O
diplomata Graça Aranha (1868-1931) aposentou-se e retornou ao Brasil em busca
de novas atividades, conheceu os jovens modernistas em São Paulo, apaixonaram-se
e começaram a pensar em como tornar o Brasil independente das escolas
literárias europeias, elas mesmas na vanguarda. Graça Aranha conhecia a pessoa
certa para essa missão: o paulista Paulo Prado (1869-1943) – milionário,
empresário, escritor, mecenas e moderno. Desses encontros concretizou-se a
semana de Arte Moderna de 1922 que abalou o conservadorismo paulistano no seu
templo: o Theatro Municipal. O tempo passou e o grupo achou que era preciso ir
mais longe. Que tal a capital da República? Como? Nada melhor que o ninho dos escritores
brasileiros: a Academia Brasileira de Letras, situada no Centro do Rio de Janeiro.
Mais
uma vez os modernistas contaram com o apoio precioso de Graça Aranha, que era
acadêmico (cadeira 38). Foi assim que no dia 19 de junho de 1924 desembarcaram
no Rio de Janeiro cinco escritores modernistas para prestigiar uma conferência de
Graça Aranha, na Academia de Brasileira de Letras que, sem dúvida, ficaria na
história. Do trem procedente da Pauliceia Desvairada desceram o próprio Mário
de Andrade, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Candido Motta Filho e
Cassiano Ricardo. O grupo foi recepcionado na estação D. Pedro II pelos
modernistas, que apoiaram a Semana de Arte Moderna, e em 1924 estavam estabelecidos
no Distrito Federal. Lá estavam: Alceu Amoroso
Lima, Augusto Frederico Schmidt, Manuel Bandeira, Murillo Araújo, Paulo
Silveira, Ribeiro Couto, Ronald de Carvalho, Prudente de Moraes Neto e Sérgio
Buarque de Hollanda.
“O Espírito Modernista” era o tema da conferência de Graça Aranha e mais da metade dos acadêmicos estava
presente à sessão. O fato de ser acadêmico (fundador) não o impediu de declarar
guerra à instituição. E embora um diplomata, não usou de meias palavras. “A
fundação da academia foi um equívoco e foi um erro.” Considerou ainda que
quarenta imortais era “consagração exagerada para tão pequena literatura” e não
deixou por menos. “Se a Academia não se renova, morra a Academia”. Nem é
preciso dizer que se instalou um tumulto na plateia: os modernistas carregando
Graça Aranha em triunfo e enquanto os acadêmicos dando vivas à ABL erguiam nos
ombros Coelho Netto, um dos alvos prediletos da jovem guarda dos anos de 1920. Ruy
Castro em seu livro (ótimo) “Metrópole à beira-mar” conta que o próprio Coelho
Netto já fizera sua autocritica em uma entrevista dez anos antes: “Passei a
minha vida literária absorvido pela abundância, pelo delírio do adjetivo”. E continuou:
“Preocupei-me mais com a roupagem do manequim e esqueci-me da anatomia do ser”.
Concluindo que: “Obumbrei-me do adjetivo e esqueci-me do substantivo!” Os
modernistas não se impressionavam facilmente e pregavam a necessidade de “descoelhonetizar”
o Brasil. Chegou-se a dizer que Coelho Neto era “a negação mais completa da
literatura no Brasil”. (Obumbrava-se?)
O tom irreverente da conferência daquele
dia não foi uma novidade na história da Academia que o crítico literário Agrippino
Grieco (1888-1973) chamou de “morgue literária”, aconselhou o aproveitamento
dos fardões dos acadêmicos falecidos
como pano de mesa de bilhar e ainda ameaçou suspender a doação para os
presídios de livros recebidos de certos acadêmicos: “Era como punir os presos
duas vezes”. Muito maldosamente o jornalista Paulo Silveira, que chamava a ABL
de Epidemia Brasileira de Letras, dizia que o poeta Gonçalves Dias “para a
felicidade geral da nação, não sabia nadar”. Gonçalves Dias morreu no naufrágio do navio
Uma história que foi notícia em todo o país. A Academia Brasileira de Letras sobrevive a todo tipo de críticas há 124 anos. Graça Aranha é considerado pré-modernista: seu livro de estreia foi Canaã (1902), um sucesso editorial na época. Graça Aranha foi convidado para fazer parte da ABL por falta de nomes para completar o quadro de 40 membros para a fundação da entidade. O maranhense nasceu em 21 de junho de 1868 em São Luís (MA).
“Metrópole
à beira-mar – O Rio Moderno dos Anos 20”, Ruy Castro. São Paulo: Companhia das
Letras, 2019.
PS: Obumbrar: deixar pouco inteligível. Ter a mente anuviada. (Dicionário Michaelis.)
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