quinta-feira, 29 de maio de 2025

A CIDADE UNIVERSITÁRIA

 


O município de São Paulo com seus ‎1.521,11 km² abriga uma cidade de 4.800 km², com prefeito, um pequeno número de moradores e uma grande população de passagem. Por suas ruas, avenidas e praças arborizadas circulam diariamente milhares de pessoas. Ônibus lotados e carros nem tanto entram por um dos três portões dessa cidade. Ela tem teatro, cinema, orquestra e coral, clube, bibliotecas, museus, hospital, farmácia, correios, bancos, dois jornais, uma estação de rádio e outra de televisão e um centro esportivo. E até um apiário. Enfim, quase tudo que uma cidade precisa. Pela manhã ciclistas disputam espaço com os praticantes de corrida. Muita gente aparece para fazer as mais diferentes atividades físicas. Não apenas passarinhos cruzam os céus, helicópteros também adejam sobre a cobertura verde para observar o trânsito ao redor e informar os meios de comunicação sobre os problemas de tráfego na região. 

Um lugar para se esquecer do tempo? Não é bem assim, porque há o horário das aulas, do trabalho, das refeições e não desculpa para atrasos, pois existem duas praças que impedem que se perca a hora: a Praça do Relógio e a Praça do Relógio Solar. Enfim, só visitando a Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira (Campus Butantã) para conhecer um dos oito campi da Universidade de São Paulo. O investimento do Estado na USP (Decreto 29.598 de 02/02/1989 e a LDO – Lei nº 16.511, de 27/07/2017*) é de 5,0295% da arrecadação de ICMS líquido do Estado de São Paulo.

A Universidade de São Paulo foi criada em 25 de janeiro de 1934 pelo governador Armando de Salles Oliveira (1887-1945), que no ano seguinte nomeou uma comissão, presidida pelo Prof. Reynaldo Porchat (1868-1953), para estudar e definir a localização da Cidade Universitária para onde seriam transferidas as diversas faculdades da USP então espalhadas pela cidade. Porchat era santista. O campus é formado por uma área equivalente a 200 alqueires paulistas, destacada da antiga Fazenda Butantã que fora desapropriada. Embora a decisão tenha sido tomada na década de 1940, a Prefeitura foi criada em dezembro de 1969 para planejar e implantar a infraestrutura do campus. O desafio coube ao professor arquiteto Luciano Bernini, primeiro prefeito da Cidade Universitária. A denominação atual é Prefeitura Campus Capital-Butantã da Universidade de São Paulo (PUSP-CB).

Agora o passeio pela Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira pode começar. A maioria das ruas e praças homenageia professores da Universidade. Algumas unidades como a Academia de Polícia, Casa de Cultura Japonesa, Centro Tecnológico da Marinha, Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) não pertencem à USP. Logo na entrada encontra-se a Praça Prof. Reinaldo Porchat, com uma escultura em sua homenagem. Mais adiante fica o Relógio Solar, criação do professor da FAU/USP, Caetano Fraccaroli (1911-1987). É de Fraccaroli também o Monumento à Liberdade, que adorna a entrada do Hospital Universitário – escultura de quatro metros de altura em resina e fibra de vidro.

A Torre Universitária ou Torre do Relógio destaca-se nesse ambiente quase bucólico: obra do arquiteto Rino Levi (1901-1965). Ela tem painéis criados pela escultora vicentina Olga Elizabeth Magda Henriette Nobiling (1902-1975). No entorno do espelho d’água pode-se ler que “No Universo da Cultura o centro está em toda a parte”, frase do professor Miguel Reale, ex-reitor da USP.

O monumento em homenagem ao arquiteto Ramos de Azevedo tem lugar especial. Obra do artista ítalo-brasileiro Galileu Ementabili, o monumento foi inaugurado em 1934 na Avenida Tiradentes, próximo à Estação da Luz, mas em 1973 teve que ser removido por causa das obras do metrô e desde então está na USP (Avenida Almeida Prado) próximo à Escola Politécnica. (Foto.)

Como em todas cidades, o campus dispõe dos equipamentos necessários para a vida cotidiana de alunos, professores e visitantes. Alunos, funcionários e professores podem sempre fazer refeições no CRUSP. Nos tempos em que trabalhei no JORNAL DA USP costumava almoçar no restaurante universitário; contudo há vários restaurantes, lanchonetes e até comida de rua tanto para o simples café da manhã como para uma refeição diferenciada.

É bom saber que esta cidade conta com o Hospital Universitário. O HU, como é conhecido, é um hospital-escola regionalizado e integrado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Em 25 de março de 1976, o então governador do Estado Paulo Egydio Martins assinou decreto alterando o Estatuto da USP e instituindo o HU, após aprovação do Conselho Universitário da Universidade e do Conselho Estadual de Educação. Houve um atraso para o início das atividades do hospital por falta de recursos financeiros, mas no dia 6 de agosto de 1981 o Hospital começou funcionar a partir do setor de Pediatria e em dezembro do mesmo ano foi a vez do setor de Obstetrícia e Ginecologia iniciar as suas atividades e assim sucessivamente até completar o complexo hospitalar. Há também uma farmácia no campus.

Arte não falta: além do CINUSP, há os museus de Arqueologia e Etnologia, de Geociências, Oceanográfico – a Academia de Polícia mantém o Museu do Crime. Entre as várias bibliotecas do campus, destaca-se a Biblioteca Brasiliana Guida e José Mindlin, aberta ao público em 2013. O Centro de Práticas Esportivas – CEPEUSP é o local onde os alunos praticam esportes e se confraternizam.

A partir de 2008 frequentei cursos da Universidade Aberta para Terceira idade (UNATI) nos Museus Paulista e de Arqueologia e Etnologia (MAE); Institutos de Astronomia e Geofísica, de Estudos Brasileiros, Química, de Biociências e de Medicina Tropical, Faculdades de Economia e de Educação.

O campus Butantã fica afastado do Centro, mas dispõe de um bom serviço de ônibus, metrô (Linha Amarela) e trem (9 – Esmeralda).

domingo, 25 de maio de 2025

HOJE TEM TICO-TICO NO FUBÁ

José Gomes de Abreu ou simplesmente Zequinha de Abreu (1880-1935) é um dos músicos e compositores brasileiros que faz sucesso internacional desde os anos 1940. E por incrível que pareça foi a organista Ethel Smith (1902-1996) quem tornou o chorinho “Tico-tico no Fubá” num sucesso, quando o interpretou no filme Bathing Beauty (1944), estrelado por Esther Williams. O disco que ela gravou chegou a alcançar o 14º lugar nas paradas de sucesso em novembro daquele ano e vendeu dois milhões de cópias em todo mundo. Em 1945 Carmen Miranda, que já trabalhava nos Estados Unidos, gravou o chorinho “Tico-tico no Fubá” com letra de Aloísio de Oliveira (Bando da Lua) e em 1947 interpretou a música no filme “Copacabana”, dirigido por Alfred E. Green.

Este foi o início da carreira internacional da música, que foi gravada pelo violonista espanhol Paco de Lucia (1967), pelo violista italiano Marco Misciagna  (2024), pelo guitarrista brasileiro Raphael Rabelo em (2024), pelas orquestra Filarmônica de Viena, regida pelo maestro Gustavo Dudamel e pela Filarmônica de Berlin, regência do maestro Daniel Barenboin entre outros.

Zequinha de Abreu nasceu em Santa Rita do Passa Quatro, São Paulo.

Link para ver Carmen Miranda interpretando o chorinho no filme que estrelou com Groucho Marx (1890-1977):

https://youtube.com/shorts/pwTip5AKuT0?si=0hgCo2aU6qF4-JoN


https://www.youtube.com/watch?v=PsNcDkwhBMA

sexta-feira, 23 de maio de 2025

A NOVA ARQUEOLOGIA


                                  Praça Manuel da Nóbrega.

A Prefeitura está fazendo obras de infraestrutura no Centro Histórico. Outro dia achei que garimpeiros tinham se instalado na Rua Barão de Paranapiacaba atraídos pela alcunha de “rua do ouro”. Escavada do começo ao fim, homens trabalhavam no subsolo reformando a infraestrutura. Debruçados nos cavaletes que fechavam a rua, pedestres desocupados e o pessoal que distribui cartões das lojas de compra e venda de ouro observavam a obra. Sobrou uma nesga de calçada para os pedestres e comerciantes. Agora é a vez da Rua XV de Novembro. A Rua Padre Anchieta e a Praça Manuel da Nóbrega estão prontas. Todas essas obras no subsolo resultaram num achado arqueológico ao lado da Ladeira General Carneiro. Quando fui espiar o que tinham encontrado me deparei com trilhos de bonde. Trilhos de bonde já são arqueológicos? E eu que andei tanto de bonde... Como dizem os gaúchos: Barbaridade!  


Ladeira General Carneiro.

Rua XV de Novembro.
 Arqueologia é a “ciência que trata das culturas e civilizações antigas e desaparecidas, estudando-as por meio de artefatos, fósseis, habitações, monumentos e outros testemunhos materiais que delas restaram”.  Não é o caso desse achado porque bondes continuam circulando mundo afora.


quarta-feira, 14 de maio de 2025

ESTRADA DO SOL

É DE MANHÃ
Vem o Sol
Mas os pingos da chuva
Que ontem caiu
Ainda estão a brilhar
Ainda estão a dançar
Ao vento alegre
Que me traz esta canção...  

Tom Jobim e Dolores Duran.

Há algum tempo comecei a fotografar o amanhecer da minha janela. Levanto cedo todos os dias. Questão de hábito. Abro as janelas e há sempre um novo espetáculo protagonizado pelo Sol e a coparticipação de nuvens e um toque dos ventos, o que resulta num chiaroscuro único, no pequeno espaço que me sobra do lado Leste da minha rua. Moro no quinto andar e a copa das árvores dão um toque especial nesse quadro matinal.

Para as imagens que selecionei das minhas manhãs, escolhi “Estrada do Sol”, na voz deliciosa de Agostinho dos Santos (1932-1973), um dos meus cantores preferidos.














https://www.youtube.com/watch?v=6prTDir2I2g


domingo, 11 de maio de 2025

“A XÍCARA DA HUMANIDADE"

 


“O chá era a princípio um remédio e se transformou em uma bebida. Na China do século VIII, entrou para o campo da poesia como um entretenimento refinado. O século XV viu o Japão elevá-lo à categoria de religião estética, ou seja, à de ‘chaísmo’. O ‘chaísmo’ é um culto que se fundamenta na veneração da beleza em meio à sordidez dos acontecimentos diários. Incute a pureza e a harmonia, o mistério da caridade mútua, o romantismo da ordem social. É essencialmente a veneração do imperfeito, uma tentativa singela de conquistar o possível em meio a esta coisa impossível que conhecemos como vida.” O LIVRO DO CHÁ – tradução Leiko Gotoda.


quinta-feira, 8 de maio de 2025

VOCÊ SABE DE ONDE EU VENHO?

Há 80 anos terminava a II Guerra Mundial (1939-1945). As retaliações da Alemanha contra o Brasil começaram em 1942, quando o governo brasileiro rompeu relações com Itália e Alemanha.  Como consequência, o Brasil teve 34 navios torpedeados e desse total apenas uma embarcação era de guerra – o “Vital de Oliveira”, abatido em 19 de julho de 1944. Todos os demais eram da marinha mercante. Esses ataques causaram a morte de 1.081 pessoas.

A COBRA VAI FUMAR – A mobilização fora decretada em 1942, mas a convocação só aconteceu em 1943, com a criação da Força Expedicionária Brasileira – FEB.  A demora para a decisão de embarque da força expedicionária para a Europa por uma série de problemas políticos e de treinamento dos pracinhas tornou-se motivo de ironia e dizia-se que era “mais fácil uma cobra fuma do que a FEB lutar”. A chacota virou desafio e o bordão depreciativo virou grito de Guerra e um símbolo da FEB. Dos 25.334 homens embarcados morreram 451.

O poeta Guilherme de Almeida e o maestro Spartaco Rossi são os autores da Canção do Expedicionário, gravada por Francisco Alves, em 1944. Em 1960, quando foi inaugurado o Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial no Rio de Janeiro, Guilherme de Almeida contou que: "Era já a madrugada de 8 de março de 1944 quando escrevi a última sextilha da 'Canção do Expedicionário'. (...) Apenas uma rapsódia. Mapa lírico do Brasil: fragmentos de canções do povo, com que o 'pracinha' – o novo, desconhecido soldado dos Exércitos Aliados – havia de apresentar-se a gentes outras, terras de outrem, dizendo: Você sabe de onde eu venho?” O poeta usou referências musicais, poesias populares e fragmentos literários que tornam o poema comovente, o que certamente contribuiu para o grande sucesso da música.

Você sabe de onde eu venho?
Venho do morro, do engenho
Das selvas, dos cafezais
Da boa terra do coco
Da choupana, onde um é pouco
Dois é bom, três é demais.

Venho das praias sedosas
Das montanhas alterosas
Dos pampas, do seringal
Das margens crespas dos rios
Dos verdes mares bravios
Da minha terra natal

Por mais terras que eu percorra
Não permita, Deus, que eu morra
Sem que volte para lá
Sem que leve por divisa
Esse V que simboliza
A vitória que virá.

(...)





Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial no Rio de Janeiro.




Cemitério Militar Brasileiro de Pistoia, Itália, onde até 1960 ficaram os despojos dos pracinhas. Foto: 2011.


 

Porreta Terme, Itália: monumento em homenagem aos soldados da FEB.

(Infelizmente, o sol não ajudou na hora da foto.) 2011.


Homenagem aos ex-combatentes da FEB no Ibirapuera. 2018.


https://www.facebook.com/groups/MONTECASTELOHISTORIA 

segunda-feira, 5 de maio de 2025

TACNOLOGIA FACILITANDO A VIDA

Ouço pessoas reclamarem das tarefas domésticas cotidianas e penso que elas se queixam sem saber do que escaparam, pois ainda em meados do século passado não dispúnhamos de tantas facilidades como nos dias atuais. Houve uma grande evolução tecnológica que nos livrou de coisas que para as novas gerações parecem absurdas, mas chegaram a ser consideradas “muito práticas”.

Gosto demais da avó das geladeiras elétricas, a chamada “caixa de gelo” porque funcionava com uma pedra de gelo que era entregue diariamente em casa pela Fábrica de Gelo que em Santos era na Vila Matias. Em casa tínhamos uma grande, que só foi substituída por uma geladeira elétrica Frigidaire em 1950. Já escrevi sobre a enceradeira de casa, igualzinha à da foto. Cresci ouvindo rádio que funcionava com válvulas e ficava em um lugar especial na sala de visitas ao lado do qual minha avó fazia crochê escutando a programação; tínhamos também um telefone de parede na copa, bem mais moderninho do que o exibido no museu. Nos anos sessenta ganhei uma vitrola portátil e um rádio Spica de pilha, que me acompanhou por muitos anos.

Os museus guardam essas preciosidades – sim, preciosidades, inclusive muita coisa com que a minha geração ainda conviveu já faz parte dos acervos. Um exemplo: a máquina do cartão de crédito. O funcionamento era simples: o lojista colocava um impresso do cartão devidamente preenchido com o valor da compra, imprimia manualmente e o cliente assinava, ficando com uma via. Isso ainda no final do século XX. 


Museu da Energia, São Paulo, Campos Elíseos. São Paulo.

O secador de cabelos ao lado do ventilador. 


Máquina de lavar roupas. Após a lavagem, a roupa era passada pelo rolo na parte de cima (área vermelha) para tirar o excesso de água.😆

Telefone de parede.


Fogão a gás e a "caixa de gelo".

Gramofone, Museu do Tribunal de Justiça. São Paulo.


Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, 2015.

Imagem, Internet.



Museu da Energia:  Alameda Cleveland, 601 - Campos Elísios. 

Museu Histórico Nacional: Praça Marechal Âncora, Rio de Janeiro.

Museu Tribunal de Justiça de São Paulo: R. Conde de Sarzedas.

domingo, 4 de maio de 2025

LEMBRANÇAS

 

Mercado Trajano (113 D.C.), no Monte Quirinal, Roma, 2006.

Hoje estou me desfazendo das lembranças físicas das viagens que fiz pelo exterior – ou seja, mapas de cidades e dos sistemas de transportes, folhetos – alguns com anotações – dos locais que visitei: museus, igrejas, monumentos, galerias, pinacotecas etc. Há vários que peguei na rua e nunca fui. Guardarei apenas alguns catálogos que são muito bonitos. A caixa organizadora ainda se mantém cheia e não me considero acumuladora...

Precisava de um critério para a “limpeza”. Pensei no assunto e achei que o melhor seria começar por aqueles lugares a que não voltarei. Logo me lembro da Bélgica e da Áustria. A primeira, porque Bruxelas não me interessava, mas a velha e boa VASP, já nos estertores da existência, oferecia a passagem mais barata para a Europa. A segunda porque, apesar de linda, nela não me senti bem-vinda em Viena e me restou a impressão de que o vienense carece de polidez.

Difícil mesmo foi mexer nos guardados da Grã-Bretanha, França e Itália, países de que gosto muito e tive a oportunidade de visitar várias vezes. Beleza, cultura, acolhimento excepcionais. A primeira vez que vi Paris foi no outono, tempo encoberto e frio. Achei a cidade cinza, mas aproveitei cada momento peregrinando por museus e lugares que a História, a música e a literatura me haviam revelado. Até estendi a visita por mais três dias. De Paris embarquei num trem noturno para Roma (isso antes dos trens de alta velocidade). E Roma foi um deslumbramento – sol, calor, gente maravilhosa e me descobri num museu a céu aberto. Na verdade, a Itália foi uma paixão à primeira vista. Paris me conquistou mesmo na segunda visita. Como não sabia se haveria outra chance de voltar à Europa, escolhi cuidadosamente os lugares que eram essenciais para mim. Na Itália, fui a Pompeia, Veneza e Florença. Beleza de tirar o fôlego. Próxima parada: Grécia – Atenas e algumas ilhas. Descobri a Grécia ainda na infância com a turma de Monteiro Lobato, que vivia no Sítio do Pica-pau Amarelo. Valeu cada minuto!

Como acumulei tanta papelada? Quando pude, voltei à França, Itália e Grã-Bretanha – meus roteiros sempre foram baseados principalmente em História e minha curiosidade por conhecer os principais museus do mundo (faltou o Hermitage). E a papelada foi aumentando... Sem contar os caderninhos, diários de viagem, com anotações sobre coisas que não lembro. Idade? Não, as coisas anotadas não deviam ser relevantes; entretanto, recordo-me de coisas banais, pessoas e lugares que deixaram impressão forte.

Aprendi muito observando, mas também com pessoas que ajudaram a achar um endereço, indicaram um caminho melhor e até me pediram ajuda. Viajar sozinha foi um desafio que me impus – como eu reagiria em situações difíceis, sem conhecer idiomas, lugares e sem a proximidade de amigos (à distância tive muito apoio). Para minha surpresa acho que me saí muito bem. Me perdi, me achei, briguei, bati boca com um espertalhão que me seguiu em Atenas e, muito antes da invenção da Internet, quantas vezes cheguei a cidades sem reserva de hotel confiando nos escritórios municipais de apoio ao viajante que faziam booking na hora, forneciam mapas e ainda desejavam uma feliz estadia (nem todos).

Passei o sábado viajando... Viajando no tempo.

Paris moderna, La Défense, 2011.



quarta-feira, 30 de abril de 2025

TRABALHO CAPRICHOSO

Ele cuida da limpeza do vidro e para que as pessoas possam admirar o cenário e fazer fotos. Fica de plantão observando o movimento e, faz-se então uma pausa, para ele limpar as digitais deixadas pelos visitantes mais entusiasmados com essa visão de uma parte do Centro Histórico de São Paulo...   À esquerda do Vale do Anhangabaú, vê-se o Edifício Martinelli e o Edifício Matarazzo, sede da prefeitura, com seu jardim suspenso. No centro, o edifício o prédio CBI Esplanada, que deixa apenas uma nesga do Teatro Municipal à vista. À direita o centenário prédio dos Correios. Sampa Sky, 24 de julho de 2023. Foto: Hilda Araújo.







segunda-feira, 28 de abril de 2025

O CALCETEIRO

 

Há alguns anos eu atravessava a Praça Ramos de Azevedo quando o vi trabalhando na calçada. Um calceteiro! Lembrei-me dos tempos de Santos, onde vi pela primeira vez o trabalho minucioso desses homens que revestem calçadas com pedras portuguesas – pedrinha por pedrinha, formando desenhos que admiramos sem lembrar quem os executou. Uma profissão em extinção pelo que observo atualmente no Centro Histórico de São Paulo, onde placas de concreto cinzentas cobrem os calçadões reformados – seguras para os pés apressados do paulistano, porém, monótonas para os olhos que passeiam pela paisagem.

As calçadas portuguesas estão desaparecendo silenciosamente. O chão calcetado é usado desde a Antiguidade, mas a calçada portuguesa data do século XIX e é uma arte genuinamente lusitana e que faz parte do patrimônio cultural de Portugal. A Praça do Rossio foi a segunda área de Lisboa ganhar uma calçada portuguesa, iniciativa que se espalhou pela cidade, pelo país e pelas colônias.

A Câmara de Lisboa criou em 1986 a Escola de Jardinagem e Calceteiros para renovar o efetivo de profissionais municipais e preservar e divulgar o calcetamento. Na escola, homens e mulheres aprendem a “arte de calcetar ao quadrado, o desdobrar da pedra e o malhetar”, expressões comuns entre os mestres calceteiros. As pedras usadas são geralmente de calcário branco e preto ou basalto; encontram-se também o vermelho e o verde. As cores tradicionais são o preto e o branco.

            Anotei o nome do calceteiro que trabalhava na Praça Ramos, mas infelizmente o papelzinho perdeu-se.

A Escola de Calceteiros funciona na Avenida Dr. Francisco Luís Gomes 1800, no Arroios, Lisboa. 

O calceteiro na Praça Ramos de Azevedo.

Lisboa, Praça do Rossio e a calçada portuguesa, 2023.

Praça João Mendes: calçada portuguesa com as cores paulistas, 2025.

As ondas de Copacabana (RJ), 2015.


A calçada portuguesa da Praia do José Menino, Santos (SP), 2019.




domingo, 27 de abril de 2025

O JARDINEIRO

Os jardineiros em São Paulo têm um trabalho inglório: nas praças e nos parques lineares, plantam flores e plantas ornamentais com muito cuidado. Deixam a cidade bonita, com muito colorido; porém, infelizmente, uma parte da população ignora esse trabalho e insiste em fazer dos jardins da cidade sua lata de lixo. Mas, como dizem os poetas

"SEGUE o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

(...)."

Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa).

Praça Marechal Deodoro, na Barra Funda: a escultura de Murilo Vaz Toledo faz parte de um conjunto em homenagem aos trabalhadores terceirizados de São Paulo.



"Quelquefois dans un beau jardin
Où je traînais mon atonie,
J'ai senti, comme une ironie,
Le soleil déchirer mon sein,

Et le printemps et la verdure
Ont tant humilié mon coeur,
Que j'ai puni sur une fleur
L'insolence de la Nature."

À CELLE QUI EST TROP GAIE  Baudelaire.

O GARI

Quase ninguém sabe quem ele é, entretanto, milhões de pessoas falam seu nome diariamente pelo Brasil. Era francês; na década de 1870, ainda bem jovem veio para o Brasil, estabelecendo-se no Rio de Janeiro onde criou uma empresa de limpeza – aliás, como bom observador, percebera que limpeza não era exatamente uma qualidade da cidade. Quando o lixo se tornou um sério problema de saúde pública, o Ministério do Império instituiu a limpeza sistemática das ruas Rio e no dia 10 de outubro de 1876 foram contratados os serviços de Aleixo Gary para cuidar da limpeza pública do Rio de Janeiro e transportar todo o lixo para a ilha de Sapucaia, na baía da Guanabara. Os trabalhadores da limpeza eram populares na cidade e os cariocas referiam-se a eles como os “os meninos de Gary” e com o tempo eles passaram a ser chamados apenas de “Garys”. O nome se popularizou. Essa é a origem da palavra gari – um ótimo exemplo de metonímia para as aulas de Português da garotada. 

O contrato de Aleixo Gary durou até 1891 – já no período republicano, mas o pessoal da limpeza pública continua firme e forte até hoje levando, sem saber, o nome dele pelas cidades brasileiras num trabalho sem fim, já que as pessoas continuam ignorando as boas maneiras e jogando o lixo onde não deve. No Dia do Trabalho, uma homenagem a esses trabalhadores anônimos que participam de nossas vidas e que a maioria da população nem um bom dia lhes deseja. A escultura faz parte de um conjunto em homenagem aos trabalhadores terceirizados de São Paulo, na Praça Marechal Deodoro, obra de Murilo de Sá Toledo.

        Em tempo: as ilhas de Sapucaia, dos Pinheiros, de Bom Jesus e do Fundão foram aterradas na década de 1940 para a construção da Cidade Universitária.

Foto: Otávio Ástor Vaz Costa. 



sábado, 26 de abril de 2025

RUAS DE DICKENS

 

Oxford Street, Londres, 2015.


“Poucos de nós compreendemos a rua. Até quando pisamos nela, pisamos desconfiados, como se entrando numa casa ou numa sala em que há estranhos. Poucos de nós vemos através do luminoso enigma da rua, as estranhas pessoas só pertencem à rua – caminhante da rua ou o árabe da rua, os nômades que sob a luz do sol, geração após geração, guardaram seu antigo segredo. Sobre a rua noturna muitos de nós sabemos ainda menos. A rua noturna é uma grande casa trancada. Mas se alguém jamais teve a chave da rua, essa pessoa é Dickens. Suas estrelas eram as luzes da rua, seu herói era o homem da rua. Ele podia abrir a porta mais interna da sua casa – a porta que leva ao corredor secreto ladeado de casas e tem um teto de estrelas.” G. K. Chesterton (1874-1936).

Charles Dickens é um dos meus escritores favoritos. Na adolescência deliciei-me com os livros dele. Li uma biografia resumida em algum dos cursos de inglês que frequentei e só agora soube que ele era um caminhante prodigioso, de acordo com Merlin Coverly, escritor e livreiro britânico, adepto da psicogeografia. Esta é outra novidade para mim – a Psicogeografia definida como "o estudo das leis precisas e dos efeitos específicos do ambiente geográfico, conscientemente organizados ou não, sobre as emoções e o comportamento dos indivíduos". (Leis precisas num tema como esse me parece algo exagerado.)

Coverly, citando outros autores, conta que Dickens em uma carta escreveu que se não pudesse caminhar rápido e até a um lugar distante, explodiria e morreria”. Em seus romances há muitas cenas de caminhadas por Londres, protagonizadas pelos habitantes sofridos da cidade, uma tentativa de “explicar a metade que caminha para a metade que anda sobre rodas”. O escritor britânico diz que apenas em “A loja de antiguidades” (1841) um personagem faz uma longa caminhada fora de Londres.

Há pesquisas bem estranhas, como a do escritor britânico Miles Jebb (1930), que compilou as andanças dos personagens de Dickens: Oliver Twist andou 20 milhas para roubar uma casa Chertsey; David Copperfield andou 23 milhas de Blackheath até Chatham e de outra vez andou 25 milhas do Pickwick Club (que financiava viagens pelo interior da Inglaterra); a fuga de Nickleby e Smike de Dotheboys Hall em Yorkshire para Londres; e a caminhada de Chuzzlewit e Pinch para jantar em Salisbury. Se alguém quiser conferir...

Londres, 2015.


terça-feira, 22 de abril de 2025

ERRO DE PORTUGUÊS

Oceano Atlântico, 22 de abril de 1500. O grumete balançando na gávea da caravela gritou “Terra à vista”. Foi aí que tudo começou – Pindorama, Santa Cruz e Brasil... 

"Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português."

"Erro de Português" -Oswald de Andrade.


A Caravela Portuguesa

LEGENDA DO PAINEL

"Na década de 1440, surgem as primeiras referências a “caravelas de descobrir” a qual passa a ser o principal tipo de navio utilizado pelos exploradores portugueses nas seguintes décadas do século XV.

Navio robusto, apresentando excelentes qualidades náuticas, o seu tamanho acompanhou as viagens que se tornaram cada vez mais longas, passando de dois para três mastros de pano latino (velas triangulares), que lhe permitiam navegar mesmo com ventos contrários (bolinar).

Mais tarde, a partir de 1500, surge um novo tipo de navio, a “caravela redonda” ou “de armada”. Trata-se de um tipo distinto de navio, destinado ao apoio das grandes naus de viagem ou à guerra do mar. Com aparelho misto de pano latino e redondo (vela quadrangular) no traquete (mastro de vante), o que lhe confere maior velocidade e manobrabilidade, características necessárias àquelas funções."  Museu da Marinha, Lisboa, 2023.


Bolina – navegação com vento lateral. (Dic. Michaelis)



 

segunda-feira, 21 de abril de 2025

FELIZ PÁSCOA

 TODO ANO É A MESMA COISA: AS GALINHAS PÕEM OVOS E OS 

COELHOS LEVAM A FAMA.









PUBLICADO ORIGINALMENTE ONTEM, DOMINGO DE PÁSCOA, MAS DELETADO POR ENGANO.

SUMMERTIME

Há quem sempre tenha uma desculpa para ficar em casa e uma delas é a falta de tempo. O poeta norte-americano Frank O’Hara (1926-1966) é um bom exemplo de que sempre se pode caminhar e aproveitar a cidade em que se vive. Ele trabalhava no Museu de Arte Moderna de Nova York e aproveitava a hora do almoço para caminhar pela cidade, o que resultou no livro Lunch Poems. Claro, não estou sugerindo que todos os pedestres tenham de escrever sobre suas experiências pelas ruas e parques de suas cidades. O importante é aproveitar os poucos momentos disponíveis para apreciar a cidade em que se vive – não importa se é Nova York, Tóquio ou São Paulo. Uma delícia observar as ruas e as pessoas para descobrir que o cenário muda sempre. Há sempre novidades numa rua, os rostos na multidão nunca são os mesmos. Mesmo aqueles que encontramos no cotidiano variam suas expressões – um dia têm o rosto alegre, no outro parecem tristes ou ainda distraídos...

    Frank O’Hara mudou para Nova York em 1951 e explorou a cidade de tal modo que um leitor poderia usar seus poemas e crônicas como roteiro, mas também contou suas experiências pessoais como em The Day Lady Died (uma elegia à cantora Billy Holiday). Aqui O’Hara conta suas atividades naquela sexta-feira, 17 de julho de 1959, quando saiu para almoçar às 12h20, depois foi engraxar os sapatos porque descerá do trem das 16h19 em East Hampton, Nova York, às 19h15, de onde irá direto para um jantar e quer causar boa impressão. É um dia muito quente de verão. Ele almoça um burger com milkshake, vai ao banco, compra um jornal literário, passa por uma livraria – onde fica em dúvida sobre o que escolher e finalmente dirige-se a uma loja de bebidas para comprar um Strega para o amigo Mike. Nesse ponto, O’Hara volta para a 6ª Avenida compra cigarros na loja do Teatro Ziegfeld e um tabloide com a foto de Billie Holiday na capa com a notícia do falecimento dela. Lembra-se então de quando a ouviu cantar acompanhada ao piano por Mal Waldron e conclui: Her performance took everyone's breath away”.


https://www.youtube.com/watch?v=THflqYOqm3A


domingo, 13 de abril de 2025

KIERKEGAARD, CAMINHANTE ATÉ O FIM

 

O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855) foi o precursor do flâneur francês: gostava de caminhar a esmo pelas ruas de Copenhague, onde nasceu e viveu seus 42 anos. Por causa de uma queda na infância, Kierkegaard tinha uma forte curvatura na coluna e por isso caminhava um tanto inclinado para trás, o que dava a impressão de insegurança ao seu deslocamento. Caminhar era uma fonte de diversão e prazer para ele, apesar de todos os problemas de saúde que enfrentou. E como se isso não bastasse, após uma disputa pública com uma revista satírica, tornou-se vítima de uma campanha impiedosa de zombarias nas ruas de Copenhague. Kierkegaard passou de observador a observado, como registrou Coverley. “Por causa da minha melancolia e do meu enorme trabalho, eu precisava de uma situação de solidão na multidão para descansar. Por isso me desespero. Já não posso encontrá-la. A curiosidade me cerca por todos os lados.”

O filósofo não desistiu: “Acima de tudo não perca o desejo de andar: todo dia eu caminho num estado de bem-estar, e andando me afasto de todas as doenças. Tenho tido meus melhores pensamentos enquanto ando, e não sei de nenhum pensamento tão opressivo que a pessoa não possa afastar enquanto caminha. Mesmo que alguém precisasse caminhar por razões de saúde e que ela estivesse constantemente um pouco adiante – ainda assim eu diria ‘Ande!’”.

Durante uma de suas caminhadas desmaiou e morreu.

(Embora não tenha cunhado o termo que só surgiu em meados dos anos 1940, ele foi o primeiro filósofo a abordar o existencialismo.)

 

Retrato inacabado de Kierkegaard feito por seu irmão Neils Christian Kierkegaard – Royal Library of Denmark.

sábado, 12 de abril de 2025

PARQUE DAS BICICLETAS

Eu não conhecia o Parque das Bicicletas, situado em Moema. O Parque, inaugurado em agosto de 2000, tem 44 mil metros quadrados; porém, não acolhe apenas ciclistas. O paulistano encontra nessa área atividades de lazer, esportes e pesquisa como o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa – COTP e o Centro Esportivo Mané Garrincha, que frequento há dois anos. Há infraestrutura para os adeptos de patins, skate e patinete; uma academia ao ar livre, aulas de yoga, fitdance (aula coletiva que mistura dança com o universo fitness) e hit funcional (aula que combina exercícios funcionais e de alta intensidade).  E quem não se interessa por nada disse sempre pode caminhar pelas alamedas arborizadas ou simplesmente se acomodar em um dos bancos para apreciar a paisagem.

PARQUE DAS BICICLETAS: Alameda Iraé, 35, funciona das 6 às 22 horas, diariamente. 

Passeio matinal longe do burburinho do entorno da área verde.


Pista de atletismo e arquibancada.

No caminho um cacaueiro carregado de frutos.