsilac. O ciático rouba muitas cenas da narrativa leve e muito agradável
do trajeto. Calouro na arte de caminhar, Moraes levou uma mochila com várias
coisas dispensáveis embora importantes – como xampu e creme para os cabelos e dois
livros literário para ler ou consultar no caminho de peso não só, o que não
aconteceu, naturalmente. Não demorou para ele concluir que “(...) qualquer
trekker logo aprende que 100 gramas de manhã pesarão um quilo à noite,
depois de um dia de caminhada.” Linsker foi
com uma bolsa dorsal (?) onde carregou o básico.
Nem vou detalhar essa viagem
a pé por uma São Paulo em vias de completar 450 anos. Moraes
fez um belo relato, mostrando-nos um pouco das pessoas anônimas que constroem a
cidade, cidade em que vivem à margem, locomovendo-se quilômetros para trabalhar
e ganhar mal ou se reinventar para conseguir sobreviver. Ora, dirá o leitor desavisado,
isso é na periferia – norte ou sul; mas engana-se. Elas estão bem pertinho da
classe alta e média, nos balcões de padarias, em bares, fazendo faxina, serviços
de pedreiro, pintores. São camelôs, mecânicos, vendedores ambulantes,
feirantes...Como Geralda que mora no Grajaú e tem uma barraquinha de café, bolo
e refrigerantes na avenida Washington Luís, bem pertinho da pista de pouso do
aeroporto de Congonhas e nunca viajou de avião. Ou como Cleuza, 38 anos, mãe de
cinco filhos e avó de um netinho. Ela mora em São Miguel Paulista, vende
cafezinho na Rua Vinte de Março na feirinha da madrugada. Conta que durante a
semana dorme numa quitinete alugada com mais quinze ambulantes (cada um tem seu
colchonete e seu próprio fogareiro). As fotos de
A dupla andarilha terminou a jornada no sábado, quando
retornou a Parelheiros para visitar a aldeia guarani Tenondê Porá, pois no
primeiro dia não encontraram o cacique Timóteo. Vale a pena ler “Estrangeiros
em casa – uma caminhada pela selva urbana de São Paulo”, de Reinaldo Moraes e
Roberto Linsker. São Paulo: Editora Abril, 2003.
“Estrangeiros em casa – uma
caminhada pela selva urbana de São Paulo” de Reinaldo Moraes e Roberto Linsker.
São Paulo: Editora Abril, 2003.
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