Há muito tempo planejava
a visita, mas sempre acontecia algo e eu fui adiando até que um dia, em
setembro, desembarquei na estação do metrô nas Clinicas e caminhei até a casa
do poeta Guilherme de Almeida (1890-1969), numa travessa da Rua Cardoso de Almeida,
no Sumaré. A Rua Macapá é um pequeno paraíso verdejante onde uma placa indica a
casa do poeta - amarela, discreta e graciosa. O projeto é do engenheiro Sylvio
Jaguaribe Eckman (1900-1977) e obra ficou pronta em 1946, quando a região ainda
era pouco habitada.
"[...] O lugar era
tão alto e tão sozinho que eu nem precisava erguer os olhos para olhar o céu,
nem baixar o pensamento para pensar em mim" - escreveu o morador. A ”Casa
da Colina”, como ele a chamava, foi o lar de Guilherme e Baby de Almeida por 23
anos. Quando ele morreu, o governo do Estado adquiriu a residência e todo o
acervo bibliográfico, artístico e histórico que pertencera ao casal para criar
um museu, mas somente catorze anos depois o objetivo se concretizou.
Ao entrar o visitante tem
a impressão de que Baby ou o poeta virão recepcionar o recém-chegado. Na sala
de visitas, os móveis antigos têm um charme especial, como o sofá de madeira, a
cadeira de balanço. Tudo parece estar no lugar de sempre. Nas paredes
enfileiram-se quadros assinados por Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Di
Cavalcanti, o que não deve ser uma surpresa, pois Guilherme de Almeida
participou ativamente da Semana de Arte Moderna de 1922. Lá estão obras de
Flexor, Brecheret e muitos outros grandes artistas que frequentaram a casa. A
esquerda da sala há um pequeno escritório; o chapéu e as luvas do poeta descansam
sobre um aparador. O paletó nas costas da cadeira nos faz imaginar o homem preparado
para iniciar sua jornada de trabalho e que precisou se ausentar...
Passamos para a sala de
jantar, pequena, porém os objetos decorativos merecem uma atenção especial. No
jardim de inverno, o relógio de parede tem papel de destaque e a vitrola é um marcante
elemento de época.
No segundo pavimento,
houve algumas mudanças. Vale a pena subir as escadarias devagar para admirar a
coleção de gravuras. No quarto do casal a cama de dossel domina o ambiente. Num
móvel, a coleira e brinquedos do cão de estimação; o closet desapareceu e o espaço foi anexado ao segundo quarto para
receber parte da biblioteca de Guilherme. Houve uma alteração na varanda por
causa do elevador instalado para comodidade dos visitantes.
Mais uma escada: estreita
e em caracol leva ao verdadeiro escritório do poeta ou Mansarda como ele dizia:
no centro a mesa com a máquina de escrever Remington
e objetos caros ao poeta. Um telescópio montado no tripé aponta para uma das
janelas estreitas e altas com cortinados que combinam com o estofado. Estantes
de livros predominam no ambiente e o espaço que sobra cobre-se de quadros. De
uma das janelas tem-se uma vista da cidade em que se destaca ao longe o prédio
da Faculdade Armando Álvares Penteado - uma visão bem diferente da aquarela que
ele guardava... Sobre uma cadeira, um violão descansa na caixa.
Guilherme de Almeida, o
príncipe dos poetas brasileiros, foi um ativo participante da guerra paulista
em 1932, o que lhe valeu o exílio temporário na Europa. É dele o poema que
reveste o Obelisco
Mausoléu aos Heróis de 32 no Ibirapuera:
"Aos épicos de julho de
32, que,
fiéis cumpridores da sagrada promessa
feita a seus maiores - os que
moveram as terras e as gentes por
sua força e fé - na lei puseram sua
força e em São Paulo sua Fé."
Rua Macapá, 189. Tel.: (11)
3673-1883.
SONETO XXXII
Quando a
chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tímida e lavada,
eu saía a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.
Fazia, de
papel, toda uma armada;
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada...
Fiquei
moço. E hoje sei, pensando neles,
que não são barcos de ouro os meus ideais:
são feitos de papel, são como aqueles,
perfeitamente,
exatamente iguais...
- Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!
Fotos: Hilda Araújo.
(Continua.)