sexta-feira, 4 de abril de 2025

MAIS QUE UM SIMPLES JOGO

Quando o basquete se tornou um produto importante da televisão, o astrônomo e astrofísico norte-americano Carl Sagan (1934-1996) vislumbrou nesse esporte um meio para o ensino de Ciência e Matemática. Sagan foi divulgador científico e explicou muito bem o motivo que o levou a pensar em algo aparentemente tão excêntrico. Num artigo, ele definiu o basquete como um jogo que se tornou “em seus melhores momentos – a síntese esportiva suprema de inteligência, precisão, coragem audácia, intuição e astúcia, espírito de equipe, elegância e graça”. 

E aí pergunta-se, onde entra a ciência nesse coletivo de adjetivos? Sagan explicou que “para entender uma média de arremesso livre de 0,926 é preciso saber converter as frações em decimais. Uma bandeja é a primeira lei newtoniana do movimento posta em ação. Todo arremesso representa o lançamento de uma bola de basquete num arco parabólico, uma curva determinada pela mesma física gravitacional que especifica o voo de um míssil balístico, a Terra girando ao redor do Sol ou uma nave espacial indo ao encontro de um mundo distante. Quando o jogador enterra a bola na cesta, o centro de massa do seu corpo fica por breve instante em órbita ao redor do centro da Terra.”

E ele continua. “Para enfiar a bola na cesta, é preciso levantá-la na velocidade correta: 1% de erro, e a gravidade deixa o jogador em má situação. Os arremessadores de três pontos, sabendo ou não, compensam a resistência aerodinâmica. Cada uma das pancadas sucessivas de uma bola solta fica mais próxima do chão por causa da segunda lei da termodinâmica. Daryl Dawkins ou Shaquille O’Neal espatifando a tabela é uma oportunidade para ensinar – entre outras coisas – a propagação das ondas de choque.”

Essa é a beleza da Ciência. A Ciência e a Matemática permeiam nossas vidas e aprender a encontrá-las é o jogo mais fascinante que se pode praticar – a cada passo sempre há possibilidade de uma nova descoberta. 

Carl Sagan – “O mundo assombrado pelos demônios. A ciência vista como uma vela no escuro.” Companhia das Letras.

Foto: Wikipedia.


domingo, 30 de março de 2025

O RELÓGIO DA PRAÇA ANTÔNIO PRADO

Uma surpresa muito boa nesta manhã de domingo, quando passando pela Praça Antônio Prado, vI o operário trabalhando no Relógio de Nichile, que admiro há tantos anos. Vê-lo maltratado pelo tempo e pelos vândalos me angustia. Na década de 1930, o publicitário Octavio de Nichile teve uma ideia inovadora para a época instalar relógios públicos dotados de uma caixa de vidro onde eram colocadas lâmpadas que iluminavam as peças publicitárias e as ruas. Inaugurado em abril de 1935, o relógio da Praça Antônio Prado foi o último dos oito produzidos pela fábrica Relógios Michelini e foi tombado como Patrimônio Nacional pela COMPRESP em 1992.

O jardim onde se encontra o relógio está reformado e tem até flores, mais difícil foi fotografar o relógio de frente por causa da grafitagem grosseira. Quando o funcionário desceu da escada, um pedestre o abordou para fazer perguntas e contar histórias.

E por falar em história, São Paulo teve quatro outros relógios, que foram destruídos: na Sé, na Praça Ramos de Azevedo, na Estação do Norte (atual Brás) e Arouche. A cidade de Santos teve um Relógio de Nichile instalado em frente ao Atlântico Hotel, no Gonzaga. Ele foi inaugurado em 9 de julho de 1936 e desmontado em 1940. O relógio tinha muitos problemas – de acordo o suíço Louis Krahenbuhl, responsável pela sua manutenção. Krahenbuhl, em entrevista a um jornal de Santos, citou o fato de que o mostrador não era coberto, de que a água da chuva empoçava na coluna e na caixa de vidro, impedindo o funcionamento do maquinário. O suíço afirmou que foram feitas várias tentativas de conserto, mas nenhuma deu resultado, optando-se pelo desmonte do relógio.

Outro relógio Nichile foi instalado em Guarujá, em 1935, mas não achei referências ao seu destino.


No fundo, o imponente Edifício Martinelli.

A CENTENÁRIA MÁRIO DE ANDRADE

Firmino de Morais Pinto (1861-1938), que é pouco conhecido do paulistano, foi prefeito da cidade entre 1920 e 1926 (dois mandatos). Em sua passagem pela prefeitura de São Paulo deixou obras marcantes como a Praça Patriarca José Bonifácio e a abertura da Avenida do Estado, mas é na área cultural que ele merece ser lembrado, pois apoiou a realização da Semana de Arte Moderna em 1922, cedendo o Teatro Municipal para a realização do evento, e em 25 de fevereiro de 1925 criou a Biblioteca Pública de São Paulo, que em 1960 ganhou o nome de Biblioteca Mário de Andrade em homenagem ao poeta e escritor paulistano. A inauguração, entretanto, só ocorreu em janeiro de 1926 e seu primeiro endereço foi em um casarão da Rua Sete de Abril com um acervo de quinze mil volumes. A Biblioteca se desenvolveu e precisou de mais espaço e em 1942 foi inaugurado o prédio art déco na Rua da Consolação, projeto do arquiteto francês Jacques Pilon (1905-1962), que viveu em São Paulo.

A Biblioteca Mário de Andrade (BMA), que completou 100 anos no mês passado, é a maior biblioteca pública da cidade, superada apenas pela Fundação Biblioteca Nacional (RJ). Ela tem cerca de três milhões de títulos, que abrangem todas as áreas do conhecimento, divididas por várias seções: Coleção Geral, Coleção São Paulo, Circulante, Artes, Mapoteca, Obras Raras e Especiais (produzidas entre os séculos XV e XIX), Hemeroteca e Infantil.

Às terças e quintas-feiras das 10 às 14 horas há visitas monitoradas, que devem ser agendadas com dez dias de antecedência. A visita dura cerca de uma hora e meia e atende a grupos de dez pessoas no mínimo.  

Biblioteca Mário de Andrade

Prédio principal – Avenida São Luís, nº 235

Horários: Segunda a sexta, das 9h15 às 19h45. Telefone: (11) 3150-9414/9455

Circulante: Avenida São Luís, 235. Horário: de segunda a sexta, das 8h30 às 20h30 e sábado, das 10 às 17 horas. Fecha aos domingos e feriados. Sempre é bom confirmar os horários.

 

O catálogo pode ser acessado pelo site:

https://capital.sp.gov.br/web/cultura/bma


"A Leitura" (1943), escultura de Caetano Fraccaroli, no saguão da BMA. 




segunda-feira, 24 de março de 2025

O DORMINHOCO

 

Sou usuária de transporte público por opção. Ônibus, metrô e trem fazem parte do meu cotidiano. Há quem torça o nariz e prefira o conforto do automóvel, mas há tanta gente e coisas para observar dentro e fora do veículo que o trajeto parece mais rápido.

Hoje, por exemplo, subi no ônibus quase vazio e me sentei no banquinho de costas para o motorista, mas foi a postura do cobrador que me chamou atenção. Ele estava tombado sobre a lateral do banco e eu só via os cabelos pretos e ondulados. Achei que ele estava procurando alguma coisa na gaveta e me distraí quando entrou um rapaz, que conheço de vista porque bate longos papos com um cobrador velhinho até descer um pouco antes de mim; porém, hoje não teve conversa porque era outro cobrador que, para minha surpresa, continuava na mesma posição, mas logo percebi que ele cochilava. E se eu tinha alguma dúvida, logo desapareceu porque ele começou a roncar sonoramente e os poucos passageiros do horário se voltaram para o dorminhoco. Eu já vi muitos cobradores cochilarem (passageiros dormindo nem se fala) porque deve ser cansativo e entediante andar o dia todo de ônibus – atualmente a maioria dos passageiros usa cartão; hoje, entretanto, o moço dormia a sono solto! Passaram várias pessoas pela catraca sem que ele acordasse. O volume dos roncos aumentou. Um senhor passou o cartão, virou a catraca e comentou divertido que a noitada devia ter sido muito boa. Minha viagem dura em torno de 20 minutos e, quando desci, o moço continuava roncando como se estivesse em casa...

A profissão de cobrador está desaparecendo, aliás, em minhas viagens pelo exterior nunca vi cobrador de ônibus, mas a fiscalização é atuante e o passageiro infrator paga multa. (Em geral compra-se o bilhete e é essencial validá-lo no veículo nas máquinas disponíveis.) Em São Paulo os coletivos da periferia não têm cobrador e o pagamento é feito para o motorista ou com o cartão. Se há cobradores que não olham para os passageiros nem respondem ao cumprimento, outros se informam sobre o itinerário, as ruas do trajeto e os pontos mais adequados para ajudar passageiros em caso de dúvida, o que sempre torna a viagem melhor para todos.

domingo, 23 de março de 2025

DIA DA METEOROLOGIA

 


Na casa da minha infância havia uma chave dourada pendurada na parede da copa que me fascinava. Na parte oposta aos dentes tinha uma paisagem colorida protegida por um vidro. Um objeto de gosto duvidoso, mas útil nos anos de 1940, pois tratava-se de um termômetro que ficava no corpo da chave. Quando me explicaram para que servia e como funcionava, fiquei encantada e costumava “enganar” o termômetro colocando o dedo na capsula para ver o mercúrio subir. Não demorou muito essa fase, pois logo percebi que era melhor abrir a janela para saber se fazia frio lá fora.

Lembrei dessas artes infantis, ao ser avisada por alguma IA de que hoje é o Dia Mundial da Meteorologia, estabelecido em 1951 para comemorar a criação da Organização Meteorológica Mundial (OMM) em 23 de março de 1950. A Organização, que completa hoje 75 anos, é a voz oficial da ONU sobre tempo, clima e água.

Desde aquela época os avanços científicos nos permitem receber em casa ou nos aparelhos celulares alertas antecipados sobre fenômenos meteorológicos, como tempestades e a possibilidade de enchentes, com a recomendação de buscar um lugar seguro.

A meta da OMM é que até o final de 2027 os alertas rápidos sejam usados em todos os países para que as populações se protejam contra os fenômenos meteorológicos, hidrológicos e climáticos perigosos, salvando vidas.

Ilustração: site da OMM.

sábado, 22 de março de 2025

LOUIS ARMSTRONG E DANNY KAYE

Que encontro! Que vídeo maravilhoso de dois artistas extraordinários! Louis Daniel Armstrong (1901-1971) e David Daniel Kaminsky, mais conhecido como Danny Kaye (1911-1987). Tanto Louis Armstrong quanto Danny Kaye foram artistas completos – Armstrong, músico, cantor extraordinário e band leader, assim como Kaye, ator, cantor, músico e bailarino. Um encontro emocionante. Observação: a música (spiritual) tradicional permite o improviso, mantendo os refrões.

(Errei ao colocar este texto com o vídeo de outra publicação.)

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https://www.youtube.com/watch?v=TN_1RNyfuA0

terça-feira, 18 de março de 2025

VENDEDORES E VENDEDORES


Não sou nada agradável pela manhã, que sempre começa com o café. Acho que as coisas ficam melhores ainda se o precioso líquido for tomado numa xícara bonita. Outro dia saí procurando uma xícara bem colorida para variar. Fui a várias lojas onde só achei xícaras brancas ou canecas, que eu abomino. Desisti, mas ao passar pelo terminal Santa Cruz lembrei que lá havia três lojas grandes que tinham xícaras. Depois de visitar duas sem sucesso, entrei na última que parecia um deserto. Bastou uma espiada para ver que as canecas eram dominantes. Foi quando apareceu um vendedor querendo ajudar. Expliquei que queria uma xícara bem bonita, colorida, com flores ou bichos ou só cores, mas não tinha achado nenhuma. Ele foi a uma prateleira que eu já vira e me mostrou uma xícara branca. Repeti as características do que produto. Aí ele me apontou uma cinza. Recusa (já meio irritada). Aí, um modelo zebra – listrada de preto e branco. Nova recusa. Foi quando ele me perguntou se eu queria uma xícara completa. Completa? Como assim? E pensei se a incompleta vinha sem asa ou sem o fundo... E candidamente ele explica que a completa vem com pires... Ora, sem pires é caneca. Agradeci e fui embora. Levei semanas até a


char o que eu queria.

segunda-feira, 17 de março de 2025

DOMINGO NO PARQUE

 





Embora não goste de sair nos finais de semana, ontem fui com a amiga Elides conhecer à Feira Cultural Leste Europeia de São Paulo, na Vila Zelina que acontece uma vez por mês numa das entradas do Parque Lydia Natalizio Diogo. Um dia agradável de final de verão. Metrô até a Vila Prudente e transbordo para a Linha Prata, aquela do monotrilho. Descemos na primeira parada – estação Oratório, pedimos informações para os funcionários que nos deram a direção a seguir e lá fomos nós explorar a Zona Leste. 

Uma caminhada curta, mas surgem dúvidas; pergunta-se aqui e ali – todos sabem da feira – e chegamos lá. Tudo bem organizado. Todos muito simpáticos e um ótimo atendimento. Para facilitar há barracas com o nome dos quitutes e informações básicas sobre as guloseimas. Difícil escolher. Comida búlgara, sérvia, russa... Tudo parece muito gostoso. Reconheci apenas a bureka, que experimentei há alguns anos na casa Búlgara, no Bom Retiro. Há ainda Verenikes – panquecas recheadas (russo); kugelis l

São várias as opções, como a "bureka" búlgara (rosquinhas folhadas e recheadas), os "varenikes" russos (pequenas panquecas recheadas) e o "kugelis" lituano (feito com massa de batata) e muitos outros pratos tradicionais. Quanto às bebidas, pode-se experimentar o "krupnikas", licor de mel típico da Lituânia, e o "kvass", bebida fermentada. E muito mais.

O artesanato é bonito e variado. Os destaques são as matrioskas, as bonequinhas russas de madeira que você abre e tem outras menorzinhas no interior.

A feira estava bem movimentada e quem não conseguia lugar nas barraquinhas para apreciar a comida e a bebida, a opção é entrar no parque e saborear os quitutes num dos bancos espalhados pela área. Sempre há possibilidade de se ver um quero-quero ou um pica-pau-do-campo. O Parque Professora Lydia Natalizio Diogo, que completará 29 anos em julho, dispõe de viveiro, equipamento para atividades físicas – de pista de corrida e ginástica; e um jardim japonês com lago com carpas e espaço para cães. Tudo muito bem cuidado.

No próximo mês tem mais. O ideal é ir de metrô para conhecer a Linha Prata. A rota: Linha Verde sentido Vila Prudente e embarque no monotrilho – Linha Prata para a estação Oratório (a primeira parada) e caminhar até a Rua Aracati Mirim. A feira fica em frente ao parque.





sexta-feira, 14 de março de 2025

SE EU SENTIR SONO...

 

Ah! nada como um bom sono quando se está cansado!

Hoje é o dia Mundial do Sono. A data foi criada pela World Sleep Society para “criar conexões e aumentar a conscientização sobre a saúde do sono entre pesquisadores, profissionais de saúde, pacientes e o público”. O sono é tão importante para a saúde quanto a nutrição e a atividade física, como explica a WSP.

O sono ajuda a manter a memória e a aprendizagem; ajuda a promover a saúde cerebral; auxilia a saúde imunológica e a reciclar células velhas, além de manter os níveis de energia do corpo, de acordo com a entidade, que tem reconhecimento internacional.

São Paulo há duas importantes entidades: o Laboratório do Sono do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, que estuda os distúrbios do sono e presta assistência à população; e o Instituto do Sono da Unifesp, que além de estudos faz diagnósticos e promove aprimoramento profissional.






SE EU ME SENTIR SONO

Fernando Pessoa

Se eu  MEsentir sono,
E quiser dormir,
Naquele abandono
Que é o não sentir,

Quero que aconteça
Quando eu estiver
Pousando a cabeça,
Não num chão qualquer,

Mas onde sob ramos
Uma árvore faz
A sombra em que bebamos,
A sombra da paz.

domingo, 9 de março de 2025

AS CURVAS DA ACLIMAÇÃO

 

Rua José de Queirós Aranha.

Em seu livro “Reencantamento da cidade”, Eduardo Yázigi, doutor em planejamento urbano, enumerou 31 pesadelos com que as pessoas convivem nas cidades.

Pesadelo 1: a retificação das ruas. Yázigi classifica de urbanismo retrógrado a retificação das velhas ruas tortas “que dão um toque de devaneio na vida moderna”. E indaga: “O que seria de Roma e tantas outras cidades sem a ‘cidade velha’? Prefeitos consideram-se moderninhos e progressistas (sem o r após o p) retificando o passado, rios inclusive, com a quadratura da burrice, e são por ironia aplaudidos por cidadãos limitados. Depois de retificarem ruas para automóveis, tentam fechá-las para pedestres...”.

O encanto do bairro da Aclimação é que raras são as ruas retificadas – elas sobem e descem o morro, fazem curvas deliciosas, muitas se entrelaçam confundindo o pedestre distraído ou o visitante eventual. É verdade que a especulação imobiliária esteja tentando destruir essa característica substituindo o casario por prédios enormes; entretanto, ainda é possível admirar as casas com jardins na frente, varandas acolhedoras, cães dormitando e janelas amplas em que cortinas brancas bailam ao vento... Ruas arborizadas, floridas dão uma sensação de frescor mesmo em dias quentes.

                            As curvas da Rua Topázio

As avenidas Aclimação, Engenheiro Luís Gomes Cardim Sangirardi, e Turmalina, e as Ruas Topázio, Nicolau Souza Queirós e Paraíso são as mais movimentadas – por elas circulam ônibus, caminhões (serviços) e motos. 

Rua Batista Cepelos.




VIZINHOS NOVOS E BARULHENTOS

 

Vizinhos novos. Eles moravam numa cobertura da esquina, onde eram famosos pelo tumulto. Que eu saiba nunca houve reclamações, mas pelo que observei de passagem a balbúrdia quase sempre era pela manhã e no final da tarde – ou seja, quando saiam ou quando voltavam sabe-se lá de onde. Há algumas semanas se estabeleceram aqui em frente. São daquele tipo que vai se insinuando, ignorando se são ou não bem-vindos. Manhã dessas apareceu um deles tentando me conquistar com um olhar carente que ignorei solenemente e os moradores mais antigos, temendo essa invasão de privacidade, o expulsaram. Melhor dizendo, o puseram para voar porque era uma das dezenas de maritacas que mudaram da palmeira da esquina para as árvores aqui da pracinha, onde continuam com a algazarra matinal e vespertina para desgosto das rolinhas-caldo-de-feijão tão discretas e que costumam me visitar todos os dias.

segunda-feira, 3 de março de 2025

MÁRIO DESCOBRE O CARNAVAL CARIOCA

 

CARTA DE MÁRIO DE ANDRADE AO AMIGO MANUEL BANDEIRA, desculpando-se por não ter ido visitá-lo, conforme prometera.

“Querido Manuel. Depois perdoarás. Foi assim. Desde que cheguei ao Rio disse aos amigos: Dois dias de carnaval serão meus. Quero estar livre e só. Para gozar e observar. Na segunda- -feira, passarei o dia com Manuel, em Petrópolis. Voltarei à noite para ver os afamados cordões. Meu Manuel...Carnaval! Perdi o trem, perdi a vergonha, perdi a energia... Perdi tudo. Menos minha faculdade de gozar, de delirar...Fui ordinaríssimo. Além do mais: uma aventura curiosíssima. Desculpa contar-te toda esta pornografia. Mas... Que delicia, Manuel, o carnaval do Rio! Que delícia, principalmente, meu carnaval! Se estivesse aqui, a meu lado, vendo-me o sorriso camarada, meio envergonhado, meio safado com que te escrevo: ririas. Ririas cheio de amizade e perdão. (...) Meu cérebro acanhado, brumoso de paulista, por mais que se iluminasse em desvarios, em prodigalidades de sons, luzes, cores, perfumes, pândegas, alegria que sei! Nunca seria capaz de imaginar um carnaval carioca, antes de vê-lo. Foi o que se deu. Imaginei-o paulistanamente. Havia um que de neblina, de ordem, de aristocracia nesse delírio imaginado por mim. Eis que sábado, às 13 horas, desemboco na Avenida. Santo Deus! Será possível!... Sabes: fiquei enjoado. Foi um choque terrível. Tanta vulgaridade. Tanta gritaria. Tanto, tantíssimo ridículo. Acreditei não suportar um dia funçanata chula, bunda e tupinambá. Cafraria vilissima, dissaborida. Última análise: “Estupidez”! Assim julguei depois de dez minutos que não ficaria meia hora na cidade. Mas, por isso talvez que tanto tenho sofrido dos julgamentos levianos, jurei para mim olhar sempre as coisas com amor e procurar compreendê-las antes de as julgar. Comecei a observar. Comecei a compreender. Uma conversa iluminava-me agora sobre uma ridícula baiana que há pouco vira. A pobreza de uns explicava-me a brincadeira. Admirei repentinamente o legitimo carnavalesco, o carnavalesco carioca, o que é só carnavalesco, pula, canta e dança quatro dias sem parar. Vi que era um puro! Isso me entontece e me extasiou. O carnavalesco legítimo, Manuel, é um puro. Nem lascivo, nem sensual. Nada disso. Canta e dança. Segui um deles uma hora talvez. Um samba num café. Entrei. Outra hora se gastou. Manuel: sem comprar um lança-perfume, uma rodela de confeti, um rolo de serpentina, diverti-me 4 noites inteiras e o que dos dias me sobrou do sono merecido. E aí está porque não fui visitar-te.”

"Carnaval" (1965), Di Cavalcanti. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira.




CARNAVAL DE J. CARLOS

José Carlos de Brito e Cunha nasceu no Rio de Janeiro em 1884, mas tornou-se conhecido como J. Carlos, ilustrador, chargista e autor de histórias em quadrinhos. Colaborou em grandes revistas – Fon-Fon, Careta, O Malho entre muitas outras. Em 1941, recusou o convite de Walter Disney, que visitava o Brasil, para trabalhar em Hollywood, mas o presenteou o norte-americano com o desenho de um papagaio, que teria inspirado a criação do Zé Carioca. J. Carlos faleceu em 1950. No Carnaval de 2009 foi homenageado pela escola de Samba Acadêmicos da Rocinha com o enredo “Tem francesinha no Salão... O Rio no meu coração”. 




domingo, 2 de março de 2025

CARNAVAL DAS GAROTAS

 

“Garotas” (1938-1964), criação do mineiro Alceu Penna (1915-1980), era uma das minhas páginas preferidas da revista CRUZEIRO (1928-1975). As garotas eram graciosas e tinham roupas elegantes, coloridas e bem modernas.  










sábado, 1 de março de 2025

SÁBADO DE CARNAVAL

 

Calor intenso. Chuvas torrenciais – felizmente passageiras. Estes são dois dos principais motivos para ter reduzido meus passeios. Na hora do almoço consultei a meteorologia local: espiei pela janela e vi céu de brigadeiro ao Norte e ao Sul, mais não consegui ver. A sibipiruna florida nem se mexia. Com certeza a temperatura está bem acima dos 30 graus. Notei que a rua estava fechada ao trânsito e o casalzinho, na esquina, que deveria estar orientando os motoristas, namorava tranquilamente. Lembrei que nossa rua tem um bloco. Resolvi ir ao supermercado e quando passei pelos namorados perguntei qual o nome do bloco e fiquei sabendo que é “Siga la pelota”. Para participar basta usar traje de banho e levar um coco gelado como adereço. A banda promete “hits marítimos e surreais” (oh! Céus!) e um “repertório de brasilidades que vão de Mutantes a Tchakabum, de Tim Maia a Olodum”. Segui pelo lado oposto.

Em frente a um prédio modernoso, um rapaz escovava a pelagem negra do cão terra-nova, que estava sobre o banco preferido dos idosos do bairro. Gosto demais desse cão enorme, com um jeitão de urso e se move como um príncipe das ruas, sem pressa nenhuma. Mais adiante encontrei Formiga, o oposto do terra-nova. Acho que é um pinscher, amigo inseparável de um senhor que vive de pequenos serviços. Formiga aproveitava uma sombrinha para um cochilo.

Resolvi parar na padaria para um cafezinho. De um lado seu João saboreia uma cerveja (que ele deixará pela metade) e do outro o Alfredo, freguês remanescente de uma antiga padaria do bairro. Acho que é mais jovem do que eu, mas está bem abatido. Ele certamente não se lembra de mim. Eu era a observadora do grupo que se reunia todo final de tarde na “Dengosa”, que fechou há mais de 20 anos. “Bom dia, seu Alfredo.” Seu Alfredo toma café com pão de queijo, me olha e me deseja bom dia, um feliz ano novo com muita saúde e prosperidade! Retribuo os votos. Logo ele se despede, reiterando os votos. Saboreio o café. O tempo passou para todos nós.

Na saída, o calor escaldante me recepcionou e me fez lembrar que ontem deixei meu chapéu na Biblioteca Sérgio Milliet, avisei que irei busca-lo depois do Carnaval. Como esqueci de pegar o reserva, o jeito foi voltar para casa.





quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

ELIZABEHT TAYLOR

 

Na minha opinião, foi a mais bela mulher do século XX e até hoje não tenho visto outra que se compare a ela. E não faltaram mulheres belas circulando pelo mundo desde então. Fez alguns filmes muito bons (“De repente no último verão”, “Assim Caminha a humanidade”, “Gata em teto de zinco quente” e, por que não? “A mocidade é assim”) e outros nem tanto. Hoje faria 93 anos

Foto de publicidade da MGM, 1950.

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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

PARA SEMPRE MÁRIO

 


Há 80 anos morria Mário de Andrade – doze dias após o Carnaval, que ele tanto amava. Morreu em casa na Rua Lopes Chaves de um ataque cardíaco aos 51 anos. Viveu pouco, mas deixou uma obra extraordinária. Grande nome da Semana de Arte Moderna, ele foi escritor, poeta, músico, pesquisador, fotógrafo e, acima de tudo, um apaixonado por São Paulo. Foi um estudioso do Brasil. De “Macunaíma” a “Turista Aprendiz”, de “Amar Verbo intransitivo” à “Pauliceia desvairada” – há alguma expressão melhor para definir essa cidade fantástica?

Ele não morreu – de uma certa forma o desejo que ele pôs em versos se realizou – há um pedaço dele em vários pontos da cidade: na rua Aurora, no Paissandu, na rua Lopes Chaves, no Instituto de Estudos Brasileiros/ USP, no Centro Cultural São Paulo, na Biblioteca Mário de Andrade...

Pouca gente conhece, entretanto, uma das suas grandes realizações que, sem dúvida, foi a criação dos Parques Infantis, como diretor do Departamento de Cultura, idealizado por ele e implantado em 1935 na gestão do prefeito Fábio Prado (1934-1938).

Os três primeiros parques foram instalados no Parque D. Pedro, Lapa e Ipiranga e atendiam a 1.624 crianças. Em 1936 foi agregada aos parques uma educadora sanitária após a constatação das condições precárias de vida da classe operaria por meio de pesquisas da prefeitura paulistana. Mário “reativou nas praças e parques infantis as danças dramáticas e folclóricas, organizou corais nesses mesmos parques”, de acordo com Oneyda Alvarenga (1911-1984), poeta, musicóloga, folclorista etnóloga, ex-aluna e grande colaboradora de Mário de Andrade.

Os Parques Infantis, destinados às crianças de 3 a 12 anos, filhos de famílias operárias, possibilitavam que vivenciassem a infância brincando em contato com a natureza, conhecessem as manifestações culturais brasileiras, produzindo história e cultura. Em sua tese de doutorado, a professora Ana Lúcia Goulart de Faria, da Faculdade de Educação da Unicamp, explica que “(...) as ideias de Mário de Andrade a respeito da construção de uma identidade nacional englobavam todas as faixas etárias e todas as camadas sociais. Através das manifestações populares, folclóricas, artísticas e estéticas, a infância e o operariado estavam presentes consumindo e produzindo cultura, abrasileirando, portanto, o país”.

Infelizmente, a cultura – música, danças e lendas – brasileira foi engolida por unicórnios, bruxas, fadas, Pocahontas, leões etc., o cardápio oferecido em escolas em geral.

Casa Mário de Andrade. Barra Funda.

                                        

sábado, 22 de fevereiro de 2025

FESTIVAL DO SOL DE ABU SIMBEL

 O FESTIVAL DO SOL DE ABU SIMBEL, Egito, acontece duas vezes por ano - uma em 22 de

fevereiro e outra em outubro. A foto é de setembro de 2009. Uma viagem maravilhosa.




MACHADO DE ASSIS

 AO CARNAVAL DE 1860

"Morreste, seriedade!

Momo, o deus das zombarias,

Usurpou-te, por três dias,

Teu esplêndido bastão!

De um exílio temporário

Toma a longa e nova rota;

Agora reina a chacota

E o carnaval folgazão!

 

Diante da mais rubra folia,

Cabeça a mais séria não vale um real;

Doidice, festança e alegria,

Tudo isto é fortuna que traz — carnaval.

 

Homem sério e bem formado,

Neste dia é contrabando;

Respeitado e venerando

É coisa que não se diz;

A razão abrindo os lábios,

Onde tem berço o juízo,

Vestiu um chapéu de guizo,

E pôs um falso nariz!

 

Nem pai de família, nem velho empregado,

Doutor, diplomata, caixeiro ou patrão,

Ninguém, ó loucura, no dia aprazado,

Não pode negar-te seu grande quinhão.

 

Tudo a loucura nivela,

Nem há luta de inimigos:

Esqueçam-se ódios antigos

De algum ferrenho eleitor;

Há tréguas por três dias

No campo dos candidatos,

Que o feijão ferve nos pratos

E os guizos falem melhor.

 

Esqueça-se tudo, são todos convivas,

Os ódios se apaguem no abraço comum:

Que doce batalha! Que lutas festivas!

Daqui deste campo não foge nem um!

 

Todas as belas amáveis

Podem ter parte na festa:

Sacerdotisas e Vesta,

Acendei os corações!

Pra sustentar a empresa

Não tendes armas faceiras?

É não tirar as pulseiras

E conservar os balões.

 

Daí das janelas olhando curvadas.

Sem dar um só passo na luta venceis:

Ao fogo, que corre das vossas sacadas

Aquiles se curvam e algemam-se reis.

 

Os reis, conquanto pintados,

Sempre são reis por três dias;

E sabem as galhardias

Das vossas armas leais.

Nós somos a Roma Inerte

Com a invasão peregrina

Que os hunos de crinolina

São mais que os outros fatais."


Machado de Assis (1839-1908).

 

A Marmota, nº 1136, 21-2-1860, jornal fluminense.


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

CARNAVAL DE ARTUR AZEVEDO

 

“O fluminense, na terça-feira gorda, anda, corre, pula, fala, grita, canta, dança e agita-se por todo um ano. Faz a sua provisão de pândega, e vai para casa esperar resignadamente pelo próximo carnaval, rolando, enquanto descansa, a pesada pedra de Sísifo que se chama vida prática.” 

Arthur Azevedo (1855-1908) na coluna “Palanque”, no DIÁRIO DE NOTÍCIAS de 15 de fevereiro de 1888.