sábado, 7 de junho de 2025

A VOLTA AO MUNDO EM 80 DIAS

        

David Niven e Cantinflas sobrevoam os Alpes. A única cena que usou efeitos especiais.

Revi esta semana o filme “A Volta ao Mundo em Oitenta dias”, o clássico de 1955 baseado no livro de Julio Verne (1828-1905), dirigido por Michael Anderson (1920-2018) e produzido por Michael Todd (1909-1958). Que obra extraordinária! Se o livro de Verne é fantástico, o filme sob diversos aspectos é insuperável a começar pela abertura com “Viagem à Lua” (1902) também com base na obra de Verne, filme dirigido por outro francês, Georges Méliès (1861-1938). Tanto Julio Verne quanto Méliès são pioneiros do gênero ficção científica na literatura e no cinema, respectivamente. 

            Em 1873, quando o livro foi lançado, o trem era o veículo terrestre mais veloz de que se dispunha e os navios (paquetes) ainda eram a vela ou a vapor. O enredo se passa em um clube londrino, onde um grupo joga cartas e discute o roubo audacioso de um banco da City e o destino do ladrão fugitivo – afinal, ele poderia ter ido para qualquer país do mundo. Logo discutia-se o encolhimento da Terra, pois era possível dar a volta ao mundo em três meses. Phileas Fogg, um cavalheiro enigmático, afirma que o feito poderia ser alcançado em oitenta dias e, após muita discussão, acontece a aposta que põe em risco a fortuna do desafiador, Mr. Fogg. Aliás, Fogg já tem até o roteiro pronto a partir de Dover-Calais:

De Londres a Suez pelo Monte Cenis e Brindisi, ferrovias e paquetes: 7 dias

De Suez a Bombaim, paquete: 13 dias;

De Bombaim a Calcutá, ferrovia: 3 

De Calcutá a Hong Kong (China), paquete: 13 dias

De Hong Kong a Yokohama (Japão), paquete: 6 dias

De Yokohama a São Francisco, paquete: 22 dias

 De São Francisco a Nova York, ferrovia: 7 

De Nova York a Londres, paquete e ferrovia: 9 dias

Total: 80 dias.

            Na adaptação para o cinema, entretanto, Fogg e seu criado mexicano Passepartout (no livro ele é francês) saem da França a bordo de um balão de ar quente, sobrevoando os Alpes. Um anacronismo, já que a primeira viagem tripulada em um balão de ar quente só aconteceria na década seguinte. Há outros. Não vou me estender sobre o livro ou o filme, que merecem ser lido e visto. Em tempos em que a viagem da Terra à Lua leva em torno de três ou quatro dias, o que vale mesmo são as aventuras, as paisagens naturais e urbanas e a recordação de grandes estrelas do cinema mundial.

A produção ambiciosa de Michael Todd, que fazia sua estreia no cinema, merece atenção. As cenas externas do filme foram feitas em treze países e a filmagem durou 75 dias – a maioria nos estúdios das sete maiores produtoras da época. Entre agosto de 1955 quando começou a ser produzido até dezembro do mesmo ano, aconteceram muitos problemas: Todd despediu o diretor e contratou Michael Anderson, com quem ele se entendeu muito bem; despediu também Gregory Peck por não gostar da interpretação dada ao personagem; mas encontrou tempo para se apaixonar e casar com Elizabeth Taylor. Aliás, como eram outros os tempos, o casamento deu o que falar porque ela estava com 21 anos e ele com 47.

Para a realização do filme a equipe viajou pelos cinco continentes, percorrendo seis milhões de quilômetros (Todd fez um acordo com companhias aéreas para conseguir essa “milhagem”); foram construídos 140 cenários; 68.894 figurantes trabalharam no filme; noventa domadores foram contratados para controlar 8.500 animais – muitos de grande porte; para o figurino foram confeccionadas 74.685 peças encomendadas em alfaiatarias de Hollywood, Londres, Hong Kong e Japão. O rei da Tailândia emprestou a embarcação usada na filmagem, mas Todd comprou um barco a vapor de verdade e o desmontou, o que se pode constatar no filme.

Para quem tem mais de 60 anos o filme oferece um jogo delicioso: reconhecer os grandes atores que tiveram uma pequena participação especial. Lá estão Noel Coward (ator e dramaturgo inglês), John Gielguld, Marlene Dietrich, Martine Carol, o toureiro espanhol Luís Miguel Dominguin, George Raft, Buster Keaton, Charles Boyer, Frank Sinatra, Red Skelton, Peter Lorre e Ava Gardner entre a multidão. As estrelas do filme são David Niven, Cantinflas e Shirley MacLaine (aos 21 anos e em seu terceiro filme).

“A Volta ao Mundo em 80 Dias” estreou em 17 de outubro de 1956 em Nova York. O filme recebeu cinco Oscar em 1957: melhor filme, melhor roteiro adaptado, melhor montagem, melhor fotografia e melhor trilha sonora. Levou o Globo de Ouro como melhor filme (comédia ou musical) e melhor ator (Cantinflas). E ganhou o Prêmio NYFCC 1956 – New York Film Critics Circle Awards. Nada mal para um estreante.

Shirley MacLaine, David Niven e Cantinflas.

Michael Todd morreu em 1958 num acidente em seu avião particular, no Novo México.

4 comentários:

Nilton Tuna disse...

Bela lembrança!

Hilda Araújo disse...

Bom dia, Nilton! Gostei muito de rever o filme. Aliás, na hora de editar George Raft ficou como toureiro, profissão de Dominguin, o que corrigi. Um ótimo domingo.

Nilton Tuna disse...

Lembro que esse filme estreou em Santos no Cine Bandeirantes, da rua Lucas Fortunato, que foi todo reformado para o evento. O processo de filmagem exigia um formato de tela que não havia em nenhum cinema da cidade.

Hilda Araújo disse...

O Michael Todd foi quem investiu no desenvolvimento da tecnologia, de acordo com o livreto que acompanha o DVD.