sábado, 9 de abril de 2022

ESQUINAS

Esquinas! Quantas histórias elas proporcionam em cotidianos insípidos! Muito mais que mero “ângulo formado por duas vias que se cruzam”, uma esquina oferece pausa na caminhada e encontros inesperados, abordagens de estranhos para pedir informações ou comentar sobre o tempo. “Local de cruzamento de duas vias”, enquanto se espera uma oportunidade para atravessar a pista de rolamento, onde se pode avaliar o entorno, observar os pedestres do outro lado e os transtornos do trânsito... Ensejam muitas vezes breves e esquecíveis diálogos com desconhecidos. 

        Já perdi a conta das pessoas que param ao meu lado, fazem um comentário banal e como vão pelo mesmo caminho prosseguem a história até que tomemos rumos diferentes ‒ muitas vezes altero meu destino para abreviar o assunto. Lembro bem de um senhor de 90 anos que chegara à Aclimação a pé e queria saber onde tomar um ônibus para retornar ao Ipiranga; da senhora que me contou as aventuras com seus tênis; ou da moça muito agitada que me falou indignada como acabara de surpreender um rapaz em situação... Hum! Digamos inconveniente e resolveu dar-lhe uma lição de bons costumes... História muito constrangedora tanto para ela como para ele. O máximo que lhe disse foi para que ela se cuidasse.

        Às vezes esses encontros podem ser até divertidos. Uma rua curva perto de casa impede que se veja a aproximação dos veículos e enquanto eu aguardava o farol de pedestres, o casal surgiu na curva. Idade indefinida, roupas velhas e sujas, visivelmente alcoolizados. Foi ela quem me abordou, pedindo dinheiro para comprar um guaraná. Um guaraná? Creio que há muito tempo não provavam daquele ou de qualquer outro refrigerante! Infelizmente ‒ disse-lhes, estava sem bolsa (verdade). Eles seguiram o caminho, eu atravessei e um funcionário do mercadinho, que estava à porta do estabelecimento tomando sol e ouvira o pedido, comentou que eles já haviam estado lá tentando comprar um litro de 51, mas o dinheiro não fora suficiente. 

        Esquinas nos remetem ao compositor paulista Francisco Mignone (1897-1943), que entre 1938 e 1943 criou as “Valsas de Esquina”, um trabalho primoroso, que teria sido inspirado, segundo o professor Marcelo Novaes Machado, nas lembranças de juventude, quando compunha e tocava músicas de gênero popular em cinemas e bailes e fazia serenatas em esquinas de São Paulo.

Claro que a esquina mais famosa de São Paulo é a da Avenida Ipiranga com São João (Caetano Veloso), porém, a mais antiga onde se registrou “a cena de sangue no bar da esquina da São João” (Paulo Vanzolini) não foi identificada pelo compositor.

       Esquinas são raras em Brasília e esse é só mais um dos grandes defeitos da cidade. Não dá para dizer a torto e direito para alguém ir “ver se estou lá na esquina”.

        Uma esquina inesquecível pela beleza é a Quattro Fontane, no cruzamento das Via Pia (atual Quirinale) e Via Fellice em Roma. Na verdade, são quatro esquinas com belíssimas fontes com esculturas do século XVI: Rio Tibre (Roma), Rio Arno (Florença), Diana (Castidade) e Juno (Força). As duas primeiras são de autoria de Domenico Fontana. Pietro da Cortona fez o desenho de Pietro da Cortona. 



Vila Mariana, num domingo em época de pandemia. Agosto de 2021.

(Texto revisado.)

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