Um título só para conhecedores.
Faz muito tempo
que deixei de frequentar redações. Sem saudade, aliás. Mas dos tempos do
jornalismo diário, ficaram ótimas lembranças – como as salas enfumaçadas, o
cheiro forte das muitas marcas de cigarro consumidas avidamente entre um
telefonema, um cafezinho e a redação da reportagem. Havia, claro, quem
preferisse charutos e uns raros que degustavam elegantes cachimbos. A trilha
sonora, contudo, ficava por conta das máquinas de escrever. Cada uma no ritmo de
seu instrumentista que, indiferente aos ruídos ao redor, preocupava-se com os
fatos narrados por meio das teclas metálicas cujos martelos conduziam as letras
até a folha que deixava de ser branca para cobrir-se de palavras – sérias,
indiferentes, indignadas, musicais, amorosas e, em certos setores, até
ensanguentadas. O barulho das máquinas de escrever podia ser dissonante, mas quem
se importava? O importante era a notícia, fresca, devidamente checada, o lead
criativo, a narrativa fluente – e quantas vezes as laudas voavam das máquinas
para o lixo porque o texto não o agradava?
Foto: catálogo. |
Essas
imagens me ocorreram ontem ao visitar a exposição “Ecos Mecânicos: A máquina de escrever e a prática
artística”, no Museu de Arte Contemporânea da USP. Eu só entendo da pratica jornalística,
embora já conhecesse alguns dos trabalhos artísticos exibidos, entretanto, as
poucas máquinas da mostra trouxeram as lembranças. Foi muito bom reencontrar Manuela, que vi pela
primeira vez no Instituto de Estudos Avançados – IEB/USP. Trata-se da máquina
de escrever de Mário de Andrade (1898-1945). O nome, uma homenagem ao amigo Manuel
Bandeira a quem ele datilografou a primeira carta. Gostei muito da exposição e,
especialmente, da seleção de textos sobre esse instrumento simpático que cedeu
lugar aos computadores pessoais no final do século XX.
“B D G Z, Reminton.
Pra todas as cartas da gente.
Eco mecânico
De sentimentos rápidos batidos.
Pressa, muita pressa.
…….Duma feita surrupiaram a máquina-de-escrever de meu mano.
…….Isso também entra na poesia
…….Porque ele não tinha dinheiro pra comprar outra.”Mário de Andrade (1893-1945).
Pra todas as cartas da gente.
Eco mecânico
De sentimentos rápidos batidos.
Pressa, muita pressa.
…….Duma feita surrupiaram a máquina-de-escrever de meu mano.
…….Isso também entra na poesia
…….Porque ele não tinha dinheiro pra comprar outra.”Mário de Andrade (1893-1945).
Clarice Lispector (1920-1977):
“Uso uma máquina de escrever portátil Olympia
que é leve bastante para o meu estranho hábito: o de escrever com a máquina no
colo. Corre bem, corre suave. Ela me transmite, sem eu ter que me enredar no
emaranhado de minha letra. Por assim dizer provoca meus sentimentos e
pensamentos. E ajuda-me como uma pessoa. E não me sinto mecanizada por usar
máquina. Inclusive parece captar sutilezas.” Clarice Lispector (1920-1977).
E como citei a
música de fundo das redações, foi reconfortante ouvir "A Máquina de Escrever" do compositor
americano Leroy Anderson (1908-1975), que percebeu nesse instrumento de trabalho algo mais do que um fazedor de barulho. Para quem duvidar há na mostra um vídeo de uma apresentação da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, com solo de Rafael Alberto. Está disponível no YOUTUBE também.
MAC: Avenida Pedro
Álvares Cabral, 1301. Ibirapuera. Fecha às segundas-feiras.
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