Embora saiba que a senhora não irá ler esta carta, já deixo claro que estou ciente de que não se lembraria de mim, pois fui uma aluna comum numa classe de quarenta adolescentes. A senhora, entretanto, é inesquecível ‒ seus cabelos brancos impecavelmente penteados contrastando com o luto eterno que vestia, os sapatos ortopédicos e a sua falta de paciência com o excesso de hormônios das meninas que se enfileiravam todas as manhãs para cantar o Hino Nacional.
Confesso que não foi a senhora a primeira pessoa de que me lembrei hoje ao ler os jornais, mas de Dona Zulmira, que me deixou uma herança inesquecível: o bom uso da língua portuguesa. Naturalmente, o mundo mudou bastante e isso é muito bom. Lembro que a senhora fazia um escândalo quando percebia que uma das meninas não usava combinação. Pelos seus critérios, hoje nenhuma entraria em sala de aula. As moças nem sabem o que seja combinação. Sem contar que as meninas não têm mais exclusividade: o liceu é misto. O que acho muito bom.
Se a senhora se espanta com as novidades, imagino Dona Zulmira folheando os jornais! Foi dela que me lembrei ontem, por ao ler a manchete que trazia um “INCAÍVEL” com tipos muito maiores que o normal (talvez para ninguém duvidar do que lia). A palavra não existe em dicionários, portanto, é um erro crasso. Algumas páginas adiante um aviso de que “É preciso focar na aprendizagem e nas relações socioemocionais”. Focar... Ah! Essa existe, mas é um galicismo (uso altamente reprovado por dona Zulmira), que serve de muleta para editores na hora de fazer um título. Incentivar, apoiar, ater-se... E por aí vai.
O que teria sentido Dona Laurentina quando lesse o artigo de Francis
Fukuyama (1952) sobre o fim da História? É possível que nos mandasse rezar uma
oração pela salvação de sua alma, como fez no dia da execução do bandido da Luz
Vermelha, o americano Caryl Chessman
(1921-1960), condenado por estupro e homicídio na Califórnia. Oh! Céus!
Por hoje é só. Sei que não
ficará aborrecida com a carta nem com os comentários (assim como as mestras
citadas). Lembranças para dona Delta.
Um comentário:
belas lembranças...
Postar um comentário