terça-feira, 15 de outubro de 2019

Ó DE CASA! (2)

Há muito tempo planejava a visita, mas sempre acontecia algo e eu fui adiando até que um dia, em setembro, desembarquei na estação do metrô nas Clinicas e caminhei até a casa do poeta Guilherme de Almeida (1890-1969), numa travessa da Rua Cardoso de Almeida, no Sumaré. A Rua Macapá é um pequeno paraíso verdejante onde uma placa indica a casa do poeta - amarela, discreta e graciosa. O projeto é do engenheiro Sylvio Jaguaribe Eckman (1900-1977) e obra ficou pronta em 1946, quando a região ainda era pouco habitada.

"[...] O lugar era tão alto e tão sozinho que eu nem precisava erguer os olhos para olhar o céu, nem baixar o pensamento para pensar em mim" - escreveu o morador. A ”Casa da Colina”, como ele a chamava, foi o lar de Guilherme e Baby de Almeida por 23 anos. Quando ele morreu, o governo do Estado adquiriu a residência e todo o acervo bibliográfico, artístico e histórico que pertencera ao casal para criar um museu, mas somente catorze anos depois o objetivo se concretizou. 
Ao entrar o visitante tem a impressão de que Baby ou o poeta virão recepcionar o recém-chegado. Na sala de visitas, os móveis antigos têm um charme especial, como o sofá de madeira, a cadeira de balanço. Tudo parece estar no lugar de sempre. Nas paredes enfileiram-se quadros assinados por Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Di Cavalcanti, o que não deve ser uma surpresa, pois Guilherme de Almeida participou ativamente da Semana de Arte Moderna de 1922. Lá estão obras de Flexor, Brecheret e muitos outros grandes artistas que frequentaram a casa. A esquerda da sala há um pequeno escritório; o chapéu e as luvas do poeta descansam sobre um aparador. O paletó nas costas da cadeira nos faz imaginar o homem preparado para iniciar sua jornada de trabalho e que precisou se ausentar...



Passamos para a sala de jantar, pequena, porém os objetos decorativos merecem uma atenção especial. No jardim de inverno, o relógio de parede tem papel de destaque e a vitrola é um marcante elemento de época.
No segundo pavimento, houve algumas mudanças. Vale a pena subir as escadarias devagar para admirar a coleção de gravuras. No quarto do casal a cama de dossel domina o ambiente. Num móvel, a coleira e brinquedos do cão de estimação; o closet desapareceu e o espaço foi anexado ao segundo quarto para receber parte da biblioteca de Guilherme. Houve uma alteração na varanda por causa do elevador instalado para comodidade dos visitantes.

Mais uma escada: estreita e em caracol leva ao verdadeiro escritório do poeta ou Mansarda como ele dizia: no centro a mesa com a máquina de escrever Remington e objetos caros ao poeta. Um telescópio montado no tripé aponta para uma das janelas estreitas e altas com cortinados que combinam com o estofado. Estantes de livros predominam no ambiente e o espaço que sobra cobre-se de quadros. De uma das janelas tem-se uma vista da cidade em que se destaca ao longe o prédio da Faculdade Armando Álvares Penteado - uma visão bem diferente da aquarela que ele guardava... Sobre uma cadeira, um violão descansa na caixa.
Guilherme de Almeida, o príncipe dos poetas brasileiros, foi um ativo participante da guerra paulista em 1932, o que lhe valeu o exílio temporário na Europa. É dele o poema que reveste o Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32 no Ibirapuera:

"Aos épicos de julho de 32, que,
fiéis cumpridores da sagrada promessa
feita a seus maiores - os que
moveram as terras e as gentes por
sua força e fé - na lei puseram sua
força e em São Paulo sua Fé."

Rua Macapá, 189. Tel.: (11) 3673-1883.

SONETO XXXII
Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tímida e lavada,
eu saía a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.
Fazia, de papel, toda uma armada;
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada...
Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que não são barcos de ouro os meus ideais:
são feitos de papel, são como aqueles,
perfeitamente, exatamente iguais...
- Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!
Fotos: Hilda Araújo.
(Continua.)

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