Revi esta semana o filme “A Volta ao Mundo em Oitenta dias”, o clássico de 1955 baseado no livro de Julio Verne (1828-1905), dirigido por Michael Anderson (1920-2018) e produzido por Michael Todd (1909-1958). Que obra extraordinária! Se o livro de Verne é fantástico, o filme sob diversos aspectos é insuperável a começar pela abertura com “Viagem à Lua” (1902) também com base na obra de Verne, filme dirigido por outro francês, Georges Méliès (1861-1938). Tanto Julio Verne quanto Méliès são pioneiros do gênero ficção científica na literatura e no cinema, respectivamente.
Em 1873, quando o livro foi lançado,
o trem era o veículo terrestre mais veloz de que se dispunha e os navios
(paquetes) ainda eram a vela ou a vapor. O enredo se passa em um clube
londrino, onde um grupo joga cartas e discute o roubo audacioso de um banco da
City e o destino do ladrão fugitivo – afinal, ele poderia ter ido para qualquer
país do mundo. Logo discutia-se o encolhimento da Terra, pois era possível dar
a volta ao mundo em três meses. Phileas Fogg, um cavalheiro enigmático, afirma
que o feito poderia ser alcançado em oitenta dias e, após muita discussão, acontece
a aposta que põe em risco a fortuna do desafiador, Mr. Fogg. Aliás, Fogg já tem
até o roteiro pronto a partir de Dover-Calais:
De Londres a Suez pelo Monte Cenis e Brindisi, ferrovias e
paquetes: 7 dias
De Suez a Bombaim, paquete: 13 dias;
De Bombaim a Calcutá, ferrovia: 3
De Calcutá a Hong Kong (China), paquete: 13 dias
De Hong Kong a Yokohama (Japão), paquete: 6 dias
De Yokohama a São Francisco, paquete: 22 dias
De São Francisco a
Nova York, ferrovia: 7
De Nova York a Londres, paquete e ferrovia: 9 dias
Total: 80 dias.
Na adaptação para o cinema,
entretanto, Fogg e seu criado mexicano Passepartout (no livro ele é francês) saem
da França a bordo de um balão de ar quente, sobrevoando os Alpes. Um
anacronismo, já que a primeira viagem tripulada em um balão de ar quente só
aconteceria na década seguinte. Há outros. Não vou me estender sobre o livro ou
o filme, que merecem ser lido e visto. Em tempos em que a viagem da Terra à Lua
leva em torno de três ou quatro dias, o que vale mesmo são as aventuras, as
paisagens naturais e urbanas e a recordação de grandes estrelas do cinema
mundial.
A
produção ambiciosa de Michael Todd, que fazia sua estreia no cinema, merece
atenção. As cenas externas do filme foram feitas em treze países e a filmagem
durou 75 dias – a maioria nos estúdios das sete maiores produtoras da época.
Entre agosto de 1955 quando começou a ser produzido até dezembro do mesmo ano,
aconteceram muitos problemas: Todd despediu o diretor e contratou Michael
Anderson, com quem ele se entendeu muito bem; despediu também Gregory Peck por
não gostar da interpretação dada ao personagem; mas encontrou tempo para se
apaixonar e casar com Elizabeth Taylor. Aliás, como eram outros os tempos, o
casamento deu o que falar porque ela estava com 21 anos e ele com 47.
Para
a realização do filme a equipe viajou pelos cinco continentes, percorrendo seis
milhões de quilômetros (Todd fez um acordo com companhias aéreas para conseguir
essa “milhagem”); foram construídos 140 cenários; 68.894 figurantes trabalharam
no filme; noventa domadores foram contratados para controlar 8.500 animais – muitos
de grande porte; para o figurino foram confeccionadas 74.685 peças encomendadas
em alfaiatarias de Hollywood, Londres, Hong Kong e Japão. O rei da Tailândia emprestou
a embarcação usada na filmagem, mas Todd comprou um barco a vapor de verdade e
o desmontou, o que se pode constatar no filme.
Para quem tem mais de 60 anos o filme oferece um jogo delicioso: reconhecer os grandes atores que tiveram uma pequena participação especial. Lá estão Noel Coward (ator e dramaturgo inglês), John Gielguld, Marlene Dietrich, Martine Carol, o toureiro espanhol Luís Miguel Dominguin, George Raft, Buster Keaton, Charles Boyer, Frank Sinatra, Red Skelton, Peter Lorre e Ava Gardner entre a multidão. As estrelas do filme são David Niven, Cantinflas e Shirley MacLaine (aos 21 anos e em seu terceiro filme).
“A
Volta ao Mundo em 80 Dias” estreou em 17 de outubro de 1956 em Nova York. O
filme recebeu cinco Oscar em 1957: melhor filme, melhor roteiro adaptado,
melhor montagem, melhor fotografia e melhor trilha sonora. Levou o Globo de
Ouro como melhor filme (comédia ou musical) e melhor ator (Cantinflas). E ganhou
o Prêmio NYFCC 1956 – New York Film Critics Circle Awards.
Nada mal para um estreante.
Michael Todd morreu em 1958 num acidente em seu
avião particular, no Novo México.
4 comentários:
Bela lembrança!
Bom dia, Nilton! Gostei muito de rever o filme. Aliás, na hora de editar George Raft ficou como toureiro, profissão de Dominguin, o que corrigi. Um ótimo domingo.
Lembro que esse filme estreou em Santos no Cine Bandeirantes, da rua Lucas Fortunato, que foi todo reformado para o evento. O processo de filmagem exigia um formato de tela que não havia em nenhum cinema da cidade.
O Michael Todd foi quem investiu no desenvolvimento da tecnologia, de acordo com o livreto que acompanha o DVD.
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