segunda-feira, 21 de agosto de 2023

CONSOLAÇÃO E A ARTE TUMULAR

O Diário Nacional começou a circular em julho de 1927 e em sua curta existência contou com a colaboração de Mário de Andrade, que escrevia críticas sobre arte em geral e literatura. Críticas que muitas vezes têm sabor de crônica, quase sempre com a irreverência bem-humorada característica dos modernistas. Ao ler lembrei de Stanislaw Ponte-Preta (Sérgio Porto: 1923/1968). 

Mário estreou no novo jornal paulistano em agosto de 1927, com um tema exótico: arte tumular. O crítico de arte mostra aí seu lado repórter: aproveitou a inauguração do monumento feito por Victor Brecheret para o túmulo de Inácio Leite Penteado (1865-1914) e criticou a arte exposta no Cemitério da Consolação. Inácio era primo e tinha sido marido da mecenas paulista Olivia Guedes Penteado, grande amiga do escritor.

No seu estilo inconfundível, diz que o cemitério tem poucas obras de arte tumular “a não ser por algumas discutíveis deidades assinadas por escultores, e dum mundo de capelinhas sorridentes, sem nenhum caráter funerário, porém de característica nacionalidade ítalo-tapuia, o que a gente encontra naqueles vergéis marmóreos são enxames de anjinhos, anjos e anjões suficientes para tornarem para sempre desconvidativos os apartamentos do céu”.

Mário de Andrade continua: “Na Consolação tem de tudo: carrocinha de nugá, barracas de feira, florista, bolo de noiva, sentinas e colunas quebradas”. Logo adiante o crítico demonstra seu alívio porque agora o cemitério “possui um túmulo: Pietà que Brecheret ergueu sobre os despojos de Ignacio Penteado”. Na verdade, o monumento chama-se “O sepultamento” e abriga também os despojos de Olívia Guedes Penteado, que faleceu em 1934 com 62 anos.

Não tenho ideia de como era o cemitério da Consolação há quase cem anos, mas em um domingo de abril de 2018, aproveitei para dar uma espiada por lá. Não conhecia esse texto de Mário de Andrade, mas por acaso fotografei um anjo (há realmente uma legião de anjos por lá) no túmulo da marquesa de Santos, Domitila de Castro, a coluna quebrada do jazigo da família Santos-Dumont, e naturalmente o “Sepultamento”, do Brecheret.

            A passagem do tempo muda bastante a perspectiva das pessoas. O cemitério da Consolação faz parte do roteiro turísticos da cidade: por ser o mais antigo da cidade (inaugurado em 1858), reúne o maior número de jazigos de famílias ricas e importantes e campas de personalidades ilustres. 

                

A Marquesa de Santos contribuiu com dinheiro para a instalação do cemitério.


Jazigo da família Santos Dumont. O corpo do aeronauta foi sepultado no Rio de Janeiro.

O "Sepultamento", obra de Brecheret.

Nenhum comentário: