sábado, 29 de junho de 2024

S. PEDRO ENCERRA AS FESTAS (revisado)

O penúltimo dia de junho é dedicado a Pedro, cognome que o pescador Simão recebeu de Jesus, segundo a bíblia. O folclore brasileiro desenvolveu uma grande familiaridade com os santos, atribuindo-lhes algumas qualidades específicas, que Lamartine Babo em 1934 se encarregou de contar na deliciosa marchinha “Isso é lá com Santo Antônio”, gravada por Carmen Miranda e Mário Reis.

Eu pedi numa oração
Ao querido São João
Que me desse um matrimônio
São João disse que não!
São João disse que não!
Isto é lá com Santo Antônio!

Implorei a São João
Desse ao menos um cartão
Que eu levava a Santo Antônio
São João ficou zangado
São João só dá cartão
Com direito a batizado

São João não me atendendo
A São Pedro fui correndo
Nos portões do paraíso
Disse o velho num sorriso
Minha gente, eu sou chaveiro
Nunca fui casamenteiro!

São Pedro, entretanto, não foi tema preferido dos compositores. Aparece quase sempre como coadjuvante de João e Antônio. O pessoal da geração “baby boom” lembra os tempos em que as festas juninas eram realizadas nos quintais das casas e tinham fogueiras, foguetórios e balões. As comidas eram feitas em casa com antecedência, assim como os balões coloridos.

            Com o crescimento das cidades e a industrialização, os costumes tiveram que se enquadrar nesta nova realidade. Em 1951 soltar balão e foguetes tornou-se contravenção prevista no Código Penal e punida com prisão (15 a 20 dias) com multa.  Os compositores Romeu Gentil (1911-1983) e Francisco da Silva Fárrea Júnior, o Paquito (1915-1975), lamentaram o fato na composição “Promessa a São João” em 1953:

Meu Santo Antônio, meu São Pedro e São João
É muito grande a nossa aflição
Já não se pode mais soltar foguete
Fazer fogueira nem soltar balão.

            Soltar balão continua proibido.

            No século XXI, os santos festeiros continuam sendo homenageados – a festa estende-se até julho, com quermesses, muita comida, apresentação de quadrilhas, grupos musicais com a decoração tradicional e até roupa típica – pelo menos uma camisa xadrez e um chapéu de palha. Quanto ao cardápio, tem que ter amendoim, pinhão, pamonha, curau, pé-de-moleque e de moça, canjica, doce de abóbora, paçoca e doce de leite. Além de sucos para as crianças, quentão e vinho quente para os marmanjos.

            No Nordeste, as festas juninas fazem parte do calendário turístico de muitas cidades – Campina Grande (PB), por exemplo, atrai milhares de pessoas.

            Como diz a rancheira “Charanga do Céu”, de 1952, o “baile na roça não tem confusão/ João no cavaco faz a marcação/ Pedro na sanfona vai à introdução..."

https://www.youtube.com/watch?v=F816ZxDZY78








quinta-feira, 27 de junho de 2024

MARIA MUTEMA

 

Só para dar água na boca, um trecho de "Grande Sertão: Veredas", do escritor e diplomata João Guimaraes Rosa, que hoje faria 116 anos – ele nasceu em 1908, na cidade de Cordisburgo (MG).

“Naquele lugar existia uma mulher, por nome Maria Mutema, pessoa igual às outras, sem nenhuma diversidade. Uma noite, o marido dela morreu, amanheceu morto de madrugada. Maria Mutema chamou por socorro, reuniu todos os mais vizinhos. O arraial era pequeno, todos vieram certificar. Sinal nenhum não se viu, e ele tinha estado nos dias antes em saúde apreciável, por isso se disse que só de acesso do coração era que podia ter querido morrer. E naquela tarde mesma do dia dessa manhã, o marido foi bem enterrado.

Maria Mutema era senhora vivida, mulher em preceito sertanejo. Se sentiu, foi em si, se sofreu muito não disse, guardou a dor sem demonstração. Mas isso lá é regra, entre gente que se diga, pelo visto a ninguém chamou atenção. O que deu em nota foi outra coisa: foi a religião da Mutema, que daí pegou a ir à igreja todo santo dia, afora que de três em três agora se confessava. Dera em carola se dizia só constante na salvação de sua alma. Ela sempre de preto, conforme os costumes, mulher que não ria esse lenho seco. E, estando na igreja, não tirava os olhos do padre.

O padre, Padre Ponte, era um sacerdote bom-homem, de meia-idade, meio gordo, muito descansado nos modos e de todos bem estimado. Sem desrespeito, só por verdade no dizer, uma pecha ele tinha: ele relaxava. Gerara três filhos, com uma mulher, simplória e sacudida, que governava a casa e cozinhava para ele, e também acudia pelo nome de Maria, dita por aceita alcunha a Maria do Padre. Mas não vá maldar o senhor maior escândalo nessa situação com a ignorância dos tempos, antigamente, essas coisas podiam, todo o mundo achava trivial. Os filhos, bem-criados e bonitinhos, eram "os meninos da Maria do Padre". E em tudo mais o Padre Ponte era um vigário de mão cheia, cumpridor e caridoso, pregando com muita virtude seu sermão e atendendo em qualquer hora do dia ou da noite, para levar aos roceiros o conforto da santa hóstia do Senhor ou dos santos-óleos.”



quarta-feira, 26 de junho de 2024

RUA DO OURO

 


Uma rara manhã tranquila na Praça da Sé. A banca de jornal –atualmente o que menos tem é jornal – abriu cedo; o pregador madrugou com sua bíblia, mas apenas o homem com vistosas calças parece interessado em ouvi-lo; ao redor alguns homens que parecem viver por ali cuidam de seus míseros pertences. Uns poucos idosos sentados nas muretas dos canteiros parecem esperar como Estragon e Vladimir, mas assim como estes dois personagens de Beckett, eles no fundo sabem que Godot nunca aparecerá. Um pouco afastado, o senhor com o colete amarelo prefere a praça à algazarra da “rua do ouro” e fuma na expectativa de que surja alguém que precise vender suas joias.   

Acredito que João Cardoso de Meneses e Sousa (1827-1915) nunca imaginou que seria mais conhecido por venda de ouro (que nunca praticou) do que pela sua trajetória profissional como político, advogado, professor e jornalista. Santista de nascimento, depois de uma passagem por Taubaté (SP), estabeleceu-se no Rio de Janeiro e por seus serviços recebeu o título de Barão de Paranapiacaba em 1883. Quando ele morreu, uma das ruas do Centro Histórico recebeu o nome de Barão de Paranapiacaba. Com o tempo comerciantes de ouro se estabeleceram por lá e a ruela se tornou temática. Se você caminhar pelo entorno da Praça da Sé, com certeza será importunado por uma das dezenas de pessoas que tentam atrair clientes para lojas que compram e vendem ouro e outros tipos de metal precioso na rua Barão de Paranapiacaba, a famosa “rua do ouro”. Essas pessoas às vezes usam coletes com o nome da loja ou simplesmente empunham catálogos e folhetos que, no afã de ganhar a atenção dos transeuntes (palavrinha feia), acabam brigando entre si. Difícil escapar deles.



sexta-feira, 21 de junho de 2024

SELOS DE AMIZADES

 


“Quem examina pilhas de cartas antigas, um selo, que há muito tempo está fora de curso, sobre um envelope frágil, diz mais a ele que dúzias de páginas relidas. Muitas vezes se os encontramos em cartões postais e então não se sabe: deve-se destacá-los ou guardar o cartão tal como está, como a folha de um velho mestre que tem do lado da frente e do de trás dois diferentes desenhos igualmente valiosos? Há também nas caixas de vidro dos cafés, cartas que têm contas a ajustar e estão expostas no pelourinho diante de todos os olhos. Ou foram deportadas e são obrigadas a definhar nessa caixa ano após ano, sobre um Sala y Gomes* de vidro? Cartas que permaneceram muito tempo sem serem abertas adquirem algo de brutal; são deserdados que perfidamente forjam uma quieta vingança por longos dias de sofrimento. Muitas delas, mais tarde, expõem nas vitrines dos comerciantes de selos os envelopes inteiramente marcados a fogo por carimbos.” “Comércio de Selos”, de Walter Benjamin.

Gosto demais de Walter Benjamin, embora nem sempre concorde com suas ideias. Ao ler seus devaneios sobre selos, lembrei que guardo cartas e cartões postais que amigos e familiares me enviaram ao longo de décadas. Elas significam muito para mim – por eles terem se lembrado de mim em algum momento das suas viagens ou nos lugares para onde mudaram a fim de iniciar uma nova vida, levando-me em suas memórias. Os selos? Nunca pensei em colecioná-los. Para Benjamin “Selos são cartões de visitas que os grandes Estados deixam no quarto das crianças”, quanto a mim, sou mais prática. Eles são selos de antigas e queridas amizades, muito mais que o recibo do pagamento pelo serviço postal que, tradicionalmente, celebra a cultura e a história do país emissor. Carta selada é entregue sem custo para o destinatário, que só arca com a despesa quando a missiva chega sem os devidos selos. Na foto, apenas uma parte da correspondência guardada em caixas organizadoras.

* Ilha vulcânica desabitada do Chile.




quinta-feira, 20 de junho de 2024

HÁ POESIA NO INVERNO

 

O inverno no Hemisfério Sul começa hoje no final da tarde. Em São Paulo, as temperaturas amenas de outono continuam. Dias ensolarados e secos... A garoa paulistana parece fato da memória dos mais velhos. Mudanças climáticas, dizem, num tom conformado preocupante.

Aqui, vão as reflexões de Fernando Pessoa (1888-1935), como Alberto Caeiro, com uma tela de Claude Monet (1840-1926) em que o artista capta a beleza da neve em que se destaca a pega-rabuda, ave comum no hemisfério Norte.


"A Pega" (1898), óleo sobre tela de Claude Monet, Museu d'Orsay, Paris.


QUANDO ESTÁ FRIO no tempo do frio, para mim é como se estivesse

agradável

Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável,

Porque para o meu ser adequado à existência das coisas

O natural é o agradável só por ser natural.

Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,

Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno—

Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,

E encontra uma alegria no facto de aceitar—

No facto sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável.

Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece

Senão o Inverno da minha pessoa e da minha vida?

O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço,

Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime,

Da mesma inevitável exterioridade a mim,

Que o calor da terra no alto do Verão

E o frio da terra no cimo do Inverno.

Aceito por personalidade.

Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,

Mas nunca ao erro de querer compreender demais,

Nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência.

Nunca ao defeito de exigir do Mundo

Que fosse qualquer coisa que não fosse o Mundo.

Alberto Caeiro (Heterônimo de Fernando Pessoa, 24-10-1917).

terça-feira, 18 de junho de 2024

HOJE TEM PIQUENIQUE?

Para comemorar o Dia Internacional do Piquenique, “Le Déjeuner sur l’Herbe” (1863), tela de Édouard Manet, exibida pela primeira vez no salão dos recusados – tipo protesto dos que artistas que não participaram do Salão Oficial de 1863. Já li várias críticas sobre o quadro e em algum lugar sobre a exploração do corpo feminino, machismo etc. e tal, mas a dama desnuda encara o espectador com uma naturalidade quase provocante para a época. É um belo quadro. Acervo do Museu d'Orsay em Paris.

A data (mais uma) foi criada no Hemisfério Norte para saudar o verão que começa no dia 20/06, época de aproveitar a vida ao ar livre. 

(Eu não gosto de piquenique ou convescote. Atrai formigas e borboletas!)



domingo, 16 de junho de 2024

PERDER-SE

“Saber orientar-se numa cidade não significa muito. No entanto, perder-se numa cidade, como alguém se perde numa floresta, requer instrução. Nesse caso, o nome das ruas deve soar para aquele que se perde como o estalar do graveto seco ao ser pisado, e as vielas do centro da cidade devem refletir as horas do dia tão nitidamente quanto um desfiladeiro. Essa arte aprendi tardiamente; ela tornou real o sonho cujos labirintos nos mata-borrões de meus cadernos foram os primeiros vestígios."

Filósofo alemão Walter Benjamim (1892-1940).

Rua da Aclimação.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

VILA ZELINA

 (Texto revisado.)

Saí disposta a conhecer a primeira igreja ortodoxa russa de São Paulo, inaugurada em meados dos anos 1930, numa região onde predominam os imigrantes do Leste europeu. Dia ensolarado, temperatura amena. Metrô direto até a Vila Prudente, na Zona Leste. Uma estação enorme, com um terminal de ônibus proporcional. Nesse mundo de aplicativos que servem de guia, ninguém mais precisa saber caminhos ou nomes de ruas. Ao seguir a rota pelo celular as pessoas não veem o entorno – paisagem, pessoas, comércio e ainda se arriscam a um atropelamento. Por causa dessas inovações pouco adianta você perguntar onde fica tal rua ou avenida... Consigo, entretanto, saber onde é o ponto do ônibus.

        O motorista, um senhor experiente, dirige com tranquilidade. Nos bancos da frente, apenas senhoras igualmente experientes. Uns cinco minutos depois, paramos em um semáforo e do lado direito há uma pracinha esquisita onde funcionários da prefeitura trabalham na limpeza. Enquanto aguardamos luz verde, observamos os garis. Um varre o lixo para uma pá de cabo longo que o colega segura com evidente displicência e, quando ela está cheia, joga o conteúdo para a caçamba de um caminhão da prefeitura. Metade do lixo volta para o chão. A operação se repete com o mesmo resultado. O motorista ri, as senhoras se agitam com a incompetência de dupla (acho que era má vontade) que é observada pelo motorista do caminhão e por outro funcionário. Sinal verde. A viagem continua. Sobe um senhor de bengala – todas querem ceder o lugar, ele agradece, porque já vai descer no próximo ponto, que por acaso é onde ficarei.

A praça República da Ucrânia é pequena, densamente arborizada. Há várias mesinhas, ocupadas por aposentados que conversam, jogam xadrez ou dama; em mesa mais afastada, uma moça lê um livro e num banco de jardim um homem deitou-se preguiçosamente. O topo do monumento à Liberdade, no centro da praça, fica sob o abrigo das árvores e mal dá para ver e muito menos fotografar. Peço informações a dois senhores que conversam em voz baixa, coisa pouco usual nesses tempos.  Não conhecem a Igreja Ortodoxa russa que procuro; aproveito para visitar a igreja Católica Romana de São José, que domina a praça. Na saída, encontro o passageiro de bengala.

Uma senhora me aborda para saber de uma igreja protestante que tem um bazar semanal muito bom. Explico que não conheço o bairro, ela ri porque também não é da região: mora na Vila Mariana como eu, mas estava visitando a mãe. Vamos até a banca de jornal – gente simpática que ensina para ela onde é o bazar e a mim dá a direção da igreja ortodoxa. Depois~~ de galgar uma ladeira e chegar aonde deveria, descubro uma igreja, mas não a que procurava. Abordo um senhor que estava entrando em casa estranha ao lado de outra muito bonita. Atencioso ele me explica que a igreja é longe.

Comento que o pouco da Vila Zelina que vi naquela manhã me deixou encantada. Parece uma cidade do interior: casas baixas, ruas limpas, silenciosas e moradores atenciosos. Ele diz que, infelizmente, a violência também está chegando por lá. Uma pena! Nos despedimos. Outro dia irei conhecer a igreja russa. 


É bem possível que a maioria das pessoas não tenha ideia de onde fica a República da Lituânia e, no entanto, pode-se dizer que fica na cidade de São Paulo, exatamente na Vila Zelina (Distrito de Vila Prudente), onde se estabeleceu a segunda maior colônia de imigrantes lituanos do mundo (a primeira foi em Chicago, EUA). Os lituanos não foram os únicos imigrantes do Leste Europeu, que chegaram a São Paulo no início do século passado por causa da I Guerra Mundial (1914-1918) e da Revolução Russa (1917). Vieram russos, poloneses, húngaros, búlgaros e ucranianos que se estabeleceram numa área da cidade, na época, quase rural.

Quando a Vila Prudente começou a se desenvolver, Cláudio Monteiro Soares Filho, proprietário de terras da região conhecida como Baixos do Embaúba, resolveu lotear sua área para vender, o que ele achou um bom negócio para ele e para o bairro. Soares Filho delegou a corretagem dos terrenos a Carlos Corkisko, um imigrante russo poliglota. Nesse ponto, há divergências. Para uns ele era russo e para outros era lituano. A explicação para a segunda versão é de que , naqueles tempos, o país pertencia à Rússia e seu sobrenome seria Korsiski em lituano.

Não se sabe ao certo o que levou os imigrantes do Leste Europeu escolherem o bairro – talvez porque o loteamento fosse novo e eles poderiam se estabelecer de acordo com seus costumes. Abriram diversos tipos de comércio – as padarias faziam pão preto; os restaurantes ofereciam borsch, a famosa sopa de beterraba russa, pierogi – um pastel cozido com recheios variados típico da Ucrânia e Polônia, assim como o varenik russo; havia ainda o chucrute, pepino curtido e arenque defumado. O artesanato veio junto, especialmente as pinturas em porcelana, arte em madeira, bordados típicos e ovos pintados.

A vida ia tranquila, longe de conflitos, mas a comunidade não tinha como expressar sua religiosidade e sentia falta de igrejas locais. Em 1931, a família Giacolini doou um terreno para a construção da primeira igreja ortodoxa russa de São Paulo e em 1934 Cláudio Monteiro Soares Filho doou um terreno e tijolos para a construção da Igreja Católica Romana de São José.  

E por que Vila Zelina? Simples. Zelina foi homenagem a uma das filhas do casal Alvarenga Monteiro Soares e dona Zenobia, que teve outros dois filhos Helena e Cláudio Júnior.



quarta-feira, 12 de junho de 2024

DIA DOS NAMORADOS

Para os românticos inveterados, a poesia erudita de Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa).  Para os amantes de clássicos do cinema, o beijo transgressor de Burt Lancaster e Deborah Kerr, no filme “A um passo da Eternidade”, dirigido por Fred Zinnemann, em 1953. 


NÃO SEI se é amor que tens, ou amor que finges, 
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta. 
            Já que o não sou por tempo, 
            Seja eu jovem por erro. 
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso. 
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva 
            É verdadeira. Aceito, 
            Cerro olhos: é bastante. 
            Que mais quero? 

ODES de Ricardo Reis



FROM HERE TO ETERNITY/ A UM PASSO DA ETERNIDADE

https://www.youtube.com/watch?v=7TlDNMc_hFk



terça-feira, 11 de junho de 2024

FOTÓGRAFOS DE RUA

 

O que fotografava o lambe-lambe na esquina da avenida São João com Ipiranga? Nada. Ele é uma estátua viva – uma das muitas que se encontram pelas ruas de São Paulo. 6/06/24.




Uma coisinha insignificante

Mas pra quem ama é tão importante
Um simples retrato, tipo três por quatro
Na minha carteira

(Xororó e Alcino Alves)


sábado, 1 de junho de 2024

VAMOS CAMINHAR. SEMPRE.

Frequentemente, escrevo sobre as caminhadas e passeios que faço, afinal uma senhora aposentada tem que arranjar o que fazer do seu tempo, sem obrigação e sem compromisso. Naturalmente, passeio pode ser feito de várias formas – de carro, ônibus, trem, metrô, VLT, bicicleta, moto, caminhão, avião e barco (não importa o tamanho), skate ou patins, mas o original e mais proveitoso mesmo é caminhar. Ao caminhar a pessoa aproveita a paisagem, observa e ouve as pessoas em torno, descobre caminhos novos e avalia as mudanças que a cidade teve ao longo dos anos – modas e modismos. Sem falar que faz bem à saúde.

Minhas caminhadas começaram na infância e estenderam-se até a adolescência. Chovesse ou fizesse sol eu ia para a escola a pé; quando iniciei o clássico pegava o bonde 32 e, na época da faculdade, o trólebus 53 – este passava na rua onde eu morava. Não foi diferente quando fui trabalhar: a empresa não era longe e condução, só em dias chuvosos. Andar sempre fez parte da minha história e só aos poucos se tornou uma prática desafiadora.

A primeira caminhada longa foi na Serra do Mar, promovida pelo Grupo de Andarilhos do Enguaguaçu, entidade ecológica criada pela esportista e cronista santista Lydia Frederici (1919-1994). Achei que poucas pessoas se arriscariam a descer o velho Caminho do Mar (Estrada Velha de Santos) a pé num domingo de verão tórrido, mas foram necessários uns dez ônibus para levar todos os inscritos até o topo da Serra e voltar para apanhá-los em Cubatão. Anos depois, um grande desafio: ir a pé de Peruíbe a Iguape – dessa vez em uma das muitas caravanas organizadas pelo o ambientalista Ernesto Zwarg Jr. (1925-2009) em defesa da preservação da Jureia e do Caminho do Telégrafo do Imperador. Novas experiências: descer pela rodovia Mogi-Bertioga antes da inauguração e em outra ocasião fui, com um pequeno grupo organizado por minha amiga jornalista e escritora Elaine Saboia, conhecer o caminho pela encosta da Serra de Mogi que leva à Vila de Itatinga, no Litoral Norte – um dos lugares mais belos que conheci. Fiz também uma caminhada na Ilha do Cardoso. Bons tempos em que era possível se aventurar com segurança.

O tempo passou e eu agora me restrinjo a caminhadas urbanas não apenas por São Paulo e Santos, mas em qualquer cidade em que esteja. Levanto e abro as janelas – para o sol ou para a chuva e o burburinho da rua. É na rua que a vida fervilha. Gosto de observar, pensar sobre o que vejo, às vezes escrever sobre lugares e situações. Encontro pessoas de todos os tipos no caminho – desde trabalhadores, os tradicionais vagabundos, artistas de rua, pedintes, loucos, ambulantes, crentes de todos os tipos, tagarelas insuportáveis, drogados, indiferentes, fofoqueiros e loucos...É nas ruas que se pode ver que o tempo passa, tudo muda, se renova – mudam as pessoas, muda a moda.

Estrada Mogi-Bertioga em obras, anos 1970.

Ilha do Cardoso, anos 1990.

Grupo de Andarilhos do Enguaguaçu, provavelmente 1980.