sexta-feira, 11 de agosto de 2023

PONTO DE ÔNIBUS

Foto: SPTrans.


Pior do que esquinas para ser emboscado por um chato só mesmo um ponto de ônibus. Como passei a maior parte da vida usando transporte público, tenho alguma experiência no assunto. Para começo de conversa eles fazem parte do que as prefeituras chamam pomposamente de mobiliário urbano – e esse mobiliário em São Paulo pode variar de um simples poste a uma estrutura de metal com uma pintura marrom e o desenho de um ônibus. Locais mais nobres merecem um abrigo de acrílico e banquinho. Num dos suportes da cobertura há um papel com informação sobre os ônibus que passam por ali e um mapa com a sua localização (caso você esteja perdido).

Na rua Domingos de Moraes, há um ponto bem interessante. Ali para um ônibus (não sei qual é a linha) com periodicidade de cometa – passa, mas é possível que não se sobreviva até a passagem dele. É um desses cobertos com acrílico e atrai muitos idosos. Invariavelmente, os vejo acomodados no banquinho sem conforto, batendo papo ou apenas observando o movimento em torno, sempre intenso. E me pergunto se eles esperam ônibus ou aproveitam para espantar a solidão...

Outro dia na Aclimação aguardava o ônibus calmamente, quando parou uma camionete em frente ao ponto, desceram dois jovens pressurosos, pediram licença aos passageiros potenciais, colocaram uma fita em torno da estrutura metálica (cena de crime?) e pegaram na caçamba do carro balde, esfregão e mangueira, dando início à limpeza do “ponto”.  A operação levou uns dez minutos – período em que o ônibus não se materializou. Não esqueceram de trocar o papel com o mapa e as linhas locais. Limpeza feita (mais ou menos), pegaram os petrechos e foram embora. Foi no ponto em frente a esse que vislumbrei, saindo do salão de beleza, as duas beldades “produzidas” com esmero. Altas, caminhavam meio assustadas e pareciam lhamas vestidos de branco ou caneiros anoréxicos, mas eram só poodles.

Um ponto de ônibus animado é o que fica no começo da Conselheiro Rodrigues Alves e atende a várias linhas. Descarregam ali passageiros com destino ao metrô e carregam outros para várias plagas da cidade. Difícil entediar-se ali: há curiosos, abelhudos, metidos a galã, malucos e velhinhos de todos os tipos loucos para contar suas histórias. Os malucos incluem os que descem do ônibus e atravessam a rua no meio trânsito sem se importar com o semáforo alguns metros à frente. As senhoras aproveitam para namorar sapatos na vitrine da esquina; as moças quase sempre estão perdidas no celular; o cardápio do dia anotado em quadro negro é também motivo de consulta e alguns caem na tentação de uma feijoada ou rabada com polenta.

Problema mesmo é aquela pessoa que faz uma pergunta, você responde educadamente e de repente ela está contando sua vida ou, o que é pior, suas doenças. Foi num desses pontos que o homem magro, roupas surradas, higiene muito a desejar, começou a me contar suas agruras. Não o incentivei a prosseguir, mas isso não o afetou. Quando disse que tinha lutado na II Guerra e voltara com problemas psicológicos (nisso eu acreditei), demonstrei simpatia, mas me arrependi assim que ele me disse que se reformara como general!!! Felizmente, o ônibus chegou logo e me despedi do general, que nem da banda era já que a patente pertencia a Otávio Henrique de Oliveira, o querido Blackout (1919-1983).


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