quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

CARNAVAL E A VIDA PRÁTICA

 

“O fluminense, na terça-feira gorda, anda, corre, pula, fala, grita, canta, dança e agita-se por todo um ano. Faz a sua provisão de pândega, e vai para casa esperar resignadamente pelo próximo carnaval, rolando, enquanto descansa, a pesada pedra de Sísifo que se chama vida prática.” 

Arthur de Azevedo (1855-1908) na coluna “Palanque”, no DIÁRIO DE NOTÍCIAS de 15 de fevereiro de 1888. 


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

CARNAVAL DE GRAÇA

 

Maranhense, José Pereira da Graça Aranha (1868-1931) formou-se pela Faculdade de Direito do Recife e, depois de passar pela magistratura, fez carreira diplomática. Quando retornou ao Brasil, o movimento modernista estava em pleno desenvolvimento, identificou-se com o grupo paulista e foi um dos organizadores da Semana de Arte Moderna em 1922. Abaixo excerto do romance “A Viagem Maravilhosa” (1929).  Na verdade, é considerado pré-modernista.

CARNAVAL

“Alguns dias depois explode embaixo o carnaval. Maravilha de ruído, encantamento do barulho. Zé Pereira, bumba, bumba. Falsetes azucrinam, zombeteiam. Viola chora e espinoteia. Melopeia negra, melosa, feiticeira, candomblé. Tudo é instrumento, flautas, violões, reco-recos, saxofones, pandeiros, latas, gaitas e trombetas. Instrumentos sem nome inventados subitamente no delírio da improvisação, do ímpeto musical. Tudo é canto. Os sons sacondem0se, berram, lutam, arrebentam no ar sonoro de ventos, vaias, claxons e aços, estrepitosos. Dentro dos sons movem0se as cores, vivas, ardentes, pulando, dançando, desfilando sob o ver de arvores, em face do azul da baía, no mundo dourado. Dentro dos sons e das cores movem-se os cheiros, cheiro negro, cheiro mulato, cheiro branco, cheiro de todos os matizes, de todas as excitações e de todas as náuseas. Dentro dos cheiros, o movimento dos tatos, violentos, brutais, suaves, lúbricos, meigos, alucinantes. Tatos, sons, cores, cheiros que se fundem em gostos de gengibre, de amendoim, de castanhas, de bananas, de laranjas, de bocas e de mucosas. Libertação dos sentidos, envolventes das massas frenéticas, que maxixam, gritam, tresandam, deslumbram, saboreia, de Madureira à Gávea, na unidade do prazer desencadeado. Carnaval. Tudo efemina-se. Gloria da mulher. Ela, para ela e por ela. Inversão universal. Homens-fêmeas. Mulheres-machos, retorno ancestral ao culto lunar, ao mistério noturno. Desforra da fêmea. Ressurreição das bacantes, das bruxas, das diabas. [...]”

"Carnaval", Di Cavalcanti, 1965. Acervo: Itaú.


domingo, 16 de fevereiro de 2025

O CARNAVAL DE LÉVI-STRAUSS

 

PARIS – Num domingo de 1934 em, Claude Lévi-Strauss foi consultado por um professor sobre o possível interesse dele por Etnologia que o informou da existência de uma vaga para lecionar no Brasil numa nova universidade. Sim, o jovem Lévi-Strauss tinha grande interesse pela matéria, quanto à mudança para o Brasil, ele tinha apenas duas horas para decidir. Felizmente, o jovem professor aceitou o desafio. Em 4 fevereiro de 1935, ele embarcou com a esposa Dina no navio misto de passageiros e carga Mendoza com destino ao Brasil. Com eles também viajaram os colegas Jean Maugüe (filósofo) e Pierre Hourcade (literatura francesa) que se juntariam aos outros membros da chamada “missão francesa” da Universidade de São Paulo, que já se encontravam em São Paulo. 

A viagem é demorada porque o navio faz diversas escalas antes de atravessar o Atlântico. A primeira parada é no Rio de Janeiro, depois Santos onde são recebidos por Júlio de Mesquita Filho, proprietário do jornal O ESTADO DE S. PAULO, imprensa e fotógrafos. O grupo sobre a Serra do Mar – um impacto belamente narrado posteriormente por Lévi-Strauss – e em São Paulo é recebido pelo interventor Armando de Salles Oliveira e instalado no Hotel Terminus (R. Brigadeiro Tobias, 576).

Um detalhe: era Carnaval, que em 1935 foi de 3 a 5 de março.  E Lévi-Strauss escreveu:

“Na mesma noite, saímos em exploração pela cidade. num bairro popular, uma casa baixa com janelas verdes emitia uma música tonitruante e viam-se pessoas dançando. Nos aproximamos. Um negro que vigiava a porta disse que podíamos entrar, mas para dançar, não para olhar. Dançamos então com aplicação, mas receio que sem a menor habilidade e causando bastante embaraço às mulheres negras que, numa total indiferença, aceitavam nossos convites.”

Desfile de blocos carnavalescos na rua Brigadeiro Galvão registrado por Claude Lévi-Strauss. (Acervo IMS/Divulgação)

sábado, 15 de fevereiro de 2025

CARNAVAL CARIOCA

 

"Carnaval nos Arcos da Lapa" (1961), Heitor dos Prazeres.

Rio de Janeiro, primeira década do século XX e o Carnaval já dominava a capital da República. Se em São Paulo a festa era discreta, na Capital do país, as coisas eram bem diferentes. Ninguém melhor do que o jornalista e escritor Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (1881-1921), o maravilhoso JOÃO DO RIO, para descrever uma noite carnavalesca na Rua do Ouvidor onde os cordões se sucediam. A descrição é minuciosa – o jogo de luzes, o som estridente dos instrumentos e da multidão que se espremia para ver e participar da festa...  Não falta sequer o odor forte do suor que nos lembra as noites quentes dos verões cariocas.

Excerto da crônica publicada na revista KOSMOS (Rio de Janeiro, fevereiro de 1906) com o título de “Elogio do Cordão”.

JOÃO DO RIO

“Era em plena Rua do Ouvidor. Não se podia andar. A multidão apertava-se sufocada. Havia sujeitos congestos, forçando a passagem com os cotovelos, mulheres afogueadas, crianças a gritar, tipos que berravam pilhérias. A pletora da alegria punha desvarios em todas as faces. Era provável que do largo de São Francisco à Rua Direita dançassem vinte cordões e quarenta grupos, rugassem duzentos tambores, zabumbassem cem bombos, gritassem cinquenta mil pessoas. A rua convulsionava-se como se fosse fender, rebentar de luxúria e de barulho. A atmosfera pesava como chumbo. No alto, arcos de gás besuntavam de uma luz de açafrão as fachadas dos prédios. Nos estabelecimentos comerciais, das redações dos jornais, as lâmpadas elétricas despejavam sobre a multidão uma luz ácida e galvânica, que enlividescia (sic) e parecia convulsionar os movimentos da turba, sob o panejamento multicolor das bandeiras que adejavam sob o esfarelar constante dos confetti, que, como um irisamento do ar, caíam, voavam rodopiavam. Essa iluminação violenta era ainda aquecida pelos braços de luz auer, pelas vermelhidões de incêndio e as súbitas explosões azuis dos fogos de Bangala; era como que arrepiada pela corrida diabólica e incessante dos archotes e das pequenas lâmpadas portáteis. Serpentinas riscavam o ar; homens passavam empapados d’água, cheios de confetti; mulheres de chapéu de papel curvavam as nucas à etila dos lança-perfumes, frases rugiam cabeludas, entre gargalhadas, risos, berros, uivos, guinchos. Um cheiro estranho, misto de perfume barato, fartum, poeira, álcool, aquecia ainda mais o baixo instinto da promiscuidade. A rua personalizava-se, tornava-se uma e parecia toda ela policromada de serpentinas e confetti, arlequinar o pincho da loucura e do deboche. Nós íamos indo, eu e o meu amigo, nesse pandemônio. Atrás de nós, sem colarinho, de pijama, bufando, um grupo de rapazes acadêmicos, futuros diplomatas e futuras glórias nacionais, berrava furioso a cantiga do dia, essas cantigas que aparecem no Carnaval:

Há duas coisa

 Que me faz chorá

É nó nas tripa

E o bataião navá!”

 

Para poupar tempo ao leitor aí vai uma ajuda. O Michaelis não

AUER – forma reduzida de auerbachita mineral prismático de diversas cores, geralmente acastanhado ou cinzento, principal fonte de zircônio, usado como refratário.

FARTUM – cheiro desagradável. O popular cecê.

PINCHO – movimento rápido, salto, pulo.

PLETORA – superabundância ou excesso de algo.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

CARNAVAL E CHUVA

 

GUILHERME DE ALMEIDA

“Carnaval em São Paulo é sinônimo de chuva” – escrevia o poeta Guilherme de Almeida (1890-1969) na sua crônica no DIÁRIO NACIONAL de 18 de fevereiro de 1928, sábado de Carnaval. “E mascarado é sinônimo de capa de borracha, galochas, guarda-chuva, escafandro, etc.” É da crônica dele de domingo que quero exaltar.

“Estes três dias de alegria me fazem triste, fazem lembrar o colégio. O colégio interno.

Nos colégios internos há sempre uma campainha onipotente e eterna, que como Deus, cria e dirige a vida. A campainha toca pela manhã: é hora da gente não ter mais sono. Toca para a oração: é hora da gente ter fé. Toca para o estudo: é hora da gente ficar inteligente. Toca para o almoço: é hora da gente ter fome... E assim por diante. E a gente, quer queira quer não, vai na onda: deixa de ter sono, fica piedoso, inteligente, faminto.

O carnaval é assim. Tocou a campainha do recreio: é hora da gente ficar alegre e brincar. É do regulamento. É preciso. São ordens. Senão... Senão vai de castigo! [...]”

O poeta, coberto de razão. Eu não estudei em colégio interno, mas nunca entendi essa coisa de ter três dias para dançar e cantar freneticamente só porque está no calendário ...

 ILUSTRAÇÃO: Arlequim (1915), de Pablo Picasso.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

CARNAVAL ANTIGAMENTE...

 


O Carnaval está chegando Compilei lembranças da festança nacional que pessoas importantes da nossa cultura ou para nossa cultura registraram.

Jorge Americano (1891-1969), professor da Faculdade de Direito da USP e quarto reitor da Universidade de São Paulo, foi promotor público e deputado federal na Assembleia Nacional Constituinte de 1939. Ao se aposentar, escreveu três livros sobre usos e costumes da cidade a partir de sua infância em São Paulo: São Paulo Naquele Tempo – 1895 a 1915; São Paulo Nesse Tempo – 1915 a 1935 e São Paulo Neste Tempo – 1935 a 1962, reeditada com novo título: São Paulo Atual – 1935 -1962.

JORGE AMERICANO

“Ali por 1904 os préstitos de carnaval chegavam muito tarde à cidade (Ruas 15 de novembro, Direita e São Bento). Começou então o habito, de havendo já muitos automóveis (uns 100 mais ou menos) fazer-se o ‘corso’ n o centro.

“Ali por 1904 os préstitos de carnaval chegavam muito tarde à cidade (Ruas 15 de novembro, Direita e São Bento). Começou então o habito, de havendo já muitos automóveis (uns 100 mais ou menos) fazer-se o ‘corso’ n o centro.

As serpentinas foram desprezadas, e os rapazes e moças usavam lança-perfumes. Dado o novo gênero, ninguém mais queria ficar nas janelas dos sobrados, e vinham para as portas embaixo. Várias lojas abriam suas portas, faziam uma cancela provisória até um metro de altura, juntavam cadeiras, e alugavam às famílias, essa espécie de camarotes. O corso seguia devagar pelo centro da rua, os automóveis cheios de famílias. Os rapazes nas calçadas, acompanhavam a pé os carros, esguichando lança-perfumes nas moças. Quando os carros aumentavam a velocidade, eles seguiam pelas calçadas e esguichavam lança-perfumes nas moças das portas das casas. Às vezes paravam e ficavam conversando, mas sempre esguichando lança-perfumes.”

A polícia fiscalizava os festejos. O trânsito já era um problema, pois quando “o tráfego entulhava, desciam grupos de uns carros e iam atacar outros com confetes atirados na boca dos que rissem ou falassem”. Americano conta que Cardoso de Almeida, chefe de polícia na época, passeava a pé, usando cartola e fraque, acompanhado de um ajudante para fiscalizar o trânsito.

Em 1910 o corso foi transferido para a Avenida Paulista e, pasmem, começava às 16 horas e terminava às 21 horas! O professor lembra que os carros eram enfeitados com flores e a serpentina tinha voltado à moda. 

“Os rapazes atacantes subiam quase sempre nos estribos externos e assim iam conversando e rindo e jogando confetes e lança-perfumes. As moças ajustavam entre si trocas de lugares, para ficarem mais perto dos preferidos, uns deles no estribo esquerdo, outros do lado direito. As mães, afundadas nos bancos, iam abafadas por aqueles biombos de gente.

Além da munição de combate que levavam (serpentina, confete, lança-perfume), conduziam cestas com munição de boca: sanduíches, bolos, bombons, água mineral, copinhos inquebráveis.

De repente chovia, paravam todos os carros, levantavam-se as capotas, comprimia-se em baixo o monte de gente.”

sábado, 8 de fevereiro de 2025

SÁBADO NO ANHANGABAÚ

Os trabalhadores da prefeitura estavam junto à entrada da passagem subterrânea da Praça do Patriarca para o Vale do Anhangabaú batendo papo no tempo que sobra do almoço. Começo a descer a escadaria e eles me indicam a escada rolante ao lado. “Preciso fazer exercício”, explico. Pela expressão de seus rostos, devem ter me achado excêntrica. A galeria está impecavelmente limpa – o mármore que a reveste brilha. As Graças, de Victor Brecheret, continuam em seus postos; em outro nicho, uma cópia do Moisés de Michelangelo (que está San Pietro in Vincoli, Roma) feita no Liceu de Artes e Ofícios. Há também um busto do pintor Almeida Junior. A galeria foi inaugurada em 1940, na gestão do prefeito Prestes Maia (1938-1945), que encomendou as esculturas. O que destoa é o enorme relógio na parede a que faltam os ponteiros, mas funciona como um enfeite dourado.










Saio no Vale, que na última reforma foi recoberto de cimento. Uma paisagem inóspita. Há poucas pessoas, algumas sentadas nos bancos laterais à sombra, porque é quase meio-dia e o sol, naturalmente, já esquentou o cimento aumentando a sensação de calor. De repente começa a jorrar água das fontes: um homem corre com seu cãozinho e aproveita para dar banho no animal, que parece não gostar da ideia, enquanto do outro lado um pai se diverte com o filho sob o olhar atento da mãe, que preferiu ficar à distância, mas encoraja os dois porque os esguichos duram pouco.



Continuo em direção à estação São Bento. Em poucos minutos o chão está seco. A praça Giuseppe Verdi não existe mais e a escultura em homenagem ao compositor italiano desapareceu. Onde estará? Uma questão para a próxima semana, já que a IA do Google não anda atualizada. Hora de voltar para a Aclimação...


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

ELA É CARIOCA

 

    Hoje fui atormentar os funcionários dos Correios da agência centenária da Praça Pedro Lessa. Antes de sair de casa eu havia pesquisado sobre o que queria no site. Agência quase vazia. Peguei a senha e mal sentei o painel mostrou meu número. Fui ao balcão:

    Boa tarde! O que me traz aqui é um serviço bem antigo. Nem sei se ainda existe.

    A moça ficou curiosa e riu quando disse que precisava passar um telegrama.

    “Sim, passamos.” E foi me explicando que bastava eu preencher o formulário e escrever a mensagem. Enquanto ela procurava o formulário, percebi um ambiente descontraído no guichê ao lado e olhei. Uma jovem muito bonita conversava com a funcionária e, ao meu olhar, me incluiu na conversa.

    “Desculpe-me, mas não ouvi o que vocês falavam.”

    E ela resume numa linguagem cheia de expressões jovens que não guardei, mas traduzo: “Quem não iria a um lugar para fazer um penteado lindo e uma maquiagem super bonita de graça e ainda tirar uma foto para o Instagram? A senhora não iria?”

    “Ih! Não iria – não uso pintura e meu cabelo desaba duas horas depois do penteado...” A moça ri gostoso. “Se fosse no Rio, o lugar estaria lotado de gente.” Aí eu elogiei a mulher carioca, elegante e vaidosa e acrescentei, não por bajulação, mas por causa do sotaque inconfundível: “E você é carioca, não é?  Ela riu com vontade. Claro que era!

     Chegam os formulários, vou preencher (em letra de forma! Oh! Céus!) e retorno ao balcão. O sistema está lento. A carioca continua por lá distribuindo simpatia. Agora em outro guichê. Soube que ela abrira empresa em São Paulo em sociedade (acho que ela é representante de produtos de beleza), mas agora estava por conta própria. Ela foi embora, mas sua juventude, personalidade descontraída e o entusiasmo continuam agindo sobre o grupo no balcão. Aproveito para tentar resolver um problema com o meu celular (a operadora é Correios). O funcionário chama a supervisora e vai explicando: “Dona Hilda (cruzes!) precisa de ajuda com o chip.”

   Não lembro de ter sido atendida numa repartição pública com tantos funcionários sorridentes. E ainda dizem que não há diferença entre Rio e São Paulo... Tom, Vinicius e Lúcio que o digam.


"Ela é carioca" também é o título de um livro de Ruy Castro.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

PASSEIOS E CHUVA

Está difícil passear. Espio pela janela, tempo encoberto, mas agradável. Desço e ao abrir o portão do prédio, está começando a chuviscar. Volto para pegar o guarda-chuva. Saio e ao chegar na esquina constato que era apenas uma nuvem passageira. Sou obrigada a carregar o peso inútil. Para evitar futuras “pancadas de chuva ocasionais” tenho ido a exposições: tomei cafezinho na casa de Mário de Andrade, fui ver Oswald de Andrade para saber se havia algo de novo sobre ele, e quis conhecer o trabalho da fotógrafa japonesa Tokuko Ushioda (1940) sobre geladeiras de que gostei muito. 

Ainda há muito o que ver e fazer entre uma chuvarada e outra. No fim de um compromisso, aguardo um documento numa varanda simpática, coberta e por onde sopra um vento que ameniza o calor e ajuda as nuvens a se agruparem de forma ameaçadora e ainda acompanhadas por trovoada. Não demora e despenca o aguaceiro. Acomodo-me para esperar a chuvarada estiar. Lá fora o trânsito é pouco – tanto de veículos quanto de pedestres. Os pombos voam de um telhado para outro aproveitando o aguaceiro. Nem cinco minutos e já se veem nesgas de azul que vão crescendo.

Aproveito a chance e lá vou eu ladeira acima. É um caminho agradável. Passo apressada (por assim dizer) pelo Conjunto dos Bancários, formado por 44 prédios de dois andares, construídos pelo extinto Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários – IAPB para trabalhadores do setor bancário nos anos de 1940. O projeto, fui pesquisar depois, é do arquiteto Marcial Fleury de Oliveira. Os prédios são servidos por ruas particulares ajardinadas e arborizadas. Em 2019, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – Conpresp aprovou estudo para tombamento do conjunto. Depois do INSS, passo por uma sorveteria que me atrai faz tempo, mas resisto bravamente. O Parque Modernista já visitei várias vezes – é a sede da primeira casa modernista de São Paulo e que fica em frente ao Hospital Japonês Santa Cruz. Enfim, chego à estação do metrô. Nada de chuva. 

Eu mesmo, Carnaval  Exposição na Casa de Mário de Andrade.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

SURPRESAS PAULISTANAS

São Paulo e suas surpresas. Marco encontro com uma amiga que não via há muito tempo para o café da tarde e muita prosa. Ela dá o endereço de uma padaria, perto da residência dela e avisa que fica num beco. Quando cheguei, vi a placa e lembrei-me de que já tinha ouvido uma referência ao lugar. Trata-se da Árvore do Pão, padaria artesanal que tem  uma alcunha criativa: Padaria Secreta, pois fica no fundo do beco. Um lugar simples, bonito e repleto de coisas gostosas, com um ótimo atendimento. Depois de uma tarde muito agradável num lugar “escondido” pensei com meus botões que estes são o grande segredo da padaria. 

https://www.arvoredopao.com.br/ 











sábado, 25 de janeiro de 2025

CRONISTAS PAULISTANOS

Para marcar o aniversário da fundação da cidade de São Paulo escolhi dois apaixonados por São Paulo: o sociólogo José de Souza Martins (1938), professor emérito da USP aposentado, detentor de três Prêmios Jabuti, e o jornalista e poeta Paulo Bomfim (1926-2019). Tive o imenso prazer de entrevistar os dois. As caminhadas de Souza Martins pela cidade resultaram em crônicas fascinantes, que conduzem o leitor da realidade cotidiana para a história, as tradições e as lendas de São Paulo. É, na minha opinião, o melhor cronista de São Paulo. Paulo Bomfim fez declarações de amor pela cidade em prosa e verso, sempre impecáveis. Escolhi o poeta, porque gosto demais do que ele nos deixou, mas há um fato curioso que une os dois escolhidos. Na dedicatória de seu livro “O coração da Pauliceia ainda bate” (2017), Souza Martins afirma que foi a poesia de Bomfim que o ensinou a compreender e amar São Paulo. O texto abaixo é excerto de uma das crônicas dele.

SOUZA MARTINS

HÁ POUCO MAIS DE CEM ANOS, a cidade de São Paulo começou a ganhar sua feição social e culturalmente pluralista, o que acabou fazendo dela uma das emblemáticas cidades cosmopolitas do mundo. Acolheria não só estrangeiros que aqui se tornariam brasileiros sem perder a poesia de sua origem, mas brasileiros de todos os cantos que aqui se abrasileirariam nos horizontes de um novo Brasil. A humanidade mora aqui, lugar de encontro e diversidade. Tanto há espaço para os que buscam refúgio nos nichos de conservadorismo político e cultural, quanto há espaço para os que buscam o agito colorido das inovações, mesmo as que parecem sem pé nem cabeça. Tudo acaba dando certo na tolerância inevitável de uma metrópole em que a diversidade social e cultural é tão grande que não há como resistir a ela e não há como não aprender com ela.

    O povoado de São Paulo do Campo nasceu em 25 de janeiro de 1554 como uma escola, tendo como um dos mestres um dos maiores criadores de cultura da história da invenção do Brasil, que foi o jovem padre, teatrólogo, linguista e poeta José de Anchieta, descendente de judeus pelo lado materno. (...)” Jornal O ESTADO DE S. PAULO, 25 de janeiro de 2010: “O espírito de São Paulo”.

PAULO BOMFIM

"Minha insólita metrópole, capital de todos os absurdos!

Música eletrônica em fundo de serenata, paisagem cubista com incrustações primitivas, poema concreto envolto em trovas caboclas.

Cidade feita de cidades, bairros proclamando independência, ruas falando dialetos, homens com urgência de viver.

Oceano feito de ilhas. Ilhas chegando, ilhas sangrando, ilhas florindo.

Os céus cansados do concreto que arranha. Cresce o mar das periferias.

No barco dos barracos navega um sonho. No fundo de cada um dos cidadãos do mundo, dorme a província.

Ali a velha igreja com seu campanário esperando a mantilha da noite.

Anúncios luminosos piscam obsessões. O asfalto é irmandade de credos.

No centro, todos os vícios e todas as virtudes convivem nas esquinas da São João.

Os domingos são quadrados. Cabem dentro da tela de cinema, do aparelho de televisão, da página do jornal, do campo de futebol.

O metrô é mergulho no inconsciente urbano. Nele o mesmo silêncio dos elevadores. Convívio de sonâmbulos, de antípodas da fila de ônibus e do trem de subúrbio onde há tempo para o cansaço florir num sorriso.

Aqui o verde é esperança cobrindo o frio de existir.

Teatros e o ballet da multidão, museus contemplando o quadro dos que se agitam, orquestras e a sinfonia de uma época em marcha.

Nestes tempos modernos, Carlito operário ou estudante, comerciário ou burocrata, é técnico em sobreviver.

Planalto dos desencontros, porto dos aflitos, rosa de eventos onde até o futuro tem pressa de chegar.

Mal-amada cidade de São Paulo, EU TE AMO!"

FONTE: https://www.paulobomfim.com.br/

São Paulo: julho de 2023.


sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

CALOR HISTÓRICO

Avenida S. João em dia de chuva, 2022.

Em 24 de janeiro de 1928 o poeta e cronista Guilherme de Almeida escrevia em sua coluna diária no DIÁRIO NACIONAL sobre as “vaidades ingênuas” do paulistano e, dentre várias, considerava a mais esquisita a vaidade da temperatura. “São Paulo é muito frio... ‘Europeu pra burro!’,  exclama o homem de julho, que não tem fogo no seu living-room e anda pela rua, afogado em cache-cols, soltando fumacinhas pela boca”.  

Depois de tratar da esquisitice paulistana, ele se queixa das temperaturas dos últimos dias: “A cousa está simplesmente africana: 32, 34. 36, 38 graus... à sombra dos plátanos e dos arranha-céus Luís XVI! Mas o paulista, o velho e teimoso paulista, emperra como uma garrucha enferrujada. Não quer dar o braço a torcer. Não sente – finge não sentir – este hálito de forno; e continua suando nas suas limousines calafetadas, tomando cafezinhos escaldantes nas suas casas nórdicas de telhados oblíquos e janelas estreitas; gemendo, nas suas cheviotes e nas suas fourrures abrasadoras... – E o que é mais engraçado –achando ‘cafajeste’ o aventureiro gordo, transpirado e ousado que saiu pela avenida numa automóvel aberto, de esporte; que chupou uma limonada e desabotoou a camisa diante de um ventilador elétrico, na varanda de jasmins da sua casa inconfessável; que cobriu de linhas brancos e mousselines ligeiras a sua torturada nudez... Vaidades!”

Guilherme de Almeida escreveu a coluna “Pela Cidade” no DIÁRIO NACIONAL de 14 de julho de 1927 a 8 de novembro de 1928 e assinava com o pseudônimo de Urbano. O jornal era órgão oficial do Partido Democrático e circulou de 14 de julho de 1927 até 30 de setembro de 1932.

Fourrure – em francês é pele de animal usada em vestimentas, como casaco de pele. 
Cheviote – casaco ou sobretudo de lã escocesa, procedente de carneiros do monte Cheviot. 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

CARLOS OSWALD

 

Os brasileiros em geral podem não conhecer CARLOS OSWALD (1882-1971), mas certamente admiram o Cristo Redentor, monumento situado no topo do morro do Corcovado e que é cartão postal do Rio de Janeiro e do Brasil. Oswald foi o responsável pelo desenho final do Cristo que possibilitou a execução da obra pelo escultor francês Paul Landowski. Carlos Oswald, filho do compositor e diplomata Henrique Oswald, foi um importante pintor e gravador. Ele nasceu em Florença, mas foi registrado no consulado brasileiro daquela cidade. Em 1913, criou a primeira oficina de gravura brasileira em metal no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e teve, entre seus discípulos, alguns dos nomes que se destacaram na gravura artística brasileira, como Poty Lazarotto, Hans Steiner e Daret Valença Lins. Ele faleceu em Petrópolis. A filha Maria Isabel Oswald Monteiro escreveu o livro “Carlos Oswald, 1882-1971: Pintor da luz e dos reflexos”, publicado em 2000 pela Casa Jorge Editorial. E em 2007 foi lançado o documentário “Carlos Oswald - O Poeta da Luz”, dirigido por Regis Faria, com Fernando Eiras, no papel Oswald.

    Há alguns anos vi na Caixa Cultural a exposição: "CARLOS OSWALD, o resgate de um mestre", com curadoria de Paulo Leonel Vergolino.

"Teresópolis": água forte, água tinta e ponta seca (1925), Museu Nacional de Belas Artes. 





domingo, 19 de janeiro de 2025

MAGDA TAGLIAFERRO

 Magdalena Maria Yvonne Tagliaferro (1893-1986), ou simplesmente Magda Tagliagerro, nasceu em 19 de janeiro em Petrópolis, Rio de Janeiro, onde os pais passavam férias. Seus pais eram franceses – o pai era professor de piano e canto em São Paulo. Magda começou a estudar piano ainda criança e tornou-se uma das mais premiadas pianistas do século XX: talento excepcional reconhecido aos 13 anos quando ela recebeu o Primeiro Prêmio e medalha de ouro do Conservatório Nacional de Paris onde estudou; em 1928 recebeu a Legião de Honra da França e em 1937 foi nomeada catedrática do Conservatório de Música de Paris. Apresentou-se regularmente na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Na década de 1940 criou o curso de interpretação e apreciação musical e mais tarde fundou em São Paulo a Escola Magda Tagliaferro. A concertista foi também a idealizadora das aulas públicas, que visavam a educação dos alunos e a formação do público. No YouTube, 

Fonte: https://revistapesquisa.fapesp.br/magda-tagliaferro-2/

https://www.youtube.com/watch?v=eddGznhQ9fY



quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

SANTO AMARO, SP.

 

Matriz de Santo Amaro, inaugurada em 1924.

Destino: Santo Amaro. Não, não fui visitar a difamada estátua do Borba Gato, que vi apenas uma ou duas vezes em todos esses anos que moro em São Paulo. Ela é realmente feiosa, mas já vi uma bem pior em Roma, do papa João Paulo II. Do que pouca gente lembra é que Santo Amaro já foi uma cidade importante, com uma história que remonta aos tempos da fundação da São Paulo – ali viveu Caiubi, irmão do cacique Tibiriçá; o padre Anchieta foi quem teve a ideia de criar uma vila na região. Tudo começou com a construção de uma capela nas terras do português João Paes, que doou também a imagem de Santo Amaro. O Largo Treze de Maio é o local em que a história do vilarejo começou. E aqui vale parêntese: dizem que o santo Amaro não existiu; ele seria fruto de uma lenda portuguesa. Seja como for, a vila foi elevada à freguesia em 1686. (Freguesia é uma igreja com vários povoados no entorno e quando a população cresce ganha o status de paróquia.)

            A freguesia tornou-se importante ponto de abastecimento de São Paulo; em 1827 chegaram os primeiros alemães ao Brasil e lá se instalou um núcleo da colônia alemã. Em abril de 1832 Santo Amaro foi emancipado de São Paulo e em 1886 ganhou uma estrada de ferro inaugurada com a presença do Imperador D. Pedro II. O trajeto da maria-fumaça começava pelas atuais avenida Liberdade, ruas Vergueiro e Domingos de Moraes e avenida Jabaquara – o mesmo percurso da linha Azul do metrô – até Santo Amaro.

Faltava, entretanto, um hospital para o atendimento da população, pois Santo Amaro era bem distante do Centro Histórico, onde ficava a Santa Casa. Um grupo de pioneiros fundou a Sociedade Beneficente N. S. da Conceição, cujo primeiro presidente foi o tenente-coronel Carlos da Silva Araújo. Dona Benta Bernardina de Morais não fez por menos: contribuiu com o terreno. A inauguração da Santa Casa da Misericórdia de Santo Amaro aconteceu em 8 de dezembro de 1899.

    Em 1907 a Light iniciou a construção da represa de Guarapiranga, dando um impulso turístico para a região. A linha ferroviária foi substituída pelo bonde com um novo itinerário. Houve dois motivos para a incorporação de Santo Amaro à cidade de São Paulo novamente: o forte endividamento do município e a inauguração do aeroporto de Congonhas, que ficava no caminho para Santo Amaro. Assim, em 22 de fevereiro de 1935 Santo Amaro foi reintegrado ao município de São Paulo. O bairro desenvolveu-se e já foi um importante polo industrial de São Paulo.

    Atualmente, Santo Amaro tem uma população de 272 332 habitantes (Censo 2022) e tem um alto Índice de Desenvolvimento Humano (0,939). Os principais bairros são Alto da Boa Vista, Chácara Flora, Chácara Monte Alegre, Chácara Santo Antônio, Chácara São Luís, Granja Julieta, Jardim Cordeiro, Jardim Dom Bosco, Jardim Petrópolis, Jardim Promissão, Jardim Santo Amaro, Várzea de Baixo, Vila Cruzeiro, Vila Elvira, Vila União. O acesso a Santo Amaro pode ser por metrô (Linha 5 Lilás), trem (linha 9 Esmeralda), além de ônibus:  só no Terminal de Ônibus encontram-se 62 linhas!

    A matriz fica no Largo Treze de Maio e o entorno, por onde perambulei, me lembrou muito o Brás: um comércio de rua forte. Parece até uma imensa feira livre. Mal sobra calçada para os pedestres que não são poucos. 

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

QUESTÃO DE LÓGICA

 

“Apesar da inegável utilidade da lógica para o desenvolvimento do conhecimento, da ciência e da tecnologia, o público em geral não tem muita clareza sobre a sua importância. A proclamação de um dia mundial da lógica pela UNESCO, em associação com o Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas (CIPSH), responde ao desejo de chamar a atenção dos círculos científicos interdisciplinares e do público em geral para a história intelectual, a importância teórica. e repercussões práticas da lógica.” (UNESCO)

A data foi instituída pela UNESCO em 2019 para ser celebrada anualmente no dia 14 de janeiro, em homenagem aos dois mais importantes filósofos, matemáticos e lógicos do século passado: o austríaco Kurt Gödel (1906-1978) e o polonês Alfred Tarski (1901-1983). Gödel nasceu em 14 de janeiro de 1906 e Tarski morreu em 14 de janeiro de 1983. Ambos tornaram-se cidadãos norte-americanos.

A lógica é o estudo normativo e filosófico do raciocínio e trata do uso do raciocínio em nas atividades em geral. O primeiro trabalho sobre lógica rigoroso e sistematizado foi realizado por Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.). Filósofo e polímata grego, criador da lógica formal, ele tratou a matéria como ciência especial e o conjunto de seus escritos lógicos foram denominados mais tarde “Órganon” e “o nome corresponde muito bem à intenção do autor, que considerava a lógica instrumento da ciência”.

Se o público não tem clareza sobre a importância da lógica, certamente, é por falta de bons professores de Filosofia, se é que a matéria ainda faz parte do currículo escolar.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

UM PASSEIO CHEIO DE EQUÍVOCOS

 

A Zona Cerealista de São Paulo fica próxima do Rio Tamanduateí. À direita, o Mercado Municipal.

Sexta-feira. Penso em um programa. Que tal explorar a Zona Cerealista? Procuro informações no metrô: o funcionário me diz que tenho que descer na estação da Luz. Na estação da Luz, me encaminham para a saída da rua das noivas (entenda-se rua São Caetano) e aí as coisas se complicam porque conheço o pedaço e sei que nem passa perto da zona cerealista. Um senhor me indica o “caminho certo”: rua Paula Souza (se quiser montar um restaurante ou lanchonete, endereço certo para comprar todos os equipamentos – fogões, panelas, louças e que tais) e quase no final respiro: lá está o Mercado Municipal, lindo todo restaurado. Torno a perguntar a um trabalhador em horário de repouso, sentadinho em uma mureta. Ele diz que a rua Santa Rosa é no outro lado da avenida que eu acabara de atravessar, mas resolvo ir mais para a frente. “Senhora!” Em caso de dúvida me volto. É um guarda municipal (deve ter ouvido a conversa) e me dá todas as informações necessárias. Só faltou fazer o mapa (que seria bem-vindo). Agradeço, mas ele ainda não terminou: “Pergunte sempre para um guarda municipal”. Pode deixar. Realmente acabei na avenida Mercúrio, junto a uma favela sob o viaduto (acho que é o Viaduto Diário Popular). Ufa!

            Ainda sobrou algum fôlego para bisbilhotar pelas lojas. Há o “atacadão do natural” (não me interessou), tem a Loja do Arroz e o Empório do Arroz Natural; depois vem uma loja de ervas que fica ao lado da casa de chás (achei muito britânica a ideia). Um luxo mesmo é a casa que só vende milho de pipoca!  Mas já cansada de andar, visitei duas – em uma delas pega-se uma senha e aguarda-se o funcionário que atenderá o freguês (ou freguesa) da vez. Na outra os funcionários aproximam-se espontaneamente e oferecem ajuda.

Curiosidade satisfeita pergunto a uma senhora da loja qual a estação mais próxima do metrô: D. Pedro. E assim fui caminhando pela rua da Figueira, endereço da Casa das Retortas, usina de gás e carvão inaugurada no final do século XIX e que em 1967 deixou de funcionar. Um prédio histórico que deveria sediar o Museu da História do Estado de São Paulo, mas parece que a ideia não se consolidou por uma série de problemas técnicos, inclusive contaminação do solo, que inviabilizaram o projeto.  

Encontro com facilidade a estação e sei que, em uma próxima vez, será por lá que irei à Zona Cerealista.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

OLHA A CHUVA!

 


Está difícil passear nesta época. Espio pela janela, tempo encoberto, mas agradável. Desço e ao abrir o portão do prédio, está começando a chuviscar. Volto para pegar o guarda-chuva. Saio e ao chegar na esquina constato que era apenas uma nuvem passageira. Sou obrigada a carregar o peso inútil. Para evitar futuras “pancadas de chuva ocasionais” tenho ido a exposições: tomei cafezinho na casa de Mário de Andrade, fui ver Oswald de Andrade para saber se havia algo de novo sobre ele, e quis conhecer o trabalho da fotógrafa japonesa Tokuko Ushioda (1940) sobre geladeiras de que gostei muito.  Ainda há muito o que ver e fazer entre uma chuvarada e outra. Como fisioterapia, por exemplo, feita numa varanda simpática, coberta, por onde sopra um vento que ameniza o calor e ajuda as nuvens a se agruparem de forma ameaçadora e ainda acompanhadas por trovoada. Não demora e despenca o aguaceiro. Quando termina a sessão, me acomodo para esperar a chuvarada estiar. Lá fora o trânsito é pouco – tanto de veículos quanto de pedestres. Os pombos voam de um telhado para outro aproveitando o aguaceiro. Nem cinco minutos e já se veem nesgas de azul que vão crescendo.

Aproveito a chance e lá vou eu ladeira acima. É um caminho agradável. Passo apressada (por assim dizer) pelo Conjunto dos Bancários, formado por 44 prédios de dois andares, construídos pelo extinto Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários – IAPB para trabalhadores do setor bancário nos anos de 1940. O projeto, fui pesquisar depois, é do arquiteto Marcial Fleury de Oliveira. Os prédios são servidos por ruas particulares ajardinadas e arborizadas. Em 2019, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – Conpresp aprovou estudo para tombamento do conjunto. Depois do INSS, passo por uma sorveteria que me atrai faz tempo, mas resisto bravamente. O Parque Modernista já visitei várias vezes – é a sede da primeira casa modernista de São Paulo e que fica em frente ao Hospital Japonês Santa Cruz. Enfim, chego à estação do metrô. Nada de chuva.

Foto: rua particular do conjunto dos Bancários. Novembro de 2024.