Pior do que esquinas para ser emboscado por um chato só mesmo um
ponto de ônibus. Como passei a maior parte da vida usando transporte público,
tenho alguma experiência no assunto. Para começo de conversa eles fazem parte
do que as prefeituras chamam pomposamente de mobiliário urbano – e esse
mobiliário em São Paulo pode variar de um simples poste a uma estrutura de
metal com uma pintura marrom e o desenho de um ônibus. Locais mais nobres
merecem um abrigo de acrílico e banquinho. Num dos suportes da cobertura há um
papel com informação sobre os ônibus que passam por ali e um mapa com a sua
localização (caso você esteja perdido).
Na
rua Domingos de Moraes, há um ponto bem interessante. Ali para um ônibus (não
sei qual é a linha) com periodicidade de cometa – passa, mas é possível que não
se sobreviva até a passagem dele. É um desses cobertos com acrílico e atrai
muitos idosos. Invariavelmente, os vejo acomodados no banquinho sem conforto,
batendo papo ou apenas observando o movimento em torno, sempre intenso. E me
pergunto se eles esperam ônibus ou aproveitam para espantar a solidão...
Outro
dia na Aclimação aguardava o ônibus calmamente, quando parou uma camionete em
frente ao ponto, desceram dois jovens pressurosos, pediram licença aos
passageiros potenciais, colocaram uma fita em torno da estrutura metálica (cena
de crime?) e pegaram na caçamba do carro balde, esfregão e mangueira, dando
início à limpeza do “ponto”. A operação
levou uns dez minutos – período em que o ônibus não se materializou. Não
esqueceram de trocar o papel com o mapa e as linhas locais. Limpeza feita (mais
ou menos), pegaram os petrechos e foram embora. Foi no ponto em frente a esse
que vislumbrei, saindo do salão de beleza, as duas beldades “produzidas” com
esmero. Altas, caminhavam meio assustadas e pareciam lhamas vestidos de branco
ou caneiros anoréxicos, mas eram só poodles.
Um
ponto de ônibus animado é o que fica no começo da Conselheiro Rodrigues Alves e
atende a várias linhas. Descarregam ali passageiros com destino ao metrô e
carregam outros para várias plagas da cidade. Difícil entediar-se ali: há
curiosos, abelhudos, metidos a galã, malucos e velhinhos de todos os tipos
loucos para contar suas histórias. Os malucos incluem os que descem do ônibus e
atravessam a rua no meio trânsito sem se importar com o semáforo alguns metros
à frente. As senhoras aproveitam para namorar sapatos na vitrine da esquina; as
moças quase sempre estão perdidas no celular; o cardápio do dia anotado em
quadro negro é também motivo de consulta e alguns caem na tentação de uma
feijoada ou rabada com polenta.
Problema mesmo é aquela pessoa que faz uma pergunta, você responde educadamente e de repente ela está contando sua vida ou, o que é pior, suas doenças. Foi num desses pontos que o homem magro, roupas surradas, higiene muito a desejar, começou a me contar suas agruras. Não o incentivei a prosseguir, mas isso não o afetou. Quando disse que tinha lutado na II Guerra e voltara com problemas psicológicos (nisso eu acreditei), demonstrei simpatia, mas me arrependi assim que ele me disse que se reformara como general!!! Felizmente, o ônibus chegou logo e me despedi do general, que nem da banda era já que a patente pertencia a Otávio Henrique de Oliveira, o querido Blackout (1919-1983).
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