A cadeira ao lado da escultura de Fernando Pessoa, no Chiado,
raramente está vazia. Todas as pessoas que posam ao lado do poeta têm como cenário
ou pano de fundo a Casa Havaneza, a mais antiga tabacaria portuguesa cuja
fundação é atribuída a dois belgas, François Caen e Charles Vanderin, por volta
de 1864 – época em que a Rua Garret ainda se chamava rua das Portas de Santa
Catarina. A casa tornou-se conhecida pela qualidade de seus produtos e atraía
intelectuais, políticos e aristocratas; continua um ponto de referência para os
amantes de bons charutos e têm dinheiro para queimar. Foi esse
detalhe na foto que me lembrou a “Tabacaria”, o belíssimo poema de Álvaro de
Campos, heterônimo de Fernando Pessoa. A escultura é do português Lagoa
Henriques (1923-2009).
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a
verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e
achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
(...).
3 comentários:
Adorei principalmente a legenda
Estou adorando seu relatos das andanças lusas! Preciso ouvir outros presencialmente. Beijos.
Bom dia! Obrigada pelos comentários, amigos. Nilton, vamos marcar um papo amigo. Beijos.
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