Cair é sempre uma péssima experiência,
não apenas pelos riscos de se quebrar, as dores dos machucados e,
especialmente, o estranho sentimento de humilhação que nos invade. Como costumo
andar com o nariz empinado, levei vários tombos ao longo da vida. Felizmente,
nunca me quebrei. Aqui vai o resumo de quatro memoráveis tombos. Anos de 1980.
Na esquina da Rua Álvares Penteado com a Direita, naquela época, ali havia
postes antigos de iluminação e simpáticos bancos de madeira, onde um idoso
observava de um deles o movimento ao redor. Eu estava com pressa e não vi o
saco plástico. Um pé entrou por uma ponta e o outro pisou do outro lado. Ao dar
outro passo perdi o equilíbrio. Reflexo rápido. Segurei-me no poste, mas foi
tal a força do impacto que rodeei o poste com um braço e dei várias voltas em
torno dele para não cair. Lembro a expressão espantada do idoso que não deve
ter visto a causa do “espetáculo”. Quando recuperei o controle da situação,
segui meu caminho sem olhar em volta. Anos depois descobri que ali é o Largo da
Misericórdia.
Anos 1990. Estava com um amigo a
caminho de uma entrevista no Centro. Na estação São Bento, ele pegou a saída
pelo Vale do Anhangabaú sob meus protestos. Ele garantiu que era mais perto.
Ali havia alguns sem-teto estabelecidos. Meu amigo ia à frente e de repente
aconteceu... Como? Não tenho ideia. Sei apenas que estava de costas no chão e
rodopiava. Uma verdadeira “street dancer”. Acho que foi a reação dos moradores
de rua que chamaram atenção do meu amigo que voltou, viu e esperou que eu
parasse, estendeu a mão para me ajudar e perguntou se estava bem. Quando se
certificou de que não precisava de socorro, apenas sacudir a poeira para chegar
em ordem ao escritório do entrevistado, meu amigo teve uma crise de riso que me
enfureceu ainda mais.
Anos 2000. Véspera da viagem para
Amsterdam. Coloquei um papel sobre a mesa, que foi levado pelo vento e ficou à
minha espera no chão. Atração fatal: pisei, escorreguei, segurei na maçaneta da
porta, mas não teve jeito. Comecei a cair... Orelhas têm função acústica, mas
ignorava que, além de servir para segurar óculos e máscaras, até amortecem
pancadas. Bati a cabeça na porta, porém, a orelha aparou o golpe. Quando vi o
sangue, resolvi ir à farmácia na esquina onde seu Luís, me acalmou e
providenciou um curativo. De volta ao lar, olhei-me no espelho e comecei a rir:
para quem ia a Amsterdam, eu estava fantasiada de Van Gogh.
Berlim estava no mesmo roteiro. Numa
manhã gelada, ia entrando na estação do metrô e, logo no primeiro degrau da
escadaria junto à calçada, pisei em falso. Quando percebi que ia cair de cara,
me segurei no corrimão. Se evitei a queda, torci os dois pés para me equilibrar
e coloquei quase todo peso no esquerdo. Dor alucinante. Fiquei paralisada por
longos minutos e depois testei os movimentos. Vi do outro lado da rua, na
praça, um banco vazio. Praticamente me arrastei até lá e sentei... O banco
estava molhado pela chuva noturna. E assim, com os fundilhos molhados, fiquei
lá pensando no que fazer: acionar o seguro? Não havia quebrado nada e corria o
risco de me mandarem de volta para o Brasil, quando ainda faltavam quinze dias
de viagem. Continuei o passeio mancando; manquei em Praga e manquei em Viena.
No Brasil, procurei um ortopedista que não encontrou nada errado com os meus
pés e me pôs para correr.
Comentário
perfeito da amiga Clea ao saber do mais recente tombo: “É o que a gente chama
de batidão... Primeiro o susto por perceber que o chão tá chegando perto do
rosto. Depois a raiva por não conseguir evitar. Em seguida a dor e por último
tentar levantar com a periferia toda olhando. O jeito é colocar a culpa no
prefeito que não zela pelas calçadas. Só depois pensar melhor se era um buraco,
se a calçada estava em ordem e o pé que falseou, se a vista fraquejou, se foi
escorregão, se foi distração...”.
2 comentários:
Como sempre excelente texto. Tombos são inesquecíveis por isso vc os descreve tão bem, ricos em detalhes.
Espero não ter que descrever outros espetaculares. Um abraço.
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