Na biblioteca,
peguei o livro por causa do tema, o bairro do Brás, nem me preocupei em verificar
a autoria. Em casa, acomodada na poltrona, displicente, folheei o livro, parei
nas páginas ilustradas com fotos antigas e voltei ao Sumário – uma espécie do
cardápio dos livros. Um capítulo me atraiu – “Homenagem ao bucolismo, que não existe,
e ao agente ferroviário, que existiu”, mas o seguinte foi decisivo porque lá
estava o psichê, coisa da minha infância, palavra que não via ou ouvia havia
mais sessenta anos... Fui direto para a página 110, repleta de “Retalhos, psichês,
panos de prato, camisas saco”. Faço uma leitura dinâmica – das lojas de retalhos
que proporcionam a criação de colchas e tapetes coloridos artesanais, criados
por senhoras prendadas, das lojas especializadas em venda de sacarias, ideais
para fazer pano de prato ou pano de chão – e também se faziam camisas com pano de saco –
roupa de trabalho, sem gola... Mais duas página sobre os casamentos (“Casava-se
muito no Brás”) até que fico sabendo que no Brás antigo, além do enxoval, era
fundamental também comprar um psichê.
Eis um móvel que foi expulso dos
dormitórios, quando as famílias trocaram as casas por apartamentos. Para quem não
sabe ou não lembra, o psichê tanto pode ser a tradicional penteadeira com um
grande espelho e várias gavetas para guardar os objetos de toucador como um espelho
de corpo inteiro em moldura com pés e inclinável. No quarto de minha avó tinha
um lindo psichê e no quarto do meu tio havia o psichê de moldura. As penteadeiras mantêm-se em camarins.
Satisfeita com as histórias que
encontrei nessa crônica, iniciei a leitura do livro cuja prosa deliciosa me
conquistou e, quando finalmente, resolvi buscar o nome do autor não me espantou:
Lourenço Diaféria (1933-2008), nascido e criado no Brás. Em “Raízes de uma
Paixão” ele conta a história de Charles Miller (1874-1953) que nasceu no Brás, foi
estudar na Inglaterra, aprendeu a jogar futebol e na volta foi trabalhar na São
Paulo Railway, a “Inglesa”, como era chamada; entretanto, Miller se empenhou em
dois trabalhos: um, no almoxarifado da ferrovia, e o outro, a ensinar e a divulgar
o tal football – no início entre os funcionários da SPR, do London Bank e da
Companhia de Gás que formaram os dois primeiros times de futebol no Brasil... O
resultado desse trabalho todos nós sabemos e a história do Brás segue conduzida
com sensibilidade que caracterizou o jornalista que passou pelos principais
jornais de São Paulo. Ele começou a carreira na Folha da Manhã (Folha de S. Paulo),
passou pelo Jornal da Tarde, Diário Popular e Diário de Grande ABC; escreveu vários
livros e entre eles “BRÁS – sotaques e desmemórias”, Editora Boitempo Editorial,
2002.
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