domingo, 11 de agosto de 2019

CURSOS JURÍDICOS: 191 ANOS.

Edifício neocolonial, concluído em 1941. Projeto de Augusto Severo.
No dia 11 de agosto de 1827, o imperador D. Pedro I sancionou Lei aprovada pela Assembleia Geral Legislativa criando os cursos jurídicos em Olinda (PE) e São Paulo, os primeiros de nível superior no Brasil. Em São Paulo, o curso jurídico começou em 1º de março de 1828 no convento de São Francisco – havia apenas cinco frades na cidade e todos estavam no Recolhimento da Luz. No convento já funcionava desde 1825 uma Biblioteca Pública criada pelo governo da Província.
 “O Farol Paulistano”, primeiro jornal impresso da cidade, fez uma ampla reportagem da aula inaugural da Academia. A primeira turma tinha 33 alunos matriculados e apenas dez eram da cidade. Os demais acomodaram-se em repúblicas, a maioria delas ficava na Rua da Palha (Sete de Abril); os mais abonados alugaram até chácaras e alguns mais pobres resignaram-se a morar mesmo na Academia, onde ocuparam celas dos frades que haviam ido para a Luz.
A Academia deu novos ares à provinciana cidade de São Paulo. Ao longo desses 191 anos os estudantes e egressos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco participaram dos principais movimentos políticos do país – como o Abolicionista, o Republicano, o Constitucionalista de 1932 e pelas Diretas-Já. Nove presidentes da República saíram do Largo de São Francisco, além de vários governadores e prefeitos de várias cidades brasileiras. 
Mas eles fizeram suas estudantadas também. E uma das primeiras aconteceu na Rua da Cruz Preta (Quintino Bocaiuva), que tinha esse nome por causa da enorme cruz de madeira que havia em frente a um dos sobrados. Era um lugar de devoção popular e no dia 3 de maio costumava haver uma festa no local. Certa noite a cruz desapareceu por obra de um grupo de estudantes que a lançou no rio Anhangabaú de onde foi recolhida por um morador.
 Estiveram atentos à vida da cidade e interferiram sempre que percebiam injustiça ou preconceito tanto da parte da sociedade como dos políticos. Como o caso que envolveu o alemão Júlio Franck (1808-1841), contratado como professor do Curso Anexo da Academia, que nada mais era do que um cursinho preparatório para os estudantes que estavam iniciando a faculdade. Franck criou uma sociedade secreta (Burschenschaft) e se tornou um mito. Quando morreu, foi-lhe negada sepultura em solo católico porque era protestante. Os estudantes não deixaram por menos: abriram uma sepultura no pátio da Faculdade para o alemão, que foi preservada quando se demoliu o prédio original nos anos trinta do século passado e pode ser visitada ainda hoje.
Em 1920, os estudantes se mobilizaram para homenagear o poeta Olavo Bilac (1865-1918) com um monumento. Levantaram fundos e encomendaram a obra ao sueco William Zagid (1884-1952). A prefeitura a colocou no final da Avenida Paulista e a inauguração ocorreu durante os festejos do centenário da Independência do Brasil. Foi o início de uma polêmica que se arrastou por quatro décadas. O monumento reunia, entre outras, as figuras do poeta, do bandeirante Fernão Paes Leme e  de um francês e uma índia se beijando (“Idílio”).
A obra despertou manifestações negativas: uns diziam que ela atrapalhava o trânsito, outros que era feia demais, enquanto os puritanos de plantão consideravam um escândalo a representação do “Idílio”. A Prefeitura desmontou o monumento e espalhou os grupos pela cidade. Exceto o casal apaixonado que, após um período no deposito municipal, foi para o Cambuci, mas os moralistas atacaram outra vez. Novo recolhimento até que nos anos 1960 o par enamorado foi levado para o jardim do Túnel Nove de Julho, mas nem ali encontraria paz: um vereador se insurgiu contra a escultura, que considerava “obra do demônio”. Foi a gota d’água: os estudantes, que afinal haviam pago pelo monumento, roubaram a escultura e a levaram para o Largo de São Francisco, onde os enamorados encontraram, enfim, um endereço fixo.
Entre as famosas estudantadas e a ação política, os acadêmicos de Direito realizam um trabalho social muito respeitado: a assistência judiciária gratuita, que este ano completa um século de existência. Essa é outra grande história da Faculdade de Direito da USP.


Passarela de ligação entre o prédio histórico e o Edifício de Apoio, construído entre 1992 e 1995. 
"O Idílio",de William Zagid.

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