sexta-feira, 21 de junho de 2024

SELOS DE AMIZADES

 


“Quem examina pilhas de cartas antigas, um selo, que há muito tempo está fora de curso, sobre um envelope frágil, diz mais a ele que dúzias de páginas relidas. Muitas vezes se os encontramos em cartões postais e então não se sabe: deve-se destacá-los ou guardar o cartão tal como está, como a folha de um velho mestre que tem do lado da frente e do de trás dois diferentes desenhos igualmente valiosos? Há também nas caixas de vidro dos cafés, cartas que têm contas a ajustar e estão expostas no pelourinho diante de todos os olhos. Ou foram deportadas e são obrigadas a definhar nessa caixa ano após ano, sobre um Sala y Gomes* de vidro? Cartas que permaneceram muito tempo sem serem abertas adquirem algo de brutal; são deserdados que perfidamente forjam uma quieta vingança por longos dias de sofrimento. Muitas delas, mais tarde, expõem nas vitrines dos comerciantes de selos os envelopes inteiramente marcados a fogo por carimbos.” “Comércio de Selos”, de Walter Benjamin.

Gosto demais de Walter Benjamin, embora nem sempre concorde com suas ideias. Ao ler seus devaneios sobre selos, lembrei que guardo cartas e cartões postais que amigos e familiares me enviaram ao longo de décadas. Elas significam muito para mim – por eles terem se lembrado de mim em algum momento das suas viagens ou nos lugares para onde mudaram a fim de iniciar uma nova vida, levando-me em suas memórias. Os selos? Nunca pensei em colecioná-los. Para Benjamin “Selos são cartões de visitas que os grandes Estados deixam no quarto das crianças”, quanto a mim, sou mais prática. Eles são selos de antigas e queridas amizades, muito mais que o recibo do pagamento pelo serviço postal que, tradicionalmente, celebra a cultura e a história do país emissor. Carta selada é entregue sem custo para o destinatário, que só arca com a despesa quando a missiva chega sem os devidos selos. Na foto, apenas uma parte da correspondência guardada em caixas organizadoras.

* Ilha vulcânica desabitada do Chile.




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