domingo, 21 de setembro de 2025

CORRER E ANDAR

 

Em um desses impulsos inexplicáveis, peguei emprestado na biblioteca um livro do médico Drauzio Varella (1943) sobre corridas. Quantas vezes vejo o ônibus lá no ponto se abastecendo de passageiros e penso que se desse uma corrida poderia me juntar ao grupo; mas prefiro “deixar para lá” e esperar o próximo. Correr por esporte nunca foi uma opção. Maratona então nem pensar. Ao ler o título completo – “Correr – O exercício, a cidade e o desafio da Maratona” – deduzo que foi a cidade que me atraiu para essa leitura.

            Foi uma boa escolha, mas gostei mesmo de acompanhá-lo nas corridas que ele fez pelo Minhocão e pelo Centro da cidade, porque encontrei muita semelhança com a minha experiência de caminhante. Claro que não vou andar às seis da manhã, nem pelo elevado e tampouco no Centro. Prefiro horários mais amenos. Fui duas vezes caminhar no viaduto João Goulart e apreciei a paisagem, os frequentadores e “a altura privilegiada que oferece ao transeunte possibilidade de bisbilhotar o interior dos apartamentos”. Coisa que gosto de fazer. Foi assim que o garotinho sentado na varanda, devidamente protegida por uma tela, me acenou todo sorridente quando me viu passar; que notei uma cozinha tão bem organizada que me deu vontade de cumprimentar o/a proprietário (a); ou ser desestimulada de bisbilhotar por uma máscara de caveira estrategicamente colocada à janela. Roupas secando dependuradas em varais ou estendidas no peitoril das janelas. Sapatos e tênis tomando sol. E as cortinas branquinhas balançando ao vento de um domingo quente? Um bichano junto à rede de proteção da varanda parece muito interessado no que se passa lá embaixo na São João...

            Já percorri o viaduto da Praça Roosevelt ao Largo Padre Péricles que desconhecia completamente. Pergunto a um senhor onde é o metrô da Barra Funda, ele indica o caminho e afirma que caminhar faz bem. Com certeza – só o viaduto tem 3,4 km.

            Já a corrida do Dr. Varella pelo Centro é peculiar e um dia vou reproduzi-la à minha moda – ou seja, andando. À medida que corre, ele registra aspectos arquitetônicos e históricos dos lugares por onde passa. Ele começa na Rua Maria Antônia, segue pela Rua Consolação em direção à avenida Ipiranga, passa pela boate Love Story (Rua Araújo) – que fechou faz tempo; na Praça da República, entra no calçadão da Barão de Itapetininga (“e já estou no meio dos prédios mais encantadores da cidade”).

Dr. Varella traça um retrato realista dos moradores de rua, usuários de crack, desocupados que se espalham pelo Centro, mas nem por isso escapa ao seu olhar o casal que dormia juntinho num colchão em um canto abrigado da rua... A descrição que ele faz da primeira vez que se viu em meio à Cracolândia, na esquina das Ruas Helvétia e Dino Bueno, foi muito semelhante à minha experiência naquele local: uma visão chocante, que no primeiro instante causa dúvida – seguir em meio àquela gente maltrapilha (homens, mulheres de todas as idades e crianças), suja, alucinada que andava de uma lado para o outro ou se mantinha no chão? Avaliei o que vi e resolvi seguir, caminhando normalmente, passei por eles e ninguém sequer reparou em mim. Ocupavam apenas um quarteirão. Hoje espalham-se pela cidade. Passo por eles quase todos os dias na região da Sé. É um gravíssimo problema social.  

O livro é de 2015, Companhia Das Letras.









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