(Texto revisado.)
Saí disposta a conhecer a primeira igreja ortodoxa russa de São Paulo, inaugurada em meados dos anos 1930, numa região onde predominam os imigrantes do Leste europeu. Dia ensolarado, temperatura amena. Metrô direto até a Vila Prudente, na Zona Leste. Uma estação enorme, com um terminal de ônibus proporcional. Nesse mundo de aplicativos que servem de guia, ninguém mais precisa saber caminhos ou nomes de ruas. Ao seguir a rota pelo celular as pessoas não veem o entorno – paisagem, pessoas, comércio e ainda se arriscam a um atropelamento. Por causa dessas inovações pouco adianta você perguntar onde fica tal rua ou avenida... Consigo, entretanto, saber onde é o ponto do ônibus.
O motorista, um senhor experiente, dirige com tranquilidade. Nos bancos da frente, apenas senhoras igualmente experientes. Uns cinco minutos depois, paramos em um semáforo e do lado direito há uma pracinha esquisita onde funcionários da prefeitura trabalham na limpeza. Enquanto aguardamos luz verde, observamos os garis. Um varre o lixo para uma pá de cabo longo que o colega segura com evidente displicência e, quando ela está cheia, joga o conteúdo para a caçamba de um caminhão da prefeitura. Metade do lixo volta para o chão. A operação se repete com o mesmo resultado. O motorista ri, as senhoras se agitam com a incompetência de dupla (acho que era má vontade) que é observada pelo motorista do caminhão e por outro funcionário. Sinal verde. A viagem continua. Sobe um senhor de bengala – todas querem ceder o lugar, ele agradece, porque já vai descer no próximo ponto, que por acaso é onde ficarei.
A praça República da Ucrânia é pequena,
densamente arborizada. Há várias mesinhas, ocupadas por aposentados que
conversam, jogam xadrez ou dama; em mesa mais afastada, uma moça lê um livro e num
banco de jardim um homem deitou-se preguiçosamente. O topo do monumento à
Liberdade, no centro da praça, fica sob o abrigo das árvores e mal dá para ver
e muito menos fotografar. Peço informações a dois senhores que conversam em voz
baixa, coisa pouco usual nesses tempos. Não conhecem a Igreja Ortodoxa russa que
procuro; aproveito para visitar a igreja Católica Romana
de São José, que domina a praça. Na saída, encontro
o passageiro de bengala.
Uma senhora me aborda para saber de uma igreja
protestante que tem um bazar semanal muito bom. Explico que não conheço o
bairro, ela ri porque também não é da região: mora na Vila Mariana como eu, mas
estava visitando a mãe. Vamos até a banca de jornal – gente simpática que
ensina para ela onde é o bazar e a mim dá a direção da igreja ortodoxa. Depois~~
de galgar uma ladeira e chegar aonde deveria, descubro uma igreja, mas não a
que procurava. Abordo um senhor que estava entrando em casa estranha ao lado de
outra muito bonita. Atencioso ele me explica que a igreja é longe.
Comento que o pouco da Vila Zelina que vi
naquela manhã me deixou encantada. Parece uma cidade do interior: casas baixas,
ruas limpas, silenciosas e moradores atenciosos. Ele diz que, infelizmente, a
violência também está chegando por lá. Uma pena! Nos despedimos. Outro dia irei
conhecer a igreja russa.
É bem possível que a maioria das pessoas não tenha ideia de onde fica a República da Lituânia e, no entanto, pode-se dizer que fica na cidade de São Paulo, exatamente na Vila Zelina (Distrito de Vila Prudente), onde se estabeleceu a segunda maior colônia de imigrantes lituanos do mundo (a primeira foi em Chicago, EUA). Os lituanos não foram os únicos imigrantes do Leste Europeu, que chegaram a São Paulo no início do século passado por causa da I Guerra Mundial (1914-1918) e da Revolução Russa (1917). Vieram russos, poloneses, húngaros, búlgaros e ucranianos que se estabeleceram numa área da cidade, na época, quase rural.
Quando a Vila Prudente começou a se desenvolver, Cláudio Monteiro Soares Filho, proprietário de terras da região conhecida como Baixos do Embaúba, resolveu lotear sua área para vender, o que ele achou um bom negócio para ele e para o bairro. Soares Filho delegou a corretagem dos terrenos a Carlos Corkisko, um imigrante russo poliglota. Nesse ponto, há divergências. Para uns ele era russo e para outros era lituano. A explicação para a segunda versão é de que , naqueles tempos, o país pertencia à Rússia e seu sobrenome seria Korsiski em lituano.
Não se sabe ao certo o que levou os imigrantes
do Leste Europeu escolherem o bairro – talvez porque o loteamento fosse novo e
eles poderiam se estabelecer de acordo com seus costumes. Abriram diversos
tipos de comércio – as padarias faziam pão preto; os restaurantes ofereciam borsch,
a famosa sopa de beterraba russa, pierogi – um pastel cozido com
recheios variados típico da Ucrânia e Polônia, assim como o varenik russo; havia ainda o chucrute, pepino
curtido e arenque defumado. O artesanato veio junto, especialmente as pinturas
em porcelana, arte em madeira, bordados típicos e ovos pintados.
A vida ia tranquila, longe de conflitos, mas a
comunidade não tinha como expressar sua religiosidade e sentia falta de igrejas
locais. Em 1931, a família Giacolini doou um terreno
para a construção da primeira igreja ortodoxa russa de São Paulo e em 1934 Cláudio
Monteiro Soares Filho doou um terreno e tijolos para a construção da Igreja
Católica Romana de São José.
E por que Vila Zelina? Simples. Zelina foi homenagem a uma das filhas do casal Alvarenga Monteiro Soares e dona Zenobia, que teve outros dois filhos Helena e Cláudio Júnior.
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