sábado, 9 de fevereiro de 2019

REMINGTON, OLIVETTI E UNDERWOO...


Um título só para conhecedores.  
Faz muito tempo que deixei de frequentar redações. Sem saudade, aliás. Mas dos tempos do jornalismo diário, ficaram ótimas lembranças – como as salas enfumaçadas, o cheiro forte das muitas marcas de cigarro consumidas avidamente entre um telefonema, um cafezinho e a redação da reportagem. Havia, claro, quem preferisse charutos e uns raros que degustavam elegantes cachimbos. A trilha sonora, contudo, ficava por conta das máquinas de escrever. Cada uma no ritmo de seu instrumentista que, indiferente aos ruídos ao redor, preocupava-se com os fatos narrados por meio das teclas metálicas cujos martelos conduziam as letras até a folha que deixava de ser branca para cobrir-se de palavras – sérias, indiferentes, indignadas, musicais, amorosas e, em certos setores, até ensanguentadas. O barulho das máquinas de escrever podia ser dissonante, mas quem se importava? O importante era a notícia, fresca, devidamente checada, o lead criativo, a narrativa fluente – e quantas vezes as laudas voavam das máquinas para o lixo porque o texto não o agradava?

Foto: catálogo. 


Essas imagens me ocorreram ontem ao visitar a exposição “Ecos Mecânicos: A máquina de escrever e a prática artística”, no Museu de Arte Contemporânea da USP. Eu só entendo da pratica jornalística, embora já conhecesse alguns dos trabalhos artísticos exibidos, entretanto, as poucas máquinas da mostra trouxeram as lembranças.  Foi muito bom reencontrar Manuela, que vi pela primeira vez no Instituto de Estudos Avançados – IEB/USP. Trata-se da máquina de escrever de Mário de Andrade (1898-1945). O nome, uma homenagem ao amigo Manuel Bandeira a quem ele datilografou a primeira carta. Gostei muito da exposição e, especialmente, da seleção de textos sobre esse instrumento simpático que cedeu lugar aos computadores pessoais no final do século XX.







“B D G Z, Reminton.
Pra todas as cartas da gente.
Eco mecânico
De sentimentos rápidos batidos.
Pressa, muita pressa.
…….Duma feita surrupiaram a máquina-de-escrever de meu mano.
…….Isso também entra na poesia
…….Porque ele não tinha dinheiro pra comprar outra.”Mário de Andrade (1893-1945).

Clarice Lispector (1920-1977):
“Uso uma máquina de escrever portátil Olympia que é leve bastante para o meu estranho hábito: o de escrever com a máquina no colo. Corre bem, corre suave. Ela me transmite, sem eu ter que me enredar no emaranhado de minha letra. Por assim dizer provoca meus sentimentos e pensamentos. E ajuda-me como uma pessoa. E não me sinto mecanizada por usar máquina. Inclusive parece captar sutilezas.” Clarice Lispector (1920-1977).
E como citei a música de fundo das redações, foi reconfortante ouvir "A Máquina de Escrever" do compositor americano Leroy Anderson (1908-1975), que percebeu nesse instrumento de trabalho algo mais do que um fazedor de barulho. Para quem duvidar há na mostra um vídeo de uma apresentação da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, com solo de Rafael Alberto. Está disponível no YOUTUBE também. 
Com uma das companheiras de trabalho: Proal, 1980.
MAC: Avenida Pedro Álvares Cabral, 1301. Ibirapuera. Fecha às segundas-feiras.

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