sábado, 30 de agosto de 2025

AH! OS PSICHÊS!

 

Na biblioteca, peguei o livro por causa do tema, o bairro do Brás, nem me preocupei em verificar a autoria. Em casa, acomodada na poltrona, displicente, folheei o livro, parei nas páginas ilustradas com fotos antigas e voltei ao Sumário – uma espécie do cardápio dos livros. Um capítulo me atraiu – “Homenagem ao bucolismo, que não existe, e ao agente ferroviário, que existiu”, mas o seguinte foi decisivo porque lá estava o psichê, coisa da minha infância, palavra que não via ou ouvia havia mais sessenta anos... Fui direto para a página 110, repleta de “Retalhos, psichês, panos de prato, camisas saco”. Faço uma leitura dinâmica – das lojas de retalhos que proporcionam a criação de colchas e tapetes coloridos artesanais, criados por senhoras prendadas, das lojas especializadas em venda de sacarias, ideais para fazer pano de prato ou pano de chão –  e também se faziam camisas com pano de saco – roupa de trabalho, sem gola... Mais duas página sobre os casamentos (“Casava-se muito no Brás”) até que fico sabendo que no Brás antigo, além do enxoval, era fundamental também comprar um psichê.

            Eis um móvel que foi expulso dos dormitórios, quando as famílias trocaram as casas por apartamentos. Para quem não sabe ou não lembra, o psichê tanto pode ser a tradicional penteadeira com um grande espelho e várias gavetas para guardar os objetos de toucador como um espelho de corpo inteiro em moldura com pés e inclinável. No quarto de minha avó tinha um lindo psichê e no quarto do meu tio havia o psichê de moldura. As penteadeiras mantêm-se em camarins.

            Satisfeita com as histórias que encontrei nessa crônica, iniciei a leitura do livro cuja prosa deliciosa me conquistou e, quando finalmente, resolvi buscar o nome do autor não me espantou: Lourenço Diaféria (1933-2008), nascido e criado no Brás. Em “Raízes de uma Paixão” ele conta a história de Charles Miller (1874-1953) que nasceu no Brás, foi estudar na Inglaterra, aprendeu a jogar futebol e na volta foi trabalhar na São Paulo Railway, a “Inglesa”, como era chamada; entretanto, Miller se empenhou em dois trabalhos: um, no almoxarifado da ferrovia, e o outro, a ensinar e a divulgar o tal football – no início entre os funcionários da SPR, do London Bank e da Companhia de Gás que formaram os dois primeiros times de futebol no Brasil... O resultado desse trabalho todos nós sabemos e a história do Brás segue conduzida com sensibilidade que caracterizou o jornalista que passou pelos principais jornais de São Paulo. Ele começou a carreira na Folha da Manhã (Folha de S. Paulo), passou pelo Jornal da Tarde, Diário Popular e Diário de Grande ABC; escreveu vários livros e entre eles “BRÁS – sotaques e desmemórias”, Editora Boitempo Editorial, 2002.

Uma das minhas primas diante do psichê do quarto de minha avó. Anos 1970.

À direita, em frente à janela, um pequeno psichê. Um dos castelos do Vale do Loire, França. 2012.


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