terça-feira, 30 de setembro de 2025

MOMENTO DE TERNURA

 

Esperava a luz verde do semáforo na praça Clóvis Bevilacqua, onde o cenário é invariavelmente deprimente, quando notei a cambacica no chão em plena atividade. Ela hesitou quando me viu chegar, mas continuou sua atividade, me observando vez por outra, pronta para voar caso sentisse algum risco. Achei que ela estava comendo, mas estava coletando umas farpas que alguma árvore ou arbusto deixara cair ou o vento trouxera. Havia duas e logo três no bico, uma caiu e ela tratou de pegar novamente, sempre atenta à minha presença. Ora, pensei, ela está recolhendo material para o ninho. Quando chegou outro pedestre, vi que a luz verde se acendera e antes de iniciar a travessia percebi que o passarinho desaparecera. Tão pequena, tão delicada e colorida, abrandando o cenário de concreto e tragédia da praça...

    Fiquei curiosa e pesquisei para saber como é o ninho da cambacica. Elas fazem dois tipos de ninho: um para reprodução e outro para descanso – muito espertas. O primeiro recebe um acabamento melhor com entrada menor para se proteger dos predadores. Ela usa palha, folha, capim e teia de aranha na confecção do abrigo.

Foto: Prefeitura de São Paulo.




domingo, 28 de setembro de 2025

FEIRA EM SANTA CECÍLIA

 


Depois da caminhada pelo Viaduto João Goulart, vulgo Minhocão, decidi que era hora de explorar o entorno dele e nada melhor do que começar pela Rua Sebastião Pereira. Motivo da escolha foi a feira que observei do alto do viaduto. Dizem que é a melhor feira do Centro da cidade, é enorme e costuma ir até as 16 horas.

            Aproveitei o domingo de sol e de temperatura amena para ir até lá via Praça da República. Para variar peguei o ônibus errado e tive que descer na Praça Júlio de Mesquita, que separa a Avenida São João da Rua Barão de Limeira. Na Avenida São João, lembrei-me de uma foto de Claude Levi Strauss, tirada no Carnaval de 1934, de um grupo de foliões. Que diferença! Dela sobrou apenas o prédio do Banespa/Santander. Entro na Rua Pedro Américo e saio na Praça da República, de onde sigo pela Rua do Arouche porque a Avenida Vieira de Carvalho estava fechada para um show.

            Gostaria muito que algum estudioso me informasse qual o polígono que se aplica à configuração do Largo do Arouche. Enfim, lá estão a Academia Paulista de Letras e o restaurante La Casserole; o mercado das flores continua uma atração agradável à vista e ao olfato. Há uma feira de alimentos onde algumas pessoas tomam o café da manhã. Passo pelo restaurante O Gato Que Ri.  Lá o que restou do antigo Cine Arouche, agora dirigido a público adulto – entenda-se programação pornô. Há várias famílias, casais e idosos passeando pelos jardins, mas o pessoal da cracolândia também está presente, dormindo ou alheio à realidade.

            Enfim, passo sob o elevado e estou na Rua Sebastião Pereira e na feira. O público é heterogêneo – vai de donas de casa fazendo as compras da semana, regateando preços, até pessoas como eu, curiosas e mais tentada a consumir um pastel com caldo de cana (que eu não gosto) ou água de coco. Frutas da época em alta – morango e jabuticaba (que eu adoro). Bananas nanicas bonitas com bom preço. Escolho uma barraca simpática e peço o pastel de queijo (que estava bom).

            Das feiras gosto do colorido, do alarido e da única coisa fiada disponível – as conversas entreouvidas nas barracas. Terminei a visita e me dirigi à Alameda Glete, segui até o Terminal Princesa Isabel para pegar o ônibus para casa. O pé dói e o estômago reclama – hora do almoço.




sexta-feira, 26 de setembro de 2025

SÃO PAULO E O TRÓLEBUS HISTÓRICO

O trólebus, aquele veículo enorme, confortável, sem solavancos, seguro, desliza macio pelas ruas da cidade, silencioso, preso por uma alça a uma rede elétrica, faz parte da minha história. Em Santos o trólebus da linha 54 Centro – Orquidário passava em frente à minha casa, na Rua Constituição e, quando fui para a Faculdade em 1967, era ele que eu tomava todas as noites na esquina com a Rua Sete de Setembro para descer na Rua Euclides da Cunha, perto do Orquidário, onde ficava a Faculdade de Filosofia. E, num desses acasos da vida, quando me instalei em São Paulo na Aclimação, novamente, lá estava o trólebus passando em frente do prédio em que morava. Dessa vez, era o 408 A – 10, a linha de trólebus mais antiga do Brasil: 76 anos.  

São Paulo foi pioneira no Brasil na implantação de veículos elétricos. Eles eram importados dos Estados Unidos e Inglaterra e começaram a rodar em 22 de abril de 1949. Inicialmente, o trajeto se estendia da Praça General Polidoro e à Praça João Mendes. Foi bem mais tarde que a linha se estendeu da Aclimação a Perdizes, passando por sete bairros.

            Espero que os trólebus continuem rodando por São Paulo ou pelo menos a linha Cardoso de Almeida/Machado de Assis. Encostá-los é desperdício de dinheiro público, pois significa abandonar toda a rede elétrica e a mão de obra especializada... A Prefeitura ressalta o fato de que os veículos novos movidos à bateria não são poluentes; ora, os – os trólebus (210) também não são poluentes, rodam com energia elétrica.

            Aqui fica a proposta de um passeio de uma hora aproximadamente por sete bairros de São Paulo – Aclimação, Liberdade, Centro, Vila Buarque, Higienópolis, Pacaembu e Perdizes, repletos de pontos históricos, casas de espetáculos, museus, igrejas e paisagens pitorescas. Se der sorte pode ser até que haja um trólebus circulando, o que reforçará o aspecto históricos da viagem.

           


segunda-feira, 22 de setembro de 2025

VIVA A SIBIPIRUNA!

 


Dias atrás notei que a sibipiruna estava quase sem folhas, galhos à vista e fiquei preocupada. Ela estaria morrendo? Seria muito triste perder uma árvore tão bonita! Fui atrás do sr. Benedito que entende de tudo um pouco, inclusive de plantas. Ficou admirado com a pergunta e me garantiu que ela estava muito bem. Se ele disse... E não é que hoje ela está maravilhosa! A folhagem verdinha e na copa os primeiros indícios de que irá florescer em breve. Vai ver estava só se preparando para a Primavera.

domingo, 21 de setembro de 2025

CORRER E ANDAR

 

Em um desses impulsos inexplicáveis, peguei emprestado na biblioteca um livro do médico Drauzio Varella (1943) sobre corridas. Quantas vezes vejo o ônibus lá no ponto se abastecendo de passageiros e penso que se desse uma corrida poderia me juntar ao grupo; mas prefiro “deixar para lá” e esperar o próximo. Correr por esporte nunca foi uma opção. Maratona então nem pensar. Ao ler o título completo – “Correr – O exercício, a cidade e o desafio da Maratona” – deduzo que foi a cidade que me atraiu para essa leitura.

            Foi uma boa escolha, mas gostei mesmo de acompanhá-lo nas corridas que ele fez pelo Minhocão e pelo Centro da cidade, porque encontrei muita semelhança com a minha experiência de caminhante. Claro que não vou andar às seis da manhã, nem pelo elevado e tampouco no Centro. Prefiro horários mais amenos. Fui duas vezes caminhar no viaduto João Goulart e apreciei a paisagem, os frequentadores e “a altura privilegiada que oferece ao transeunte possibilidade de bisbilhotar o interior dos apartamentos”. Coisa que gosto de fazer. Foi assim que o garotinho sentado na varanda, devidamente protegida por uma tela, me acenou todo sorridente quando me viu passar; que notei uma cozinha tão bem organizada que me deu vontade de cumprimentar o/a proprietário (a); ou ser desestimulada de bisbilhotar por uma máscara de caveira estrategicamente colocada à janela. Roupas secando dependuradas em varais ou estendidas no peitoril das janelas. Sapatos e tênis tomando sol. E as cortinas branquinhas balançando ao vento de um domingo quente? Um bichano junto à rede de proteção da varanda parece muito interessado no que se passa lá embaixo na São João...

            Já percorri o viaduto da Praça Roosevelt ao Largo Padre Péricles que desconhecia completamente. Pergunto a um senhor onde é o metrô da Barra Funda, ele indica o caminho e afirma que caminhar faz bem. Com certeza – só o viaduto tem 3,4 km.

            Já a corrida do Dr. Varella pelo Centro é peculiar e um dia vou reproduzi-la à minha moda – ou seja, andando. À medida que corre, ele registra aspectos arquitetônicos e históricos dos lugares por onde passa. Ele começa na Rua Maria Antônia, segue pela Rua Consolação em direção à avenida Ipiranga, passa pela boate Love Story (Rua Araújo) – que fechou faz tempo; na Praça da República, entra no calçadão da Barão de Itapetininga (“e já estou no meio dos prédios mais encantadores da cidade”).

Dr. Varella traça um retrato realista dos moradores de rua, usuários de crack, desocupados que se espalham pelo Centro, mas nem por isso escapa ao seu olhar o casal que dormia juntinho num colchão em um canto abrigado da rua... A descrição que ele faz da primeira vez que se viu em meio à Cracolândia, na esquina das Ruas Helvétia e Dino Bueno, foi muito semelhante à minha experiência naquele local: uma visão chocante, que no primeiro instante causa dúvida – seguir em meio àquela gente maltrapilha (homens, mulheres de todas as idades e crianças), suja, alucinada que andava de uma lado para o outro ou se mantinha no chão? Avaliei o que vi e resolvi seguir, caminhando normalmente, passei por eles e ninguém sequer reparou em mim. Ocupavam apenas um quarteirão. Hoje espalham-se pela cidade. Passo por eles quase todos os dias na região da Sé. É um gravíssimo problema social.  

O livro é de 2015, Companhia Das Letras.









terça-feira, 16 de setembro de 2025

AH! ESSAS CRIANÇAS!

 O ônibus para, o motorista abre a porta, subo, dou boa tarde, mas já sei que não terei resposta. O motorista é um mal-humorado crônico. Sentei-me num banco da frente e lá fomos nós! Dois pontos depois alguns passageiros aguardam e, entre eles três ou quatro estudantes do ensino básico. Devem ter dez anos, mas estão agitados. Correm, riem e se estapeiam. O motorista para o coletivo, os adultos entram e os garotos continuam a brincadeira até que um gritou para o motorista esperar e coleguinha vem correndo sobe os dois degraus, ri e desce dizendo que não vai. Do meu camarote imagino a cara do motorista. Com uma cara marota, o moleque para em frente à porta que o motorista não fechara. Diante do silêncio, ele joga a isca:

– Por que não fechou a porta? Eu não vou.

Uma atitude obviamente desafiadora. Uma isca que o zangado ao volante engoliu, quando perguntou calmamente:

 – O que você está aprendendo na escola?

O rostinho do moleque brilhou:

– Porra nenhuma! – gritou o sapeca mal-educado.

Silenciosamente, o motorista fechou a porta e entrou no trânsito modorrento de uma terça-feira da última semana de inverno.

Isto é apenas um relato. Evidentemente, a educação é dada em casa. Respeitar as pessoas é fundamental. Quanto ao motorista, ele disse algo que costumo ouvir muito pelas ruas - a atribuição à escola de uma tarefa que cabe aos pais.

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

VIDA NOTURNA

 

Ontem, a caminhada noturna pelo Centro Histórico foi decepcionante: em vez de caminhar o grupo foi convidado para assistir a um espetáculo gratuito do Festival Internacional de Palhaços. O evento tem importância cultural, sem dúvida, mas não gosto de palhaços. Assim, bati em retirada. De todo jeito valeu caminhar da Rua da Consolação até a Praça Roosevelt, que fica melhor à noite do que durante o dia.

    No caminho, vejo um quarto de uma parede só... Sem ninguém, embora não pareça abandonado. No chão, o colchão com a coberta bem arrumada; há uma mesinha posta e três livros. Duas cadeiras e vasos com plantas dão uma certa privacidade ao leito. Há duas lixeiras. Cenário?

    Lembro-me, não sei porquê, da música de Noel Rosa “O orvalho vem caindo”, embora não haja semelhança com a cena. A cama não é uma folha de jornal; a noite tem lua às vezes envolta em nuvens, nada de orvalho e as poucas estrelas visíveis ainda estão lá no céu... Caminho até a Avenida São Luís, agora tranquila, para pegar o ônibus. No ponto, dois homens aguardam sentados e conformados.





sábado, 6 de setembro de 2025

CENA BUCÓLICA

Hoje, na Vila das Mercês, depois de alguma andança, me dirigia ao ponto de ônibus, quando observei mais à frente um casal em plena colheita. Ah! Que cena! Lembrei-me da infância quando a nespereira do quintal de casa ficava carregadinha, fazendo a alegria da família e dos passarinhos, sem contar os nossos papagaios que adoravam a fruta. A árvore da Vila das Mercês também estava carregada e, generosa, estendeu os galhos para a calçada.







PAISAGEM

 Minha rua quinta-feira. Um luxo só. Inverno chegando ao fim com ares de primavera e uma lua cheia para lobisomem nenhum botar defeito.